Coluna - Polêmica na telona

Atletas paralímpicos protestam contra filme e fazem movimento virtual

Publicado em 09/11/2020 - 19:51 Por Lincoln Chaves - Reporter da Tv Brasil e Rádio Nacional - São Paulo

Lançado em 1990, o filme Convenção das Bruxas fez sucesso entre os fãs de fantasia, terror e comédia. A obra conta a história de um menino que, ao lado do melhor amigo e da avó, tentava impedir que um grupo de bruxas más transformasse as crianças do mundo em ratos. Três décadas depois, o clássico de Halloween ganhou uma nova adaptação para o cinema, que chega ao Brasil no próximo dia 19. Só que a refilmagem recebeu críticas de pessoas com deficiência, especialmente de atletas paralímpicos, que deram profusão ao movimento #NotAWitch (ou "não sou bruxa", em português).

A versão 2020 do filme apresenta as bruxas com má formação nos pés e nas mãos, o que se assemelha à ectrodactilia, uma síndrome congênita que causa a ausência dos dedos. Um dos trailers, que mostra como identificar as vilãs, descreve as características como marcas das feiticeiras - na obra, elas são representadas como seres maléficos.

Campeã mundial em 2013 e medalhista de bronze na Paralimpíada Rio 2016, a ex-nadadora Amy Marren foi a primeira a se manifestar. A britânica questiona a Warner Bros. (estúdio responsável pelo filme) se houve reflexão sobre como essa representação da diferença de membros afetaria pessoas com ectrodactilia. Ela afirma, também, que o remake exagera a descrição física das bruxas, feita na obra literária de Roald Dahl, publicada em 1983, que serviu de inspiração para o filme Convenção das Bruxas.

"Estou totalmente ciente de que isso é um filme. Mas as bruxas ali estão representadas essencialmente como monstros. Meu medo é que crianças que assistam ao filme, sem saberem que ele exagera massivamente o original de Roald Dahl, e que as diferenças de membros comecem a ser temidas", disse Marren, que nasceu sem a mão direita, em mensagem publicada no Twitter.

O posicionamento da ex-nadadora ganhou eco junto a outros esportistas, como a também britânica Claire Cashmore, triatleta paralímpica e ouro na Rio 2016, que nasceu sem parte do braço esquerdo. Ela recordou comentários que escutou na adolescência - de que o braço era "assustador" e deixava os outros "enjoados" - e como isso a machucou nesta fase da vida. 

"Ver o cartaz do filme me deixou muito confusa e chateada. Sim, você poderia dizer que é ótimo ver alguém com uma deficiência nos membros na TV. Mais que tudo, quero ver mais representatividade na mídia. No entanto, queremos que as deficiências sejam normalizadas e representadas de uma forma positiva, ao invés de associadas a algo assustador ou malvado. Conheço várias crianças e adultos que nasceram sem os dedos. Saibam que isso não os representa. Suas diferenças são únicas e devem ser celebradas", disse, em postagem no Instagram.

"Alguns podem pensar que a comunidade de pessoas com deficiência está sensível demais. Mas vocês passaram a vida tendo que superar um estigma? Eu realmente não acredito que a Warner quis magoar ou ofender, mas penso que, talvez, mais discussões deveriam ter sido feitas", completou Cashmore.

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

‘Your arm is so scary’ ‘Your arm makes me feel sick’ . . These are just a few comments I received growing up. As a self conscious youngster these comments hurt ALOT and would knock my confidence. Nowadays I just feel sorry for the very ignorant people.🤷‍♀️ . . Seeing this picture from the ‘The Witches’ film made me very confused/upset. Yes you could say it’s great to see someone with a limb difference on TV and more than anything I really want to see more representation in the media. However we want disabilities to to be normalised and be represented in a positive light rather than being associated with being a scary, evil, witch. I know a lot of children and adults who are born missing their fingers and I want them to know that this does not represent you. Your limb difference is not scary. Your difference is unique and beautiful and should be celebrated. . . Some may think that the limb difference community is being over sensitive. But have you lived your life trying to overcome a stigma? . . . I really don’t believe that @warnerbrosuk would have wanted to upset or cause offence but I think maybe a few more discussions should have been had. . More than happy to hear your opinions as I think it’s great to be able to have open discussions about such topics. #notawitch

