Justiça de São Paulo começa a decidir em 24 horas se mantém prisão em flagrante

Publicado em 24/02/2015 - 17:39 Por Camila Boehm – Repórter da Agência Brasil - São Paulo

A audiência de custódia para os casos de prisão em flagrante entrou em vigor hoje (24), no Fórum Criminal da Barra Funda, e será aplicada inicialmente aos presos encaminhados pela 1ª e 2ª delegacias seccionais da capital paulista, para que sejam apresentados a um juiz em até 24 horas após a detenção, quando será decidida a manutenção da prisão, liberdade provisória ou aplicação de medidas alternativas ao cárcere, como o uso de tornozeleiras eletrônicas.

O novo procedimento não se estende aos casos de homicídio e violência doméstica. Na manhã de hoje (24), um homem foi levado por um policial militar até a sala de audiência, onde estavam o juiz Claudio Juliano Filho, um representante do Ministério Público e um defensor público. Ele permaneceu algemado durante a entrevista e com o policial a seu lado.

O juiz avisou que não julgaria o caso, somente arbitraria sobre a prisão preventiva. O homem foi detido com ferramentas e uma roda, que teria furtado de um veículo, de acordo com relato na audiência. Ele se declarou inocente, usuário de crack e contou que era catador de recicláveis e morava nas ruas, porém costumava visitar a mãe, que tem endereço fixo.

O homem Informou ainda ao juiz que, ao ser preso, dois policiais militares teriam dado socos em seu abdômen. Por não haver marcas, o juiz não o enviou ao Instituto Médico Legal (IML) para exame de corpo de delito, porém, afirmou que encaminharia a denúncia ao Departamento de Inquéritos Policiais e à Polícia Judiciária. Mais tarde, a Polícia Militar informou, em nota, que o homem foi preso por furto de estepe, no Jabaquara, no começo da tarde de ontem, e que, quando estava sendo algemado, ofereceu resistência. A PM alega que houve "uso de força moderada para contê-lo".

“Estou concedendo liberdade provisória. De dois em dois meses, você vem ao fórum para assinar um termo de comparecimento”, decidiu o juiz. Ele avisou que, se o homem for preso novamente, sua situação vai piorar e ele poderá perder a liberdade durante o andamento do processo. Caso não fosse aplicado o novo procedimento judicial, ele continuaria preso, como disse o presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa, Augusto de Arruda Botelho: “Uma pessoa presa em flagrante hoje, em São Paulo, em um cenário otimista, vai ver um juiz pela primeira vez em três ou quatro meses, [a partir] da data da prisão.”

“O grande ponto da audiência de custódia é fazer com que as prisões confirmadas sejam de fato necessárias, para que possamos melhorar o número absurdamente excessivo de prisões provisórias que temos no país e fazendo com que o Brasil tenha a terceira maior população carcerária do mundo”, acrescentou Botelho.

Dados do Conselho Nacional de Justiça mostram que mais de 700 mil pessoas estão presas no Brasil, incluindo aquelas em prisão domiciliar. O número de vagas para encarcerados é de quase 358 mil, o que gera um déficit significativo. O país ocupa também a terceira colocação quando o assunto é a prisão provisória, com um índice de 32% em relação ao total de presos, ficando atrás somente da Argentina (50,3%) e do México (42,6%).

Segundo o presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, José Renato Nalini, é preciso “ter a humildade de reconhecer que o sistema carcerário é um mal, um mal necessário, mas é um mal. E que há muita gente que não pode ingressar no sistema”. Sobre o descumprimento do direito à liberdade, garantido na Constituição de 1988, disse que isso “ocorria mais por inércia do sistema jurídico do que por impossibilidade. Não havia impossibilidade nenhuma de se cumprir o mandamento constitucional que, desde 1988, diz que qualquer preso em flagrante será imediatamente apresentado à autoridade judiciária”.

As audiências na Barra Funda devem se repetir de 25 a 30 vezes por dia, dependendo do número de flagrantes, informou o secretário estadual de Segurança Pública, Alexandre de Moraes. O corregedor-geral da Justiça, Hamilton Akel, afirmou que, “ao final de quatro meses, todas as [delegacias] seccionais estarão dentro do projeto”. A iniciativa faz parte do Pacto San José (capital da Costa Rica), uma convenção internacional sobre direitos humanos que prevê a rápida apresentação do preso em flagrante a um juiz, e São Paulo é o primeiro estado brasileiro a colocá-la em prática.

A primeira série de audiências, nesta terça-feira, teve um total de 24 detidos. Além de diminuir a superlotação carcerária, o novo procedimento permite que seja avaliada a ocorrência de tortura ou de maus-tratos de forma imediata. As pessoas detidas serão primeiramente levadas à audiência e, somente após a entrevista com o juiz, irão ao IML para exame de corpo de delito.

Edição: Jorge Wamburg

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