Órgão federal avalia necessidade de reorientar recursos do fundo penitenciário

Publicado em 03/10/2017 - 19:41 Por Helena Martins - Repórter da Agência Brasil - Brasília

Após o maior descontingenciamento dos recursos do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen), no ano passado, R$ 1,1 bilhão foram liberados para investimentos no sistema prisional, o que corresponde a R$ 44 milhões para cada estado da Federação. Segundo o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), os estados solicitaram que 99,83% dos recursos fossem destinados a projetos de construção de presídios e aparelhamento das unidades, o que envolve a aquisição de armas de fogo.

O MNPCT, criado pela Lei 12.847/2013, é um órgão da estrutura do Ministério dos Direitos Humanos da Presidência da República e faz parte do Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, sendo integrado por 12 especialistas independentes, chamados de peritos. Conforme a lei, os projetos que utilizem recursos oriundos do Fundo Penitenciário Nacional, do Fundo Nacional de Segurança Pública, do Fundo Nacional do Idoso e do Fundo Nacional para a Criança e o Adolescente devem atender às recomendações formuladas pelo MNPCT.

De acordo com o órgão, apenas 0,17% dos recursos do fundo que financia programas no sistema penitenciário foi dedicado à manutenção de serviços, formação de servidores, reinserção de pessoas presas e desenvolvimento de alternativas penais. Os estados do Pará e do Tocantins foram os únicos que apresentaram propostas nessa linha, conforme o relatório. Os dados foram obtidos com exclusividade pela Agência Brasil e integram estudo do MNPCT que será lançado neste mês.

Política de militarização

Perito do MNPCT e autor do estudo técnico, Rafael Barreto avalia que a priorização dessas ações vai de encontro às recomendações do mecanismo, que tem atribuição legal para opinar sobre o uso do fundo, em relação ao sistema penal. Em vez de estimular o desencarceramento de um sistema já superlotado, “há um massivo investimento em construção de novas unidades, com proibição do uso dos recursos para reformas, e em armamento de fogo para aparelhar penitenciárias, o que representa a adoção de uma política de militarização do ambiente prisional em uma escala nunca antes vista no Brasil”, afirma.

A orientação do uso dos investimentos é de responsabilidade do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), órgão vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública. Isso é feito em diálogo com os estados, que apresentam projetos explicitando o que pretendem desenvolver com o dinheiro. Após a liberação daquele montante no ano passado, todos eles aportaram quase 73% do total recebido para construção de novas penitenciárias e 27% para aparelhamento das unidades. Entre 6% e 7% desta rubrica foi direcionada à aquisição de armas de fogo.

De acordo com Barreto, a padronização dos valores solicitados para cada área demonstra tratar-se de uma política nacional para o setor. “Todos os estados pediram o mesmo valor para o departamento [Depen]. Em diálogo com alguns gestores durante a elaboração do relatório, também percebemos que houve uma orientação do Depen para que fossem solicitados R$ 32 milhões para as obras”, detalha.

O advogado critica a ausência de propostas de ações para oferta de atendimento psicológico e outros serviços de apoio aos agentes penitenciários, bem como de políticas que considerem as dimensões de raça e gênero das pessoas encarceradas, que são questões candentes no sistema penal do país. Atualmente, mais da metade da população carcerária é formada por negros, segundo o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias divulgado ano passado pelo Depen. Nos últimos 16 anos, a população carcerária feminina cresceu 698% no Brasil, segundo dados do Depen.

No relatório, o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura propõe diversas recomendações, com destaque para revisão dos gastos propostos e mudanças no desenho institucional do fundo. No primeiro caso, defende que haja “priorização absoluta às alternativas penais”. No segundo, tendo em vista que o fundo é gerido apenas pelo Depen, sugere a adoção de um modelo participativo, a exemplo do que ocorre com os outros fundos setoriais, inclusive o Fundo Nacional de Segurança Pública, que é administrado por um conselho gestor.

Mesmo com o descontingenciamento, o fundo ainda possui R$ 2,5 bilhões que poderiam ser utilizados para ações relacionadas ao sistema carcerário. O Depen foi procurado pela Agência Brasil, mas até o fechamento desta reportagem não se manifestou sobre o uso do fundo.

Edição: Davi Oliveira

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