Uma publicação compartilhada por Claire Cashmore MBE (@clairecashmore1) em

As reações delas e de outros atletas paralímpicos - entre eles, o ex-nadador brasileiro Clodoaldo Silva - além de artistas, receberam vasto apoio nas redes sociais, surgindo o movimento #NotAWitch. Pessoas com deficiência postaram fotos com a hashtag no corpo, chamando atenção justamente para o membro que possui alguma diferença. O Comitê Paralímpico Internacional (IPC, sigla em inglês) também aderiu ao movimento virtual.

Pedidos de desculpas

As manifestações contra o racismo que marcaram a última temporada da NBA (principal liga norte-americana de basquete) chamaram atenção do mundo e mostraram a força do engajamento de esportistas em causas sociais. A repercussão da #NotAWitch evidenciou que o alcance da voz dos atletas paralímpicos e dos movimentos de pessoas com deficiência é cada vez mais maior também.

A repercussão chegou à Warner, que pediu desculpas por "qualquer ofensa causada" às pessoas com deficiência. Em nota, o estúdio explicou que "na adaptação do original, trabalhamos com designers e artistas para uma nova interpretação das garras de gato descritas no livro. Nunca foi a intenção de que o espectadores entendessem que as criaturas fantásticas e não-humanas os representassem. Esse filme é sobre bondade e amizade. Esperamos que as famílias e crianças possam aproveitar o filme e abraçar esse tema amoroso e empoderador".

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

I have recently learned that many people with limb differences, especially children, are in pain because of the portrayal of the Grand High Witch in The Witches. Let me begin by saying I do my best to be sensitive to the feelings and experiences of others not out of some scrambling PC fear, but because not hurting others seems like a basic level of decency we should all be striving for. As someone who really believes in inclusivity and really, really detests cruelty, I owe you all an apology for the pain caused. I am sorry. I did not connect limb difference with the GHW when the look of the character was brought to me; if I had, I assure you this never would have happened. I particularly want to say I’m sorry to kids with limb differences: now that I know better I promise I’ll do better. And I owe a special apology to everyone who loves you as fiercely as I love my own kids: I’m sorry I let your family down. If you aren’t already familiar, please check out the @Lucky_Fin_Project (video above) and the #NotAWitch hashtag to get a more inclusive and necessary perspective on limb difference.

Uma publicação compartilhada por Anne Hathaway (@annehathaway) em

Quem também se pronunciou foi Anne Hathaway, cuja personagem é a principal vilã do novo Convenção das Bruxas. Pelas redes sociais, a atriz se desculpou por não ter relacionado o visual da bruxa que representa na obra à alteração dos membros quando a aparência foi mostrada a ela. "Se tivesse, garanto que isso nunca teria acontecido", afirmou a estrela, que divulgou, na publicação, o vídeo de uma organização sem fins lucrativos que conscientiza e celebra indivíduos e famílias afetadas pela diferença de membros, a Lucky Fin Project. 

“Eu soube recentemente que muitas pessoas com diferenças nos membros, especialmente crianças, estão sofrendo por causa da representação da Grande Bruxa [personagem interpretada pela atriz]. Deixe-me dizer que faço o melhor para ser sensível aos sentimentos e experiências dos outros. Não para ser politicamente correta, mas porque não machucar os outros me parece ser um nível básico de decência. Como alguém que realmente acredita na inclusão e realmente, realmente, detesta crueldade, eu devo uma desculpa pela dor causada. Eu sinto muito", concluiu Hathaway.

Edição: Cláudia Soares Rodrigues

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