Festival do Rio se firma como maior plataforma de lançamento de filmes nacionais

Publicado em 05/10/2017 - 16:51 Por Isabela Vieira – Repórter da Agência Brasil - Rio de Janeiro

“Bicho são todos, doutora, todos. A polícia, o tráfico, eu, você, todo mundo é bicho. Então não te preocupa não, que essa porrada aqui não ficou à toa, não.”

A fala é da personagem Gloria, uma ascensorista negra com histórico de violência na família e estupro pelo próprio pai, que procura ajuda em um consultório popular de psicanálise e é atendida por Camila, jovem portuguesa branca que está no Brasil fazendo pós-graduação. As duas personagens fazem parte do filme Praça Paris, longa-metragem da diretora Lucia Murat, uma das produções mais aguardadas na Première Brasil do Festival do Rio 2017, que começa hoje (5).

Roteirizado em parceria com o escritor de suspense Raphael Montes, que apresenta o programa Trilha de Letras, na TV Brasil, a estreia de Praça Paris está prevista para o sábado (7), às 19h. No domingo (8), às 13h, haverá uma sessão especial, no Cine Odeon, no centro, com debate entre a diretora e as atrizes Grace Passô, que interpreta Glória, e Joana de Verona, que vive Camila.

A cineasta Lucia Murat

A cineasta Lucia Murat dirige o longa-metragem Praça Paris, uma das produções mais aguardadas na Première Brasil do Festival do Rio 2017   Divulgação 

Segundo a diretora, o thriller parte de fatos reais e discute o distanciamento da classe média da violência do cotidiano dos mais pobres. O medo do “outro” é a chave do filme que mostra jovens alunas de psicologia desenvolvendo um “medo crônico de pobres”, ao se depararem com a dureza dos relatos de pacientes, de injustiças a homicídios.

“A questão da violência sempre me interessou por ter sido parte da minha vida, já que vivi os horrores da ditadura brasileira”, disse Lucia Murat. Praça Paris, no entanto, vai além. “Trabalha o medo e a paranoia numa relação entre duas pessoas com histórias e classes sociais diferentes”, completou.

Com o slogan, “Aqui você vê o mundo”, o Festival do Rio 2017 exibirá 250 filmes, entre 5 e 15 de outubro, de mais de 60 países, divididos em 15 mostras e mais de 20 salas. Paralelamente, haverá seminários, workshops e debates com os realizadores.

Este ano, a Première Brasil, mostra em que se insere o Praça Paris, bate recorde e já se consolida como maior plataforma de exibição do cinema nacional, segundo um dos diretores do Festival do Rio 2017, Marcos Didonet.

Serão 75 filmes em cartaz, entre curtas e longas. O público poderá votar no melhor. “Este ano, o festival é marcado por uma conquista importante. O festival do Rio se transformou na maior plataforma de lançamento do cinema brasileiro. São filmes da safra de 2016 que estreiam agora. Recebemos um número enorme de inscritos e vimos que tínhamos que ampliar as mostras”, disse Didonet. Nas edições anteriores, eram de 20 a 25 filmes.

Ainda no quesito dramas nacionais, deve disputar o Troféu Redentor com o filme de Lucia Murat a produção Açúcar, de Renata Pinheiro e Sérgio Oliveira. Com Maeve Jinking no elenco, estrela do premiado O Som ao Redor, Açúcar revolve o passado escravocrata brasileiro ao voltar a um antigo engenho de cana-de-açúcar, em Pernambuco.

O pernambucano Fernando Weller abre a Première Brasil com o documentário Em nome da América. O filme retrata a controversa presença de jovens norte-americanos no Nordeste brasileiro, durante a ditadura-civil-empresarial-militar. O diretor se apoia em material de arquivo e documentação histórica para trazer à tona o medo das elites de que o Nordeste se tornasse “uma nova Cuba” e a influência dos Estados Unidos na América Latina.

Os cinéfilos poderão também ver novos trabalhos de diretores consagrados como Roman Polanski (Based on a true Story), Woody Allen (Roda Gigante), Faith Akin (Em pedaços e Tschick), além de Guillermo Del Toro, cujo filme A Forma da Água abre o festival, hoje, às 19h, em uma sessão de gala no Odeon. O diretor mexicano acaba de vencer o Leão de Ouro no Festival de Veneza com o filme, uma fábula ambientada na década de 1960, em plena Guerra Fria.

Filmes LGBT

Uma das novidades deste ano é o programa Felix Apresenta: Clássicos do Queer Britânico. A mostra comemora os 50 anos do fim do tratamento da homossexualidade como crime no Reino Unido. Três clássicos dos anos 80 e 90 estão na programação: Eduardo II, de Derek Jarman, Orlando – A mulher imortal, de Sally Porter, além de Minha Adorável Lavanderia, de Stephen Frears. Na mostra Felix, de temática LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais), há quatro anos na programação oficial, estão 32 longas e quatro curtas sobre a temática da identidade de gênero.

“Parece que o mundo anda meio que retrocedendo em algumas questões e tem também esses comportamentos da sociedade em relação à liberdade de expressão. O cinema vem para combater isso [o retrocesso] e mostra que é importante seguir rumo à modernidade”, acrescentou Didonet, ao falar sobre a Felix e esclarecer que o tema LGBT também aparece em outras mostras.

Outra inovação é a Mostra VR: realidade virtual. O festival abre espaço para o público conhecer a nova tecnologia em obras de ficção, documentários, animações e jogos.

 

*Colaborou Joana Moscatelli, do Radiojornalismo

Edição: Lílian Beraldo

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