Maria Esther Bueno inaugurou história vitoriosa das sul-americanas no tênis

A atleta considera-se uma pioneira: "Mulher no esporte sempre teve,

Publicado em 08/03/2016 - 09:41 Por Vinícius Lisboa – Repórter da Agência Brasil - Rio de Janeiro

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Em 1939, quando Maria Esther Bueno nasceu em São Paulo, apenas duas brasileiras tinham disputado uma Olimpíada, o futebol feminino era ilegal e a prática esportiva, de um modo geral, era marcada pelo machismo, que se maquiava com falsos argumentos médicos para limitar a participação das mulheres.

A primeira medalha olímpica feminina chegaria quase 60 anos depois, em 1996, com o vôlei. As primeiras medalhas individuais demoraram ainda mais: quase 80 anos, e vieram com Ketleyn Quadros e Maurren Maggi, em 2008.

A carreira que Maria Esther construiu, no entanto, é um marco na história esportiva de toda a América do Sul. No Hall da Fama Internacional do Tênis, além de Maria Esther, a única  sul-americana homenageada é a argentina Gabriella Sabatini, quase 40 anos mais nova que a brasileira.

Ao olhar para trás, Maria Esther considera-se uma pioneira: "Mulher no esporte sempre teve, mas nunca com o destaque que era dado aos homens. Depois das conquistas que eu consegui, muitas mulheres se sobressaíram", disse ela, em entrevista à Agência Brasil. "Acho que abri um caminho, principalmente no tênis, que é o meu esporte, na América Latina toda."

 a brasileira Maria Esther Bueno e a argentina Gabriela Sabatini

Somente duas sul-americanas são homenageadas no Hall da Fama do Tênis: a brasileira Maria Esther Bueno, que tem sete títulos individuais de Grand Slam,  e a argentina Gabriela Sabatini Bruno Lorenzo/FotoJump/ Rio Open

Primeira tenista de fora dos Estados Unidos a ganhar os torneios de Wimbledon e U.S. Nationals no mesmo ano, Maria Esther é uma das oito atletas que venceram três vezes os torneios britânico e americano. A paulista é a 12ª tenista mais vitoriosa nas disputas individuais em Grand Slams, com sete títulos individuais e 12 em duplas femininas e duplas mistas. Com tantas vitórias, Maria Esther ocupou o primeiro lugar no ranking internacional em  1959, 1960, 1964, e 1966.

Tantos títulos não renderam, porém, prêmios em dinheiro para a atleta, já que o tênis era amador naqueles anos, chamados hoje de era "pré-Open", ou anterior aos torneios abertos. "Todos daquela época éramos amadores. Então, não havia os prêmios fabulosos que se tem agora. Eu jogava para ser a melhor do mundo em todas as categorias. Pela glória de ser número 1", recorda.

Em dezembro, foi inaugurada a quadra central do Centro Olímpico de Tênis, no Rio, com o nome de Maria Esther Bueno, que se emocionou com a homenagem. "Fico muito orgulhosa de ter representado bem o Brasil. Para a mulher brasileira, foi uma grande vitória, porque, em tudo, a gente tem que fazer o triplo do que fazem os homens.”

Para a tenista, essa desigualdade entre homens e mulheres no esporte está diminuindo. "[Para a mulher] sempre é um pouco mais difícil, porque os homens sempre estiveram em primeiro lugar, mas agora tudo está mais ou menos se equilibrando. A mulher tem que batalhar pelo espaço dela tanto no esporte como em qualquer outro lugar."

Em seu perfil no Hall da Fama, Maria Esther destaca que o maior momento de sua carreira foi a primeira vitória em Wimbledon, em 1959. "Foi um pouco inesperado, por eu ser muito nova, por vir do Brasil, onde só tínhamos quadras de saibro, não tínhamos tido a chance de jogar na grama. Então, vencer foi uma grande surpresa."

Recentemente, Maria Esther foi escolhida pelo patrocinador Bradesco para participar do revezamento da tocha olímpica, que passará por 329 cidades no Brasil. Na época em que ela se destacou no esporte, o tênis não era mais uma modalidade olímpica – saiu dos Jogos em 1924 e só retornaria em 1988. Em 1968, ano em que a brasileira sofreu com contusões, já na fase final da carreira, o tênis participou da Olimpíada da Cidade do México, mas apenas como demonstração.

"Eu parei por motivos de contusão, em 1968, e foi mais ou menos na época em que houve essa mudança toda no tênis, em que ele entrou para as Olimpíadas. Então, não tem frustração nenhuma", afirma a campeã.

“Monumento no esporte brasileiro”

Especialista em esportes olímpicos, a professora da Universidade de São Paulo Katia Rubio lembra que o tênis, já naquela época, era um esporte inacessível para a maioria da população. Para Katia, Maria Esther era uma atleta completamente fora dos padrões nacionais: "O tênis sempre foi uma modalidade de elite. A Maria Esther Bueno é uma atleta absolutamente diferenciada para os padrões do esporte brasileiro, tanto por ser tenista como por ser mulher. Ela é um monumento no esporte brasileiro."

Essa posição de destaque, no entanto, não significou a massificação do tênis, em geral, ou entre as mulheres, diz a pesquisadora. "A Maria Esther Bueno, inclusive por ser uma mulher de elite, tem pouca influência na trajetória das mulheres brasileiras. O feito dela é de suma importância para o esporte brasileiro, mas para o desenvolvimento e massificação do esporte, aí já é um outro passo."

Segundo Katia, depois de Maria Esther, poucas atletas conseguiram se destacar no tênis. "Muito tempo depois, tivemos a Patricia Medrado. Mas [nesse esporte] o Brasil não tem tradição alguma. As tenistas que tentam, de alguma forma, buscar um lugar ao sol no esporte brasileiro destacam-se mais no juvenil do que no circuito profissional."

Ouro após mordida de cachorro

Na carreira de Maria Esther, o título obtido no Pan-Americano de São Paulo, em 1963, tem uma história inusitada. Ela ganhou o ouro na competição individual e a prata nas duplas, com a cearense Maureen Schwartz.

Um acidente, no entanto, dificultou a conquista. "Eu tinha ganhado um filhotinho de cachorro uns dias antes da abertura do Pan, e o cachorrinho, com aquele dentinho fininho, deu uma mordida justo na minha mão direita, a de jogar. Então, dificultou bastante", lembra a tenista, que chegou a tomar pontos na mão. "Fui para o hospital, o médico deu uma costurada, uma colada lá no dedo, e assim foi."

Chamada Gigi, a cadela tinha sido um presente do irmão. A mordida não fez com que a afeição diminuísse, o que fica claro quando ela responde que continuou a criar Gigi. "Lógico! Imagina? Ela não tinha culpa de nada. E viveu a vida inteira comigo."

Edição: Nádia Franco

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