Ataques de 2006 não se repetem porque PCC não quer, dizem especialistas

Publicado em 12/05/2016 - 05:22 Por Elaine Patricia Cruz – Repórter da Agência Brasil - Brasília

Os ataques organizados pelo Primeiro Comando da Capital (PCC) contra agentes de segurança no estado de São Paulo, nos moldes do que ocorreram em maio de 2006, não devem mais se repetir. Não porque houve mudanças no sistema de segurança de São Paulo, mas porque não valeriam a pena para o PCC. Essa é a opinião de especialistas ouvidos pela Agência Brasil sobre os dez anos dos Crimes de Maio, quando foram registradas 564 mortes no estado, entre civis e policiais.

 

desarmamento

Mais de 560 pessoas morreram nos Crimes de Maio no estado de São Paulo  Agência Brasil/Arquivo

“As condições para aquilo [os crimes de maio de 2006] continuam as mesmas, não mudaram. Poderiam acontecer, mas tenho muita convicção de que não vale a pena para o PCC. Pelo menos na condição atual, na conjuntura, acho que a avaliação deles é de que não valeria a pena. Acho que a própria avaliação daquele momento foi de que aquilo trouxe mais prejuízo do que ganhos. Tanto do ponto de vista econômico, porque evidentemente atraiu uma repressão maior, e também do ponto de vista da reação da resposta absolutamente violenta que foi dada pela Polícia Militar de São Paulo”, avalia Camila Nunes Dias, socióloga e professora da Universidade Federal do ABC, pesquisadora e colaboradora do Núcleo de Estudos de Violência da USP e autora do livro PCC - Hegemonia Nas Prisões e Monopólio da Violência.

O procurador de Justiça Criminal Márcio Sérgio Christino, membro do Conselho Superior do Ministério Público, também compartilha da mesma opinião. Para ele, a organização criminosa sofreu grandes perdas com ataques de 2006.

“Ninguém teve qualquer tipo de ganho ou lucro com os ataques. Na verdade, os ataques deram prejuízos para o crime. A ação foi planejada e executada com uma estratégia muito diferente da utilizada para a prática de crimes comuns, foi utilizada com perfil quase semelhante, no meu entender, a um perfil mais ligado ao terrorismo do que propriamente ao crime organizado, embora as duas coisas não se excluam. Quem teve prejuízo? Quem sofreu prejuízo econômico? As próprias organizações [criminosas]”, disse.

Já o ouvidor da Polícia do Estado de São Paulo, Julio Cesar Fernandes Neves, acredita ser difícil descartar novos ataques. “Difícil responder de maneira conclusiva, mas a possibilidade sempre existiu. O que ninguém imaginava aconteceu naquela semana. Foi uma semana estrondosa na cidade de São Paulo, ninguém podia sair na rua, incêndio em ônibus, bancos e escolas fechadas, universidade fechada, enfim, virou um caos a cidade e onde o temor predominava. Ninguém saia na rua. Aquilo lá [os ataques de 2006] demonstrou que a possibilidade existe. Mas esperamos que aquilo lá não venha a se repetir”, disse.

Mudança de estratégia

Para a pesquisadora Camila Dias, desde os ataques de 2006, o PCC passou a agir de forma diferente no estado, embora continue presente e atuante dentro das prisões paulistas. A nova estratégia apareceu em 2012 e consistiu em ataques pontuais e dispersos e não mais na promoção de rebeliões em presídios ou de ações concentradas contra agentes de segurança em um curto período de tempo, como as de 10 anos atrás.

“Em 2006, foi uma concentração de ataques a forças de segurança que, simbolicamente, ficava muito evidente que aquilo ali tinha uma origem, foi algo determinado pelo próprio PCC. Em 2012, foram ataques pontuais, dispersos e fragmentados a policiais e que não deixavam claro se eram de fato execuções a mando do PCC ou se eram latrocínios comuns”, disse, explicando que com esse método a organização criminosa evita uma forte reação policial, pois os ataques são descentralizados.

Em relação à atuação das forças de segurança pública, a pesquisadora observa que praticamente não ocorreram mudanças desde os ataques de 2006. Para Camila Dias, o as políticas públicas de enfrentamento á criminalidade permanecem baseadas em aumentar o número de policiais e no policiamento ostensivo.

“Não mudou nada em termos de políticas públicas. As práticas do estado continuam iguais. O que acho que mudou entre PCC e o estado é que a cúpula do PCC não está no regime disciplinar diferenciado [RDD, regime de isolamento de 22 horas por dia], mas na Penitenciária de Venceslau II, com regime de disciplina um pouco mais rígida em comparação a outras, mas onde tem visitas íntimas e eles jogam futebol. Acho que isso é fundamental para entender que há um equilíbrio, para entender porque não tem mais rebelião”, disse.

Para a pesquisadora, as rebeliões pararam em decorrência de uma relação “de equilíbrio” nas unidades prisionais. “São Paulo é um estado que não tem condições econômicas de viabilizar o encarceramento se não contasse com uma instância dentro das prisões que garante a ordem ali dentro. É o PCC que garante a ordem nas prisões. Você tem uma relação do PCC com o estado que tem duas faces: uma face é a da oposição, do enfrentamento. Mas, por outro lado, entendo que há uma outra face dessa relação, que eu chamo de simbiótica, porque, se o estado encarcera mais, isso vai fortalecer o PCC. E para o estado poder continuar encarcerando, sem precisar investir na infraestrutura e contratar funcionários, é necessário que haja uma instância de ordenamento ali dentro”, disse Camila Dias.

Outro lado

Por meio de nota, a Secretaria da Administração Penitenciária disse repudiar “veementemente toda e qualquer colocação de que facções criminosas tenham influência nos presídios paulistas”. Segundo a secretaria, “o combate ao crime, organizado ou não, é realizado diuturnamente pelas forças de segurança do Estado de São Paulo em parceria com o poder Judiciário e o Ministério Público”.

“A SAP lamenta que as ilações de supostos especialistas, que desconhecem a realidade do sistema prisional paulista, sejam repetidas à exaustão sem qualquer análise ou comprovação com o objetivo de denegrir o trabalho das forças de segurança do estado”, disse a secretaria em resposta à Agência Brasil. “A pasta investe continuamente na modernização e ampliação da infraestrutura de segurança do sistema prisional paulista, que hoje já dispõe de bloqueadores de celulares, scanners corporais, monitoramento por câmeras, portas automáticas de celas, equipamentos de raio-x e detectores de metal de alta sensibilidade que ajudam a coibir a entrada de materiais ilícitos”.

Segundo a secretaria, o estado é o único do país a contar com uma unidade prisional de Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), em Presidente Bernardes, desde 2002. “Em São Paulo, qualquer preso identificado com elevado potencial de risco à sociedade é isolado em unidades penais com regime disciplinar mais rigoroso. Todas essas medidas, aliadas ao trabalho dos agentes penitenciários, permitem que a SAP opere suas unidades dentro dos padrões de segurança estabelecidos, inclusive sem qualquer registro de motim, rebelião ou fugas ao longo dos últimos anos”. A secretaria não informou quantos membros do PCC estão presos sob o regime diferenciado.

A secretaria informou que a segurança de todas as unidades penitenciárias foi reforçada com o aumento no número de agentes penitenciários e a criação de um Grupo de Intervenção Rápida, formado por agentes treinados em artes marciais e em técnicas de imobilização para atuarem na contenção de tumultos ou distúrbios.

Em todo o estado, existem 164 unidades prisionais, com 230.827 presos.

Edição: Carolina Pimentel

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