Desafio em Fortaleza é combater as redes de exploração sexual durante a Copa

Publicado em 06/05/2014 - 09:37 Por Danyele Soares – Enviada Especial - Fortaleza

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O sol forte durante praticamente todo o ano e as numerosas e belas praias  são os principais atrativos da capital cearense. Algumas pessoas, entretanto, buscam a cidade como destino do turismo sexual e contribuem para o aumento da exploração de crianças e adolescentes. Em alguns locais, como à beira mar e no entorno da Arena Castelão, um dos palcos da Copa do Mundo, é fácil ver o problema. Nas ruas ao redor do estádio, meninas com o corpo ainda em formação são abordadas por homens em carros e caminhões. Com a infância interrompida, as garotas perdem as expectativas de futuro, na opinião da travesti Amanda, que foi vítima desse crime. A falta de dinheiro em casa levou a jovem a sair da escola e ficar na rua quando tinha apenas 13 anos. Hoje, com 26, ela conta que há muitas crianças na mesma situação.

Fortaleza - Ainda em fase de finalização, a Arena Castelão será um dos palcos da Copa do Mundo deste ano (Valter Campanato/Agência Brasil)

Fortaleza - Ainda em fase de finalização, a Arena Castelão será um dos palcos da Copa do Mundo deste ano Valter Campanato/Agência Brasil

“Eu acho que já chegou a hora do meu sonho, eu queria arrumar um emprego e sair dessa vida, mas é muito difícil porque quando a gente era mais nova, a gente não estudou”, diz Amanda

Na tentativa de mudar esse cenário, a Associação Barraca da Amizade tem cursos e oficinas para vítimas da exploração sexual. A equipe também vai às ruas para abordar crianças e adolescentes, mas é preciso desenvolver um trabalho de confiança. Por isso eles percorrem o entorno do Castelão todas as semanas. Algumas garotas, por serem menores de idade, evitam a equipe. Mas eles persistem. Depois de alguns encontros, algumas meninas já os cumprimentam pelo nome e pedem ajuda.

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A coordenadora da busca ativa, Ivania de Andrade, conta que as meninas, em geral, têm escolaridade baixa e encontram-se em situações de vulnerabilidade.

“Geralmente estão sem estudar, escolaridade muito baixa. Às vezes nem certidão de nascimento [elas] têm. São muitas situações de vulnerabilidade. A gente encontra pessoas em situação de exploração, a família da pessoa e as pessoas que estão próximas a ela também. A gente gostaria de tirar essas pessoas da situação de exploração e aos poucos fazer um encaminhamento.”

Fortaleza - A presidenta da Fundação Municipal da Criança, Tânia Gurgel, explica que haverá uma central para recebimento de denúncias de crimes de exploração durante a Copa do Mundo (Valter Campanato/Agência Brasil)

Fortaleza - A presidenta da Fundação Municipal da Criança, Tânia Gurgel, explica que haverá uma central para recebimento de denúncias de crimes de exploração durante a Copa do Mundo Valter Campanato/Agência Brasil

Uma das meninas encontradas não revelou a idade, mas a equipe da associação acredita que ela tenha 14 anos. Desconfiada, ela não quis conversar muito com a reportagem, mas contou que, apesar dos riscos de violência, não sente medo.

Com a chegada da Copa do Mundo, há a preocupação de que o problema aumente com a circulação dos mais de 400 mil visitantes – 65 mil estrangeiros – esperados para a capital cearense, de acordo com o Ministério do Turismo.

Para Magnólia Said, do Comitê Popular da Copa de Fortaleza, é preciso que o Poder Público e a sociedade trabalhem juntos para combater a exploração. Segundo ela,  muitas meninas estão saindo do interior em busca do príncipe encantado que esperam encontrar durante a competição. Por trás disso, há o sonho de melhores oportunidades.

“Como vem muito turista, a Copa é um convite para as mulheres solteiras de 12 a 30 anos. É nesse momento que ela espera encontrar o príncipe encantado”, destaca Magnolia.

A prefeitura preparou um plano de ação para combater o problema durante o Mundial. Serão 120 educadores nas ruas para conversar com turistas e moradores. A presidenta da Fundação Municipal da Criança, Tânia Gurgel, explica que também haverá uma central de atendimento específica para denúncias durante os 30 dias de competição. Por isso, as equipes pedem a parceria da sociedade.

“Existe uma lógica nessa questão do abuso e da exploração sexual. E há parceiros que são fundamentais e que precisam compreender isso. Taxistas, vendedores do centro e da beira-mar, esse pessoal todo precisa ser motivado a defender essa questão”, diz Tania.

Um desses parceiros é a Associação Recreativa e Esportiva para Crianças (Arca). A organização ensina os pequenos por meio do esporte. A proposta é estudar português e matemática de forma lúdica. Além disso, os mais de 170 participantes do projeto, que vivem na periferia de Fortaleza, aprendem sobre direitos e deveres. Para a coordenadora executiva da instituição, Milza Raadsen, a exploração é combatida quando se oferecem oportunidades às famílias. Ela aponta o esporte como um dos caminhos.

Fortaleza - Na periferia da capital cearense, crianças aprendem sobre direitos e deveres por meio de projetos desenvolvidos pela Associação Recreativa e Esportiva para Crianças - Arca (Valter Campanato/Agência Brasil)

Fortaleza - Na periferia da capital cearense, crianças aprendem sobre direitos e deveres por meio de projetos desenvolvidos pela Associação Recreativa e Esportiva para Crianças - Arca Valter Campanato/Agência Brasil

“Eu acho que o povo brasileiro está aprendendo que o direito ao esporte não é o direito a jogar futebol, o direito ao esporte é o seu direito ao lazer, é o seu direito a ter um dia que você possa ir ao parque com seu filho, você possa ir ao cinema”, defende Milza.

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Raiane Marques, de 12 anos, já aprendeu no projeto que as crianças têm direito a estudar e brincar. A menina, que sonha em ter um salão de beleza, sai de casa arrumada para ir à Arca. Ela diz que fica alegre quando vai ao projeto por aprender coisas novas e encontrar os amigos.

Fortaleza - Na periferia da capital cearense, crianças brincam com bola em meio à lama e sujeira (Valter Campanato/Agência Brasil)

Fortaleza - Na periferia da capital cearense, crianças brincam com bola em meio à lama e à sujeiraValter Campanato/Agência Brasil

“A gente brinca de jogar pega... Como é esse jogo? A gente bota a fita e começa a jogar, sai todo mundo correndo um tem que pegar o outro. A gente faz reforço, assiste filme”, destaca a menina.

O projeto que deu origem a esta reportagem foi vencedor da Categoria Rádio do 7º Concurso Tim Lopes de Jornalismo Investigativo, realizado pela Andi, Childhood Brasil e pelo Fundo das Nações Unidos para a Infância (Unicef).

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Edição: Lílian Beraldo

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