MPF pede cancelamento de multa de R$ 3 milhões aplicada pelo Ibama a indígena

Publicado em 26/02/2016 - 17:48 Por Ivan Richard – Repórter da Agência Brasil - Brasília

O Ministério Público Federal no Pará pediu o cancelamento de uma multa de quase R$ 3 milhões aplicada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), em 2009, a um índio da etnia Wai-Wai por confeccionar e transportar artesanato feito com penas de papagaios e araras.

O índio Timóteo Taytasi Wai-Wai foi autuado pelo Ibama em Oriximiná, oeste do Pará, com 132 peças de artesanato que, segundo o Ibama, seriam comercializadas durante a festa do boi de Parintins, no estado do Amazonas.

A legislação brasileira permite aos índios produzirem e usarem o artesanato como forma de expressar suas tradições culturais, no entanto a comercialização de objetos feitos com subprodutos da fauna silvestre é proibida para todos os cidadãos, inclusive indígenas.

A Defensoria Pública da União (DPU) entrou com ação pedindo anulação da multa e o MPF foi chamado a dar parecer. No documento enviado ontem (25) à Justiça Federal no Pará, o procurador Camões Boaventura, de Santarém, sustentou que a multa aplicada pelo Ibama foi “violentamente desproporcional”.

“A título de comparação, a empresa Norte Energia S.A, concessionária da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, foi multada pelo Ibama em R$ 8 milhões por ter provocado a morte de 16 toneladas de peixe. A Norte Energia, pessoa jurídica responsável pela mais cara obra pública em andamento no Brasil, orçada atualmente em R$ 32 bilhões, foi atuada em apenas R$ 8 milhões por crime ambiental inegavelmente mais grave - e de mais severa repercussão socioeconômica - que a conduta praticada pelo indígena”, argumentou o procurador.

Procurado, o Ibama informou que a multa de 8 milhões aplicada à Norte Energia S.A na verdade é relativa ao descumprimento de uma condicionante pela empresa que teria levado a morte de 200 kg de peixes. O caso da morte das 16 toneladas de peixe está sob análise técnica do órgão e deve resultar em uma nova autuação nos próximos dias.

No parecer, Boaventura também destacou que o artesanato constitui um aspecto cultural e de identidade étnica dos povos indígenas. Além disso, o procurador ressaltou que os povos indígenas, com técnicas de manejo da agrobiodiversidade e tecnologias de baixo impacto ambiental, protegem o meio ambiente em seus territórios, o que se traduz no índice de desmatamento de terras indígenas, que, na média, não passa de 1%.

“Índice bastante inferior ao índice encontrado em unidades de conservação gerenciadas pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), órgão do governo brasileiro vinculado ao Ibama, por exemplo”, ressaltou Boaventura.

O Ibama esclareceu que apenas cumpriu a lei. Foram cobrados R$ 5 mil por peça a ser comercializada, totalizando 660 mil reais. O valor realmente é mais alto que a multa convencional por peça, estabelecida em 500 reais, mas é aplicada quando o objeto tem origem de animal em extinção. Por ter baixo grau de escolaridade, Timoteo recebeu um desconto de 25%, levando o valor da multa para R$ 495 mil. Mas como era reincidente, o montante foi multiplicado por três, conforme previsto em lei. O valor final ficou em R$ 1,485 milhão, em 2009. Corrigido, o valor a ser pago agora é de cerca de R$ 3 milhões.

Segundo o Instituto, Timoteo era reincidente e já havia sido autuado em 2007 quando comercializava 27 peças de artesanato com subprodutos da fauna amazônica, em uma feira da Funai, em Brasília, Nesse episódio ele foi multado em R$ 16,5 mil. De acordo com o Ibama, ele não apresentou defesa em nenhuma das ocorrências.

Funai

Em manifesto enviado à Justiça, a Fundação Nacional do Índio (Funai) criticou a ação do Ibama e informou que o índio multado não trabalha com produção em larga escala, nem mesmo com recursos ou tecnologias que causem impacto ambiental sobre a população local de papagaios.

“Ademais, a fabricação de adornos não impacta o meio ambiente nem afeta o modo de vida tradicional da etnia Wai Wai. Ao contrário, fortalece as estratégia de sustentabilidade cultura, ambiental e econômica desse povo”, afirmou a Funai, no parecer.

De acordo com o MPF-PA, o índio Timóteo Taytasi Wai-Wai estuda no núcleo urbano de Oriximiná e usava a venda de artesanato para se sustentar longe da aldeia. Depois da autuação e da multa do Ibama, além da dívida, passou a ter dificuldade para continuar os estudos.

 

*Texto foi atualizado, às 20h54, de 29/02/2016, para acréscimo de informação com o posicionamento do Ibama

Edição: Maria Claudia

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