Fundadora do Mães de Maio conta como transformou em luta a dor pelo assassinato

Publicado em 11/05/2014 - 12:18 Por Camila Maciel - Repórter da Agência Brasil - São Paulo

 Débora Maria da Silva cobrou a apuração do crime que vitimou o filho e defendeu a desmilitarização da PM.

Durante premiação, no Fórum Mundial de Direitos Humanos, Débora Maria da Silva cobrou a apuração do crime que vitimou o filho e defendeu a desmilitarização da PM.Foto: Arquivo / Fabio Rodrigues Pozzebom / ABr

Há oito anos, Débora Maria da Silva, 54 anos, vivia o momento mais trágico da vida dela. “Eu vi uma carnificina em São Paulo”, relatou. Entre as mais de 600 pessoas assassinadas em maio de 2006 no estado, estava Edson Rogério Silva dos Santos, 29 anos, primogênito de Débora. O episódio, que ficou conhecido como Crimes de Maio, segundo organizações de direitos humanos como o Grupo Tortura Nunca Mais, foi uma reação de grupos de extermínio com a participação de agentes do Estado à ataques da organização criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC). Foram mortos, principalmente, jovens negros, moradores da periferia. Débora transformou a dor da perda em luta e fundou, ao lado de outras mães vítimas da tragédia, o movimento Mães de Maio.

“[O Dia das Mães] é difícil, porque eu não me conformo com a morte do meu filho. Nunca vou [me conformar]. É difícil porque eu tenho mais duas filhas e sete netos. Era uma data em que a gente se juntava para comemorar o meu aniversário e o Dia das Mães, mas não tenho mais motivo”, declarou à Agência Brasil. Débora faz aniversário no dia 10 de maio. Em 2006, o Dia das Mães caiu no dia 14 e o filho dela foi morto no dia seguinte, a poucos metros de casa, em Santos, no litoral sul paulista, após parar para abastecer a moto em um posto de gasolina.

Débora relembra que um policial conhecido da família avisou que haveria um toque de recolher naquele dia e que “pessoas de bem” não deveriam sair de casa. “Ele veio buscar um remédio para dor, porque tinha arrancado dois dentes. Na volta, pedi que ficasse, mas ele queria ir para casa”, disse. Emocionada, ela relatou o trajeto feito pelo filho: a moto ficou sem gasolina, ele parou em um posto, pediu ajuda a um amigo, foi abordado por policiais e, em seguida, ao sair para buscar o combustível na moto do amigo, foi morto a tiros.

Débora atribui o assassinato aos PMs. Até hoje, o crime não foi esclarecido, assim como outros cometidos no mesmo período. “Sou uma mulher que me alimento da luta. O Estado tem que dar uma resposta para essas mortes. Basta de extermínio dessa molecada, dos nossos filhos, porque não parou e isso tem a ver com o fato de não ter tido justiça em relação a esses crimes”, declarou.

O movimento Mães de Maio reúne outras 20 mulheres, somente na Baixada Santista, que perderam filhos de forma violenta, em decorrência da ação do Estado. “Doze delas perderam os filhos em 2006. Muitas não vieram [para o movimento] porque foram ameaçadas pela polícia. Não quiseram continuar a luta por medo”, explicou. As demais integrantes são mães de vítimas de chacinas ocorridas desde então.

Tornar-se mãe, para Débora, assim como ocorre com milhares de adolescentes no Brasil, foi um acaso. Aos 17 anos, ela engravidou do primeiro filho. “Era muito nova, sem muito estudo. Na euforia da juventude, gerei uma criança”, recorda. Apesar da inexperiência, ela conta que logo aprendeu a lutar pela vida do filho. “Foi uma gravidez difícil. Eu engordei ele na minha barriga, mas eu era muito raquítica. Fui ao hospital com muitas dores, me internaram e tentaram o parto normal, mas não dava. Ele já nasceu roxinho”, relembrou. Nos primeiros anos de vida, Rogério também teve uma hepatite muito forte. “Quando ele nasceu, os médicos já tinham falado dessa possibilidade”, disse.

Uma das peregrinações de Débora pela vida do filho ocorreu quando Rogério foi preso, aos 18 anos, acusado de um assalto. “Ele foi detido e torturado para assinar o flagrante. Era inocente e foi condenado a 5 anos e 4 meses. Cumpriu a pena em Guarulhos, longe da mãe dele, mas não deixei meu filho um instante sozinho”, destacou. Ela conta que conseguiu um emprego para o filho, quando ele entrou no regime semiaberto, e insistiu que Rogério deveria seguir no caminho do trabalho. “Eu fazia ele andar com o último holerite do mês” para mostrar aos policiais militares que ele era trabalhador, explica, ressaltando que a ficha de antecedentes criminais de Rogério foi acessada 23 vezes no dia da morte dele.

Débora, que no ano passado foi uma das homenageadas na 19ª Edição do Prêmio dos Direitos Humanos, concedeu a entrevista à reportagem da Agência Brasil na segunda-feira (5), a seis dias do Dia das Mães e a dez da data que marca a morte trágica do filho. “Domingo está aí. Eu estava muito angustiada, ansiosa, então, para mim, serviu como um desabafo”, declarou.

Edição: Helena Martins

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