Desligamento de funcionários do projeto Viver preocupa vítimas de abuso sexual

Publicado em 03/06/2017 - 19:34 Por Sayonara Moreno – Correspondente da Agência Brasil - Salvador

A redução no quadro de assistentes do projeto Viver, do Governo da Bahia, causou preocupação entre mães e familiares de crianças vítimas de abuso sexual. O projeto é da Secretaria Estadual de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social (SJDHDS), que desligou funcionários – contratados na modalidade de Regime Especial de Direito Administrativo (Reda) – após o vencimento do prazo do contrato, sem substituição do pessoal desligado.

A psicóloga Selma Evangelista é uma das funcionárias que deixou o projeto após o vencimento do contrato, no dia 25 de abril. Ela explica que o Projeto Viver é o único, no estado, a atender vítimas de violência sexual de qualquer gênero e idade, de forma exclusiva e multidisciplinar, há 15 anos.

“Entendemos que a violência sexual, na grande maioria dos casos é um fenômeno dentro de um contexto da estrutura familiar ou no círculo de amizades. Os casos têm características específicas, além da violência, na qual há uma ruptura de contexto. A gente se depara com pessoas e suas histórias, com familiares também surpresos e em choque pela ação praticada por pessoas do convívio, que deveriam proteger crianças, por exemplo”, relata a psicóloga.

Após o fim do contrato, a secretaria de justiça conta com cinco pessoas no programa, para atender as demandas: uma enfermeira, um assistente social, um gerente, uma coordenadora técnica (formada em psicologia) e um coordenador administrativo (formado em direito). A secretaria informou também que dois cargos administrativos serão substituídos “em breve, por dois novos profissionais de psicologia”.

Grupos que atuam em defesa dos direitos humanos na Bahia também estão preocupados. É o caso de Sandra Muñoz que participa da organização de uma agenda de mobilizações em Salvador. “Esse serviço é de excelência e as pessoas precisam de atendimento imediato, tomar coquetéis contra doenças sexualmente transmissíveis, receber assessoria jurídica e psicológica. A gente quer ver se consegue fazer com que reativem o Viver”, diz Sandra.

Reformulação

Diante da preocupação das famílias e de grupos que atuam na defesa dos direitos humanos, a SJDHDS disse que o programa funciona, mas vai passar por uma “reformulação”. Segundo nota do órgão, a nova proposta foi feita pelo titular da pasta, o secretário Carlos Martins, no início do ano.

O objetivo é envolver outras três secretarias no projeto: a de Políticas para as Mulheres, de Saúde e de Segurança Pública. Após a integração entre as pastas, a SJDHDS informou que “a ideia de reformulação é de que a tecnologia social ali aplicada possa ser disseminada para todos os municípios do Estado, através do assessoramento prestado pela equipe do Projeto Viver”, que continuará sendo coordenado pela secretaria de Justiça e Direitos Humanos.

De acordo com a SJDHDS, com o deficit no quadro de atendentes, as pessoas que precisam de acolhimento e atendimento após sofrerem violência sexual estão sendo encaminhadas para outros locais, como o Hospital da Mulher, os Centros de Referência Especializados em Assistência Social (CREAS) e os Centros de Referência em Atenção à Mulher. 

Inaugurado em janeiro deste ano, o Hospital da Mulher tem algumas restrições para o caso específico de violência sexual: só pode atender vítimas do sexo feminino e com idade superior a 12 anos. Já os CREAS, coordenados pelos municípios, não são especializados em violência sexual. Os Centros de Referência em Atenção à Mulher também não são especializados em casos de violência sexual e o público-alvo são apenas mulheres – o que não abrange todas as vítimas desse tipo de abuso.

Para a psicóloga Selma Evangelista, as opções oferecidas pela Secretaria não atendem as demandas da população de Salvador. “Esses serviços oferecidos não são completos e nem exclusivos, porque não suportam a demanda de todas as pessoas. Nenhuma outra instituição do estado e município possui esse tipo de serviço, que deveria ser ampliado para outras cidades, não reduzido", disse a profissional desligada. "Lamento muito ver o estado, que tem um serviço qualificado, de referência e excelência, chegar a esse ponto”.

Acolhimento

Mesmo com a equipe reduzida, a SJDHDS garantiu que o programa continua em funcionamento, até que passe pela reformulação anunciada. O espaço funciona ao lado do Instituto Médico Legal (IML) Nina Rodrigues, vinculado à Polícia Civil da Bahia, em Salvador.

Marta* é mãe de um menino de cinco anos, abusado pelo pai, que compartilhava com ela a guarda da criança. Em novembro do ano passado, Marta notou mudanças no comportamento do menino, que relatou os abusos. Para ela, ainda é difícil contar o que passou e garante que só se manteve “em pé para lutar por Justiça”, graças o acolhimento da equipe multidisciplinar do Viver.

“No Viver, eu encontrei equilíbrio, suporte e atendimento que não vi em nenhuma outra entidade. Não é a mesma estrutura, não é o mesmo serviço. Sempre tem alguém que atende, acolhe e nos dá força para seguir a vida em busca de paz. Não é só o atendimento, é o trabalho com o grupo familiar e individual, de escuta pelo processo de sensibilização dos relatos do meu filho”, conta.

Marta ainda enfrenta o risco de ser acionada judicialmente, porque não permite que o pai veja mais a criança. Como a justiça ainda não autorizou o afastamento do pai, a proibição de convívio imposta por ela pode ser entendida como alienação parental. Marta conta que já foi denunciada uma vez, pelo ex-marido, por esse motivo e explica que, desde novembro de 2016, espera uma medida protetiva da Justiça, que determine que o pai não tenha mais contato com o filho.

“É uma situação difícil e me sinto violada junto com o meu filho. O projeto Viver nos dava esse auxílio para suportar o peso das coisas, sem tanto sofrimento. As psicólogas nos tratavam com humanidade e tanto carinho que até o meu advogado se surpreendeu com a forma como consegui lidar com tudo isso, e devo à equipe do Viver”, conta emocionada.

*Marta é um nome fictício, usado como forma de resguardar a segurança de mãe e filho, que ainda aguardam decisões judiciais sobre o caso

Edição: Denise Griesinger

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