Ministério debate no Rio cultura como motor de transformação

Publicado em 06/12/2015 - 17:31 Por Alana Gandra - Repórter da Agência Brasil - Rio de Janeiro

O Ministério da Cultura promove, a partir desta segunda-feira (7), um encontro de redes, pessoas e grupos do Brasil e de outros países da América Latina e de outras regiões para que se conheçam e façam um debate amplo sobre experiências em que a cultura é motor de transformação, inovação e construção de pensamento. O Projeto Emergências é um evento de confluência no campo da cultura e terá eventos no Rio de Janeiro, em sua região metropolitana e na Baixada Fluminense, disse a secretária de Cidadania e Diversidade Cultural do ministério, Ivana Bentes.

"É o que se poderia chamar de um fórum cultural ou social, onde se articulam pessoas, projetos, organizações que trabalham para, a partir da cultura, pensar várias outras questões, entre as quais questões políticas e de comportamento”, disse à Agência Brasil a secretária de Cidadania e Diversidade Cultural do Ministério da Cultura, Ivana Bentes. Trata-se de um evento de articulação e mobilização do campo cultural em torno de projetos de inovação social, acrescentou.

Como a cultura permeia as lutas pelos direitos nos mais diversos campos, o Projeto Emergências reunirá representantes das áreas política, econômica e artística, abrangendo temas de relevância como ativismo e espaço público, culturas indígenas, direitos dos povos, gênero, redes sociais, território e cidadania, crise migratória e fronteiras, aquecimento global, direito autoral, livre comércio, linguagens, capital, juventude, negros, transsexuais e prostitutas, diversidade, drogas, mulheres, segurança pública e democracia.

Para Ivana, a cultura tem a força mobilizadora e de articulação que pode gerar soluções para os problemas que os diversos grupos apresentam. “O que estamos vivendo hoje é uma crise de cultura política, de cultura econômica, de mudança de mentalidade cultural. Todos esses grupos trabalham com a perspectiva de mudança cultural. O que é a intolerância religiosa, o que é essa onda conservadora contra as minorias, o que é a questão do preconceito em relação aos imigrantes?”, indagou a secretária.

Ela disse que tais questões envolvem problemas políticos e econômicos que dependem de uma mudança de mentalidade e ressaltou que o campo da cultura está à frente quando se fala em  mudança. Ivana lembrou que muitos grupos culturais, além de parlamentares que se articulam em torno de questões de comportamento, têm apresentado saídas e formas de convivência e tolerância, que apontam realmente para uma mudança. “No ministério, temos uma convicção muito grande de que já é uma realidade colocar cultura na centralidade de um novo modelo de desenvolvimento, de um novo modelo político, de novos modelos que apostam na inovação social da própria sociedade, apresentando saídas.”

Amplitude

Todos os grupos com os quais o Ministério da Cultura trabalha, como indígenas, quilombolas e pessoal de teatro, que estão articulados em torno de políticas públicas, já se pensam como atores mais amplos do que o setor cultural, afirmou a secretária. Para Ivana, tais grupos partem de sua experiência territorial-cultural para pensar questões como violência e aquecimento global, por exemplo. “São grupos que estão antenados com questões muito diversas.”

A temática indígena, por exemplo, é modelo para uma reflexão sobre o meio ambiente e a valorização da diversidade cultural brasileira, que enfrenta muitos preconceitos, disse a secretária. Já os grupos que trabalham com a questão da mídia livre debatem temas como democratização dos meios de comunicação, novos fenômenos ligados às redes sociais e mudanças de comportamento e de organização social. “O trabalho deles já engloba uma série de mudanças decisivas, de forma mais ampla.”

O Projeto Emergências coloca a cultura no centro do debate social, das saídas e das inovações, inclusive como laboratório de políticas públicas, destacou Ivana, ao lembrar a existência de novas formas de sociabilidade. O Ministério da Cultura convidou redes e coletivos de todo o mundo para apresentar suas experiências durante o evento, que se estenderá até o dia 13 no Rio, em sua região metropolitana e na Baixada Fluminense. “A ideia é que esses grupos conheçam os trabalhos, a metodologia, uns dos outros. São experiências que estão dando certo nos seus territórios, nos seus países.”

Segundo a secretária, a meta é sair do discurso de imobilidade por causa da crise e apresentar soluções de sustentabilidade, de participação no cenário político e social, de organização.,“Há soluções muito inspiradoras inclusive para este momento de crise no Brasil, na América Latina, que interessam de forma mais ampla.” Ivana ressaltou, porém, que muitos grupos trabalham de forma parecida, mas desconectados.

