Relatório final da Comissão Nacional da Verdade é entregue à OAB

Publicado em 10/12/2014 - 20:44 Por Michèlle Canes - Repórter da Agência Brasil - Brasília

Pedro Dallari, presidente da Comissão Nacional da Verdade, apresenta durante audiência pública, o resultado da análise pericial de restos mortais que podem ser Epaminondas Gomes de Oliveira (José Cruz/Agência Brasil)

Pedro Dallari, presidente da Comissão Nacional da Verdade, entrega cópia do relatório ao presidenda OAB federalJosé Cruz/Agência Brasil

Integrantes da Comissão Nacional da Verdade (CNV) entregaram hoje (10) à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em Brasília, cópia do relatório final com o resultado das atividades, apurações, conclusões e recomendações dos trabalhos da comissão. O coordenador da CNV, Pedro Dallari, informou que a iniciativa representa uma prestação de contas à sociedade.

“É muito importante que, neste dia tão significativo, de conclusão dos trabalhos da Comissão Nacional da Verdade, possamos prestar contas diretamente à sociedade. O relatório só foi possível por conta do apoio da sociedade brasileira”, salientou Dallari.

O coordenador lembrou as 434 vítimas reconhecidas pela comissão ao longo dos dois anos e sete meses de investigações. Segundo ele, um dos volumes do relatório é dedicado às histórias dessas pessoas. “Procuramos produzir um estudo muito apurado de cada situação e, a partir de um critério metodológico, não só descrever as circunstâncias da morte, mas estabelecer a cadeia de comando e os autores vinculados.”

A cerimônia contou com a participação de autoridades e parentes de vítimas da repressão. Para a maioria, apesar da conclusão dos trabalhos, muitas respostas ainda precisam ser dadas. Iara Xavier Pereira perdeu o marido e dois irmãos, mortos pela ditadura. O corpo do marido chegou a ser exumado durante os trabalhos da comissão. Segundo ela, a CNV representou mais um passo em busca da verdade, mas ainda é preciso fazer justiça.

“Não houve colaboração das Forças Armadas. Os arquivos secretos não foram entregues e eles não fizeram a parte deles. Infelizmente [a comissão] não foi o ponto-final. Nossa luta continuará, porque nós queremos que torturadores e assassinos sejam levados aos tribunais para julgamento”, ressaltou Iara Pereira.

Filho de um desaparecido político, Togo Meirelles também criticou a falta de cooperação das Forças Armadas. Ele tinha aproximadamente 6 anos quando o pai, Thomas Meirelles, desapareceu. Até hoje o corpo não foi encontrado. Apesar da falta de informações, acredita que o material levantado durante as investigações são importantes para fomentar debates. “No geral, considero que o trabalho da comissão foi satisfatório, porque trouxe para a sociedade brasileira informações que não eram discutidas por todos. É importante saber o que aconteceu”, observou.

Togo acredita que os trabalhos de investigação devem continuar para que mais respostas sejam encontradas. “Mesmo que amanhã a comissão esclareça a morte do meu pai e indique onde ele está enterrado, é uma dor que não desaparecerá, mas a gente pode conviver com ela e criar outro tipo de sentimento. Não só o da perda, mas o de saber o que realmente ocorreu.”

Neto do líder camponês maranhense Epaminondas Gomes de Oliveira, Epaminondas de Oliveira Neto também participou da solenidade. Ele acredita que o tempo de trabalho foi curto, diante do número de casos que poderiam ter sido encontrados. “Dois anos é muito pouco. As pessoas que diretamente lidaram com essa história precisam ser ouvidas. Temos muitos torturadores vivos”, assinalou Neto.

Epaminondas relembrou a sensação vivida pela família ao encontrar o corpo do avô. A exumação foi coordenada pela CNV. “A sensação é de alívio. Não digo de justiça, porque não foi feita como deveria, mas, para nós, foi muito importante. A família está conseguindo se reorganizar.”

Filha do ex-deputado Rubens Paiva, Vera Paiva falou da importância dos trabalhos da comissão e lembrou que ainda hoje muitas famílias sofrem com ações semelhantes. “O Brasil merece a verdade. Não só a nossa, mas milhares de famílias, como a do Amarildo e a dos mais pobres e desprotegidos pela lei. Estes merecem que a gente transforme a violência inaugurada pela ditadura em uma vivência de paz."

O presidente Nacional da OAB, Marcus Vinícius Furtado, disse acreditar que o documento é relevante para reforçar a luta pela democracia no país. Sobre a responsabilização dos mais de 300 autores apontados no relatório, Marcus Vinícius lembrou decisão do Supremo Tribunal Federal relativa aos embargos declaratórios que tratam da Lei da Anistia.

“O STF avaliará a matéria. O resultado do julgamento deverá ser obedecido por todos os brasileiros", observou, ressaltando que a posição da OAB é pela revisão da lei. “Por isso, propusemos no STF e aguardamos o julgamento dos embargos de declaração com efeito modificativo. Resolvida a matéria, a sociedade deverá acolher a decisão”, acrescentou.

Durante a cerimônia, Joel Câmara, que se apresentou como militante do grupo Vanguarda Leninista, causou tumulto ao pedir que o relatório incluísse a relação das vítimas de “atos terroristas” praticados entre 1964 e 1974. Ele informou que prestava homenagem às Forças Armadas. Joel Câmara saiu do auditório do Conselho Federal da OAB sob vaias dos parentes das vítimas.

Edição: Armando Cardoso

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