Ato no DOI-Codi de SP homenageia militantes que lutaram na ditadura

Publicado em 31/03/2014 - 16:41 Por Camila Maciel - Repórter da Agência Brasil - São Paulo

Rua Tutoia, 921, bairro Paraíso, São Paulo. Esse é o endereço de um dos mais violentos centros de repressão da ditadura militar brasileira: o Destacamento de Operações de Informações – Centro de Defesa Interna (DOI-Codi). No prédio, onde atualmente funciona uma delegacia de polícia, pelo menos 56 militantes políticos foram mortos por fazer oposição ao regime e lutar pelo retorno à democracia. Hoje (31), no dia em que o golpe militar de 1964 completa 50 anos, movimentos sociais e organizações de direitos humanos fizeram um ato político-cultural no pátio externo do local.

“Estamos aqui hoje para que aquele horror nunca mais aconteça”, declarou Maria Amélia de Almeida Teles, ex-presa política e uma das fundadoras da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos. Ela ficou presa por um ano no DOI-Codi. “Vi amigos serem mortos aqui. Vi minha irmã, grávida de oito meses, levar choques na barriga. Aqui foi lugar de estupro. Eu fui torturada aqui”, relembrou. Transformar as instalações da Rua Tutoia em um centro de memória, a exemplo do que ocorreu com a antiga sede do Departamento de Ordem Política e Social (Dops), é uma das propostas apresentadas no manifesto lançado nesta segunda-feira por organizações de direitos humanos.

O prefeito Fernando Haddad, que compareceu ao ato, considerou positiva a iniciativa de tornar o prédio em um espaço de memória. “Há projetos em cursos. Uma maneira de não repetir os erros da ditadura é manter a história viva”, disse. Somente na semana passada, o decreto do governo estadual que permitia o uso do imóvel pelo Exército foi revogado. O pedido foi feito pelo deputado Adriano Diogo, ex-preso político, que preside a Comissão Estadual da Verdade Rubens Paiva. Em janeiro deste ano, o prédio foi tombado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat), com o objetivo de consolidar a transformação do espaço em memorial das vítimas da ditadura.

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O documento pede, ainda, a desmilitarização das polícias, por entender que a banalização dessa violência é “a pior herança da ditadura”. Segundo as mais de 140 organizações que assinam o manifesto, as mortes que eram acobertadas por falsas versões de suicídio, atropelamentos e mortes em tiroteios, durante o regime militar,  têm uma forma atual: os registros policiais de “resistência seguida de morte” para ocultar o “extermínio de jovens negros e pobres de nossas cidades”. O manifesto critica as propostas de reformas legislativas como a Lei de Segurança Nacional.

No ato, grupos culturais expressaram, por meio da música, da poesia e do teatro, a luta por democracia nos “Anos de chumbo”, como o período ficou conhecido. A música Suíte de Pescador, de Dorival Caymmi, abriu as homenagens aos ex-presos políticos com a apresentação do coral Luther King. “Meus companheiros também vão voltar. E a Deus do céu vamos agradecer. Cantávamos isso quando nossos amigos eram levados para serem torturados”, relembrou Gilberto Natalini, que foi torturado pelos agentes da repressão e, atualmente, é vereador pelo Partido Verde, em São Paulo.

A advogada criminalista Rosa Cardoso, que integra a Comissão Nacional da Verdade (CNV), destacou que o DOI-Codi tem uma importância histórica e política, “não só pela quantidade de pessoas que foram mortas, desaparecidas, mas, também, por ter se constituído como referência para outros destacamentos instalados no Brasil”. Ela explicou que a sede abrigou, inicialmente, a Operação Bandeirantes, a qual, segundo apurações da Comissão Estadual da Verdade, contou com o financiamento de empresários paulistas. A advogada acredita que esse modelo de “tortura e extermínio” foi exportado para outros estados do país.

Sobre os movimentos recentes de apoio à ação dos militares, como a reedição da Marcha da Família, o ex-preso político Ivan Seixas, que coordena o Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe), avaliou que são grupos minoritários, mas representam um pensamento de retrocesso no país. “Eles têm que agradecer a nós que derrubamos a ditadura. As pessoas que protestaram contra a instalação da ditadura há 50 anos foram abatidas a tiro e nós damos direitos a eles de se manifestar. A democracia é a melhor coisa que existe”, declarou.

Edição: Marcos Chagas

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