Justiça ouve testemunhas em julgamento de sequestro por agentes do Estado

Publicado em 27/03/2014 - 19:33 Por Camila Maciel - Repórter da Agência Brasil - São Paulo

Foram ouvidas hoje (27), no Fórum Criminal da Justiça Federal, em São Paulo, as primeiras testemunhas de defesa no processo que julga a participação de agentes do Destacamento de Operações de Informações–Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) e do Departamento de Ordem Política e Social (Dops) pelo sequestro qualificado de Edgar de Aquino Duarte, ocorrido em 1973. São réus na ação: o coronel reformado do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra, o delegado aposentado de polícia Alcides Singillo e o ex-investigador de polícia Carlos Alberto Augusto, atualmente delegado. Edgar continua desaparecido.

O procurador da República Andrey Mendonça avaliou que o fato de nenhuma das três testemunhas conhecer a vítima, as circunstâncias da prisão ou do sequestro fez com que os depoimentos não trouxessem grandes avanços no esclarecimento do caso. “Os testemunhos mais relevantes foram os de acusação, mas a legislação permite que a defesa arrole testemunhas para demonstrar que eles não têm participação nos fatos. As declarações não alteraram o panorama, só trouxeram conhecimento sobre os réus”, declarou à Agência Brasil.

Pela defesa de Singillo, o primeiro a ser ouvido foi Carmino Pepe, também delegado de polícia. Por ter declarado que é amigo do réu, a juíza Adriana Delboni Taricco decidiu que o depoimento serviria apenas como informação, e não como testemunho para o processo. O delegado declarou que Singillo exercia apenas a função de apurador dos fatos. “Ele não era delegado operacional. Não ia para a rua. Ele apenas presidia os inquéritos”, disse. Pepe informou que o amigo era responsável por fazer oitivas e atender a advogados, com os quais, segundo ele, mantinha bom relacionamento.

O segundo a depor foi o advogado José Valdir Martin. Ele relatou que conheceu Singillo no Dops, na condição de advogado. “Ele era delegado de cartório. Trabalhava como assistente do Fleury [Sérgio Paranhos Fleury, delegado que comandou o Dops]”, declarou. Questionado se tinha alguma dificuldade para falar com os presos que defendia, Martin reconheceu que não era fácil entrar no departamento. “Tomava chá de banco, esperava de duas a três horas para poder falar, e a conversa era sempre em uma sala. Nunca fui na carceragem”, relatou.

Por fim, foi ouvido Eduardo Nardi, que trabalhou com Singillo no Dops. Ele disse que cuidava apenas da parte de controle de material e de frequência, por isso não tem informações sobre a situação dos presos na carceragem. “O que eu sei é que ele era delegado assistente, e fazia mais a parte administrativa”, relatou.

O único réu presente na audiência foi Carlos Alberto Augusto. Embora as testemunhas tenham dito que conheciam ele, não detalharam aspectos profissionais ou pessoais dele. Pepe e Nardi, por sua vez, disseram apenas saber que ele tinha o apelido de Carteira Preta. No momento em que essa pergunta foi feita pelo procurador, o réu, que não poderia se manifestar, esboçou reação e foi repreendido pela juíza. Andrey Mendonça questionou ainda se eles tinham ouvido o apelido Carlinhos Metralha, como alguns presos políticos relataram, mas ambos negaram.

Segundo o Ministério Público Federal (MPF), Edgar ficou preso ilegalmente nas dependências do DOI-Codi e, depois, no Dops-SP até meados de 1973. Ele era amigo de José Anselmo dos Santos, o cabo Anselmo, que tinha acabado de retornar de Cuba, e com quem passou a dividir um apartamento no centro de São Paulo. A tese do MPF é que ele foi sequestrado pelos agentes da ditadura, porque conhecia a verdadeira identidade de cabo Anselmo, que passara a atuar como informante dos órgãos de repressão.

Para o Ministério Público, Edgar foi sequestrado e permanece desaparecido, caracterizando, portanto, que o crime não prescreveu e não está protegido pela Lei de Anistia. Segundo o MPF, enquanto não se souber o paradeiro da vítima e o corpo não for encontrado, o crime perdura no tempo. A Lei de Anistia não se aplica ao caso, porque o crime continuou a ser cometido após a aprovação da lei, em 1979.

É a primeira ação penal aceita pela Justiça, em que agentes do Estado são acusados por crimes na ditadura. Eles poderão ser responsabilizados criminalmente, e não apenas civilmente, como já ocorreu em junho do ano passado com Ustra, condenado em primeira instância a pagar indenização de R$ 100 mil pelas torturas que mataram o jornalista Luiz Eduardo Merlino, em 1971, durante a ditadura militar.

Outras testemunhas de defesa serão ouvidas nos dias 1º e 2 de abril. O procurador do caso estima que o processo dure pelo menos mais seis meses.


 

Edição: Stênio Ribeiro

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