Atendimento a usuários na Cracolândia deve focar mais em saúde, diz secretária

O prefeito João Doria pretende acabar com o programa De Braços Abertos

Publicado em 02/01/2017 - 17:26 Por Daniel Mello - Repórter da Agência Brasil - São Paulo

Usuários de crack

Usuários de crack em São PauloMarcelo Camargo/ Agência Brasil

O atendimento a usuários de crack na região da Cracolândia, em São Paulo, pode passar a ter um foco maior na saúde, segundo a secretária municipal de Assistência Social, Soninha Francine. O prefeito João Doria pretende acabar com o programa De Braços Abertos (DBA), que tem uma abordagem focada na redução de danos e foi criado na gestão do ex-prefeito Fernando Haddad. No entanto, ainda não foi apresentada qual será a alternativa.

“No De Braços Abertos a saúde não é o eixo, é uma alternativa a mais. Eu acho que a gente tem que considerar que é uma questão de saúde, que implica em trabalho, moradia, autonomia”, ressaltou Soninha em entrevista à Agência Brasil, após participar da primeira reunião dos novos secretários municipais.

Aumentar o peso do tratamento médico nas ações vai, na opinião da secretária, na direção da construção histórica sobre atendimento destinado a usuário de drogas. “A gente brigou tanto para afirmar que o uso abusivo de drogas é um problema de saúde”, acrescentou.

Atualmente, o DBA atende a 467 pessoas. De acordo com dados fornecidos pela gestão anterior da prefeitura no fim do ano passado, desse total, 84,66% estão em tratamento de saúde e 72,75% estão trabalhando. O balanço aponta ainda que 88% os beneficiados pela iniciativa reduziram o consumo de crack. A ação integra os usuários, de forma flexível, a frentes de trabalho, oferece alojamento em hotéis e remunera os participantes, por dia, pelos serviços prestados.

A iniciativa da prefeitura difere do programa estadual Recomeço, que também funciona na Cracolândia, buscando dependentes nas ruas a fim de levá-los para tratamento, com afastamento e abstinência, e reabilitá-los para o trabalho. Em casos extremos, são usadas internações involuntárias e compulsórias.

Meio termo

“Eu acho que não tem cabimento a gente ter duas alternativas” disse Soninha que pretende combinar as formas usadas nos programas e chegar a um “meio termo”. “Tem coisas em comum entre eles”, enfatizou. Para ela, os bons programas em saúde mental, não só de uso de drogas, preveem uma atuação multidisciplinar.

“Uma coisa que a prefeitura tem feito com o De Braços Abertos que tem sido positivo é abrir os hotéis fora dali”, exemplificou sobre os alojamentos oferecidos aos beneficiários na zona norte da cidade. A secretária acredita que assim, aproveitando as experiências, pode ser possível dar um atendimento mais próximo das necessidades dos usuários de drogas da região. “As pessoas são muito diferentes entre si. Algumas têm família, outras não. Algumas estão há muito tempo na rua, outras acabaram de chegar”, comparou.

Apesar de dizer que trabalha com prazo “para ontem” para definir os rumos do atendimento, Soninha admite que ainda é preciso fazer um diagnóstico mais preciso sobre os problemas relacionados ao uso de drogas na região central. “A única coisa que a gente tem certeza absoluta é que continua sendo um trabalho de saúde, assistência social, segurança pública e direitos humanos. Não dá para fazer uma coisa super-rápida na Cracolândia”, destacou.

“Enquanto isso os serviços continuam. Seria um crime interromper um serviço que está em andamento”, disse ao garantir que não haverá um vácuo no trabalho com os usuários.

Mobilização

A falta de uma posição da nova gestão sobre o que será feito na região tem gerado apreensão de organizações que atuam na região, dentro e fora dos programas governamentais. Em dezembro, foram feitas ao menos duas mobilizações: um protesto na Avenida Paulista e um festival artístico em frente à Estação Júlio Prestes, próximo ao ponto onde fica a maior concentração de usuários de drogas.

A antropóloga Roberta Marcondes - que faz parte dos coletivos Desentorpecendo a Razão, Antiproibicionista e Sem Ternos, que reúne trabalhadores da Cracolândia, defende uma ação que mantenha o enfoque na redução de danos. “Os países da Europa já estão usando a redução de danos há muito mais tempo, não porque eles são de esquerda ou avançados, mas porque pragmaticamente a redução de danos é muito mais eficiente”, destacou.

Edição: Amanda Cieglinski

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