Rio quer fazer exposição com imagens de religiões afro apreendidas pela polícia

As imagens sagradas de religiões de matriz africana que fazem parte do

Publicado em 19/08/2017 - 15:51 Por Alana Gandra - Repórter da Agência Brasil - Rio de Janeiro

A Secretaria de Estado de Direitos Humanos e Políticas para Mulheres e Idosos do Rio de Janeiro pretende organizar uma exposição itinerante com imagens sagradas de religiões de matriz africana que foram apreendidas pela Polícia Cívil em terreiros e encruzilhadas no início do século passado.

O projeto depende de autorização do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), que será consultado para saber se as peças estão em condições para serem expostas. O Museu Nacional, vinculado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), já demonstrou interesse em receber a exposição. Atualmente o acervo está no Museu da Polícia Civil, localizado na região central da capital fluminense.

Rio de Janeiro - O secretário estadual de Direitos Humanos Átila Nunes fala no lançamento da campanha de combate ao abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes no estado (Tomaz Silva/Agência Brasil)

O secretário estadual de Direitos Humanos, Átila Nunes, diz que, se possível, poderá fazer a primeira exposição itinerante ainda este anoTomaz Silva/Agência Brasil

O secretário estadual de Direitos Humanos, Átila Nunes, disse que combinou com o chefe da Polícia Civil, Carlos Augusto Leba, que a exposição itinerante será feita em conjunto pelas duas entidades. O Museu da Polícia Civil atualmente está passando por reforma e está fechado ao público.

Recolhidas como crime

As imagens sagradas de religiões de matriz africana que fazem parte do acervo do Museu da Polícia Civil, que tem algumas peças centenárias, foram recolhidas pela polícia por serem consideradas provas de crimes segundo o Código Penal de 1890. O acervo foi tombado em 1938 pelo antigo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Sphan), hoje Iphan, como Coleção de Magia Negra.

O secretário de Direitos Humanos disse que a dinâmica, naquela época, associava os cultos africanos à magia negra. “Demonstrava todo preconceito religioso que havia na época. A religião católica era predominante e, infelizmente, foi um período em que acabaram associando as práticas religiosas de matriz africana com prática de magia negra”.

Resgate

Após serem apreendidas, as imagens ficaram com a Polícia Civil. Nunes quer resgatar essa história, que marca a trajetória de dificuldades que as religiões da umbanda e candomblé passaram até serem reconhecidas oficialmente na atualidade. “A ideia é que a gente possa levar essas imagens sagradas para diversas localidades do estado, para que as pessoas interessadas possam visitar e conhecer toda a história que tem por trás delas”, disse.

Nunes explicou que existia uma política de Estado “equivocada” no início do século passado que entendia como práticas proibidas as religiões de matriz africana, como umbanda e candomblé. “[Essas religiões] foram as que mais sofreram dentro dessa perseguição religiosa na época e a Polícia Civil é que acabava fazendo as operações na prática, não só prendendo os dirigentes, mas também apreendendo as imagens sagradas desses terreiros”.

O secretário diz que além do valor religioso que essas imagens têm, elas são uma demonstração da cultura brasileira, que passou por uma transição. O Iphan será consultado para saber as condições das peças e se elas poderão ser expostas em diferentes museus e equipamentos culturais. O secretário disse que soliciou uma reunião com o instituto para fazer a proposta de exposição itinerante e tem um encontro marcado com o delegado responsável pelo Museu da Polícia Civil para verificar o estado de conservação das peças.

Nunes disse que o que vai determinar a data da primeira exposição das imagens sagradas africanas apreendidas é a autorização do Iphan. Se autorizada, ele pretende promover a primeira mostra ainda este ano.

Museu da Polícia Civil

A Polícia Civil informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que o museu da instituição está passando por reformas e todas as peças estão “acondicionadas”, por isso não há como fotografar as obras que integram o acervo. A assessoria esclareceu que “em breve, estando pronta a restauração”, será possível atender a imprensa sobre o assunto.

O diretor do museu, delegado Cyro Advincula, comunicou que, em razão da reforma, também não pode ser quantificado o total de peças. Isso será possível somente após a reinauguração do museu, que ele prevê que deve ocorrer ainda este ano.

Campanha

Um grupo de mães de santo, militantes do movimento negro, intelectuais e políticos lançaram, em junho deste ano, a campanha Libertem Nosso Sagrado para que as peças saiam do Museu da Polícia Civil, que teve a adesão da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). Para Maria do Nascimento, conhecida como Mãe Meninazinha de Oxum, do terreiro Ilê Omaru Oxum, de São João de Meriti, na Baixada Fluminense, as imagens religiosas “têm uma importância muito grande”.

“O coletivo do povo do candomblé e da umbanda, das religiões afro, luta para que as peças saiam do Museu da Polícia Civil e sejam transferidas para outro lugar, justamente para que as pessoas possam conhecer a história dessas peças e a maneira como elas foram levadas para o museu da polícia”, disse.

De acordo com informações que Mãe Meninazinha de Oxum recebeu, o acervo seria composto por cerca de 200 peças, entre imagens religiosas, instrumentos musicais e outros objetos. “Todas usadas nos rituais”. Ela considera uma boa opção que as imagens sagradas sejam expostas no Museu Nacional.

Polêmica

O interlocutor da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa, babalaô Ivanir dos Santos, se mostrou contrário à realização de uma exposição itinerante com as imagens. Ele disse que elas devem ser retiradas do Museu da Polícia Civil e colocadas em um lugar próprio onde possam ser preservadas.

“Elas devem estar em um lugar apropriado. Elas não são obras de arte; são objetos sagrados. Sair com esses objetos em romaria itinerante, eu não acho correto. Não é para ser exposto de forma vulgar. Tem que dar a atenção devida a esses objetos”.

Ivanir dos Santos sugeriu que seja criado um museu religioso afro-brasileiro, onde as pessoas possam conhecer um pouco da história da repressão a esses movimentos. Para ele, criar uma exposição itinerante é criar um “espetáculo desnecessário”. A Secretaria de Estado de Direitos Humanos e Políticas para Mulheres e Idosos do Rio de Janeiro não comentou as colocações do babalaô Ivanir dos Santos.

 

 

Edição: Fábio Massalli

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