Durante o evento, serão apresentadas várias experiências que ocorrem no Rio de Janeiro, visando à troca de metodologias e práticas. Ivana destacou a urgência da discussão do racismo e do discurso de ódio contra as minorias. “São questões urgentes, no sentido de que estão aí na pauta cotidiana”. De acordo com a secretária, há centenas de milhares de ações que buscam a construção de outra cultura política, de tolerância. Tudo isso está em construção. E é preciso dar visibilidade a essas emergências.”

Trabalhadoras sexuais

A presidenta do grupo Transrevolução, representante da Região Sudeste na RedTrans Brasil, Indianara Siqueira, que participará de debate na Fundição Progresso sobre o tema trabalhadoras sexuais, direito, voz e dignidade, vai falar sobre suas experiências e a visão não criminalizadora da profissão de travestis e prostitutas. “Na realidade, é falar sobre a importância da regulamentação dos espaços onde trabalhamos, mudar a visão da sociedade, regulamentar as figuras do cafetão, da cafetina”.

Indianara disse que, apesar de haver leis que protegem as prostitutas, na prática, isso não acontece. “Porque não é um trabalho que é feito de educação. Ainda tem muito estigma sobre as trabalhadoras de toda a profissão e na cultura é tido como algo criminoso.”

Mesmo a polícia, quando vai a um lugar inibir algum crime, não sabe se posicionar perante as prostitutas, que acabam sendo tratadas como criminosas, acrescentou Indianara. “Às vezes, a polícia vai a um local para inibir um crime, até contra as prostitutas, mas acaba violentando essas pessoas”. É contra esse estigma e o olhar da sociedade sobre as profissionais do sexo que Indianara diz lutar.

Questão indígena

O líder indígena, escritor e ambientalista Ailton Krenak participará do debate sobre culturas indígenas no Emergências. O representante da etnia Krenak, de Minas Gerais, disse que não tem motivos para comemorar. “Este ano inteiro foi um ano na contramão para os índios brasileiros, em geral.” Krenak citou a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte na Amazônia, que “está sendo feita na marra”; a tensão entre trabalhadores e indígenas de Tapajós, “botando os mundurukus em pânico”.

De acordo com Krenak, os abusos sofridos pelos indígenas não tiveram solidariedade no Congresso Nacional. “Ficamos no mato sem cachorro.” Nessa situação, o Ministério da Cultura acabou assumindo uma trincheira importante no sentido de abrir alguma perspectiva de debate do assunto indígena, disse ele.

Krenak acusou o Congresso de "assaltar" os direitos indígenas. Ele afirmou que o último ato contra os índios foi a instituição da Comissão Parlamentar de Inquérito da Fundação Nacional do Índio (CPI da Funai), dirigida por ruralistas. “Eles estão entrincheirando o assunto indígena como se essa temática fosse o último reduto que o agronegócio, o garimpo e a mineração não conseguiram ainda dominar. Eles querem dominar esse reduto. Já comeram a gente pelas pernas fazendo a mudança do Código Florestal, têm aprovado o que querem no Congresso, porque têm a maioria esmagadora, e o Executivo é conivente.”

O líder indígena lamentou que não haja mais uma secretaria da Presidência da República que defenda os interesses da União, “porque ataques a terras indígenas significavam que se estava atacando um patrimônio da União, uma vez que as terras que os povos indígenas habitam pertencem à União. Quem invade o território indígena para fazer garimpo, mineração ou tirar madeira, está roubando um patrimônio público do qual a União é guardiã”. Nem a Advocacia-Geral da União (AGU) defende os interesses da União, afirmou Krenak. Ele destacou que os povos indígenas tornaram-se os últimos defensores da biodiversidade de florestas no país, “sem apoio inclusive dos ambientalistas”, que estão concentrados na Conferência do Clima, em Paris.

Quanto ao Projeto Emergências, Krenak espera fechar o ano exercendo o jus sperniandi (expressão jocosa, muito usada no meio jurídico, que significa direito de espernear ou de reclamar). “É o direito que o cara que está sendo executado tem de dizer as últimas palavras, espernear, xingar o algoz dele. Nós estamos literalmente sendo assaltados. Os direitos indígenas estão sendo assaltados.”

Krenak lembrou que o território de seu povo, o Rio Doce, atingido pela queda de uma barreira da mineradora Samarco, que destruiu o distrito de Bento Rodrigues, em Mariana (MG), foi envenenado. A qualidade da água naquela bacia levará muito tempo para poder ser usada de novo pela população local. Por todos esses motivos, reafirmou Krenak, os índios brasileiros não têm o que celebrar.

Edição: Nádia Franco

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