"Chefe, o omelete está feito"

Publicado em 15/01/2016 - 09:33 Por Camila Maciel - Repórter da Agência Brasil - São Paulo

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A morte de Manoel Fiel Filho só foi tornada pública dias depois, por meio de nota divulgada pelo 2º Exército. “O Comando do 2º Exército lamenta informar que foi encontrado morto, às 13h do dia 17 do corrente [janeiro de 1976], sábado, em um dos xadrezes do DOI-Codi/2º Exército, o Sr. Manoel Fiel Filho. Para apurar o ocorrido, mandou instaurar Inquérito Policial-Militar (IPM), tendo sido nomeado o coronel de Infantaria Quema (Quadro do Estado-Maior da Ativa) Murilo Fernando Alexander, chefe do Estado-Maior da 2ª Divisão de Exército”.

O IPM foi concluído no prazo previsto de 30 dias. O procurador militar Darcy de Araújo Rebello, em 28 de abril de 1976, pediu o arquivamento do processo. “As provas apuradas são suficientes e robustas para nos convencer da hipótese do suicídio de Manoel Fiel Filho, que estava sendo submetido a investigações por crime contra a segurança nacional”, alegou o procurador. Foi a mesma conclusão a que chegou o encarregado do Inquérito Policial Militar, o coronel Murilo Fernando Alexander.

Prédio onde funcionou o DOI-Codi na Rua Tutoia, em São Paulo

Prédio onde funcionou o DOI-Codi na Rua Tutoia, em São Paulo, onde Manoel Fiel foi torturado e assassinadoRovena Rosa/Agência Brasil

O citado crime contra a segurança nacional nada mais era do que uma acusação de receber exemplares do jornal Voz Operária, do PCB. Uma acusação feita com base em informação conseguida sob tortura de outro preso político. O IPM, apesar das evidências de tortura e de assassinato, concluiu que Manoel Fiel Filho cometeu suicídio.

“Finalmente, encerrado o inquérito com o relatório de fls. 144 a 150 concluiu pela inexistência de crime, ao que vale dizer, não houve homicídio, nem instigação, auxílio ou induzimento ao suicídio, o que é punido pelo Código Penal Comum e Código Penal Militar, Artigo 207”. Mais adiante, o documento diz “que não se pode chegar a nenhuma outra conclusão, senão aquela de suicídio, na sua expressão mais simples”. Os responsáveis pelo IPM, em nenhum momento, se interessaram em investigar uma série de evidências de que o metalúrgico foi torturado e assassinado.

Na versão oficial, Manoel Fiel Filho se “autoestrangulou” usando as próprias meias. “Disseram para eu ir lá na delegacia. Falaram da história [de suicídio], mas ele nem tinha meia daquele tipo”, disse Thereza, esposa do metalúrgico, em entrevista à Agência Brasil. Apesar das dúvidas da esposa, o IPM foi encerrado, determinando o arquivamento. O relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV) ressalta que, contrariando a conclusão do inquérito, colegas de trabalho de Manoel disseram que o metalúrgico calçava chinelos quando foi detido. Além disso, outros presos políticos informaram que os carcereiros do DOI-Codi tiravam todos os pertences dos presos na chegada à detenção, especialmente cinto e meias.

Parte da carceragem do DOI-Codi de São Paulo, onde os presos políticos eram torturados

Parte da carceragem do DOI-Codi de São Paulo, onde os presos políticos eram torturadosRovena Rosa/Agência Brasil

O que se passou nas horas em que Fiel Filho esteve nas dependências do DOI-Codi foi reconstruído com o empenho da família e com a atuação da Arquidiocese de São Paulo, que tinha à frente dom Paulo Evaristo Arns.

Entre os presos que estiveram com o operário na carceragem do DOI-Codi, estava Geraldo Castro da Silva. Ele relatou, conforme consta no relatório da CNV, que ouviu os gritos de Manoel durante o interrogatório, pedindo: “Não me judia tanto, pelo amor de Deus que não vou aguentar”. Geraldo disse ainda que, durante algum tempo, tudo ficou quieto e, logo após, entrou uma pessoa que, referindo-se a Manoel, disse: “Chefe, o omelete está feito”.



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Edição: Aécio Amado

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