Articulação entre governo e setor privado é saída para financiar saneamento

Publicado em 20/03/2018 - 21:41 Por Wellton Máximo – Repórter da Agência Brasil - Brasília

IBGE

Tarifa de água no Brasil é baixa se comparada à de outros países, diz diretora do BNDESArquivo/Agência Brasil

Num cenário de crescimento populacional e restrições de recursos naturais, a articulação entre o governo e o setor privado é imprescindível para ampliar o fornecimento de água e esgoto tratado na América Latina. Somente essa interação permitirá desenvolver soluções que impeçam ou amenizem o aumento de tarifas. Essa foi a conclusão de especialistas, representantes de governos e empresários que debateram hoje (20), no 8° Fórum Mundial da Água, as perspectivas de financiamento de investimentos hídricos no continente.

A diretora de Energia, Gestão Pública e Socioambiental, Saneamento e Transporte do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Marilene Ramos disse que a tarifa de água no Brasil é baixa em relação à maioria dos outros países e insuficiente para universalizar o acesso à água e ao saneamento no país.

“Nos países com 100% de cobertura, a tarifa média de água e esgoto era de US$ 6 por metro cúbico nos anos 2000. No Brasil, a tarifa somada hoje dá em torno de R$ 6 por metro cúbico, o que equivale a pouco menos de US$ 2”, declarou a diretora do banco de fomento. Segundo ela, o financiamento público pode ser uma saída para estimular os investimentos das companhias de saneamento, mas a falta de capacidade das empresas estatais em conseguirem linha de crédito representa um entrave.

“No ano passado, o BNDES desembolsou cerca de R$ 70 bilhões. Menos de 1% foi para projetos de saneamento. De modo geral, os agentes do setor têm baixíssima capacidade de tomar financiamento”, disse Marilene. Segundo ela, as restrições atingem principalmente as estatais de saneamento de médio e de pequeno porte. “As empresas privadas, que atendem somente 5% da população brasileira, concentraram 54% do valor financiado no ano passado”, acrescentou.

Entre as empresas públicas de saneamento, detalhou Marilene, somente as quatro maiores do país têm linhas de crédito com o banco. Para a diretora do BNDES, a burocracia nas companhias públicas estaduais e municipais desestimula a concessão de empréstimos. “Enquanto os desembolsos do banco para projetos de empresas públicas duram oito anos, as empresas privadas executam os projetos em dois ou três anos”, declarou.

Para estimular os empréstimos para o setor, o banco aumentou o prazo de 20 para 34 anos e reduziu o spread (diferença entre os juros que paga para captar os recursos e o que empresta) de 1,7 para 0,9 ponto percentual.

Subsídios

O ministro de Meio Ambiente e Água da Bolívia, Carlos Ortuño, defendeu o envolvimento direto do governo para ampliar o acesso à água tratada. Ele reiterou que o país já garantiu 100% de acesso a água tratada nas áreas urbanas e pretende universalizar a cobertura nas áreas rurais até 2025. “Tudo foi cuidadosamente discutido e incorporado ao plano estratégico nacional”, disse.

Ortuño disse que os subsídios públicos podem suprir as deficiências do setor privado e contrapor-se ao que chamou de mercantilização da água. “O Estado tem papel protagonista para cobrir os investimentos para setores mais vulneráveis, principalmente no meio rural”, destacou.

Segundo ele, nas áreas urbanas, a responsabilidade pela prestação de serviços públicos cabe aos municípios, e o governo federal boliviano atua quando as tarifas cruzadas entre os consumidores de maior e menor porte não conseguem equilibrar as contas das companhias de saneamento. Nas áreas rurais, explicou, o governo assume totalmente os empreendimentos.

Comunidade

Presidente da Confederação Latino-Americana de Organizações Comunitárias de Serviços de Água e Saneamento (Clocsas), Rolando Marín disse que o engajamento das comunidades que vivem nas periferias é importante para buscar soluções de baixo custo que ampliem o acesso à água tratada. A associação atua em 15 países e reúne grupos de vizinhos em zonas semiurbanas ou rurais que montam sistemas próprios de captação, tratamento e distribuição de água com tarifas reduzidas, apenas para cobrir os custos. Os líderes dessas organizações trabalham voluntariamente, sem receber nenhuma remuneração.

“Precisamos do fortalecimento de todos os entes – governo, empresas e sociedade – para dar conta do imenso desafio de ampliar o acesso à água tratada na América Latina. Temos 145 mil organizações comunitárias que dão abastecimento a 30% da população da América Latina. Isso pode melhorar se as próprias organizações trocarem experiências bem sucedidas e o governo e o setor privado fornecerem financiamento e capacitação de lideranças locais”, explicou.

Empresas

Diretor-presidente da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), que atende a 22 milhões de consumidores na Região Metropolitana da cidade, e ex-diretor-presidente da Agência Nacional de Águas (ANA) Jerson Kelman diz que o crescimento populacional complica a meta da companhia de universalizar o tratamento de esgoto. Segundo ele, em algum momento, os reguladores terão de encontrar um meio de elevar as tarifas para a população em geral, protegendo os mais pobres.

“Há muita incompreensão. As pessoas imaginam que pagam o serviço completo, mas as empresas não prestam serviços no padrão suíço porque os funcionários são preguiçosos. As tarifas têm de crescer para quem pode pagar, protegendo quem não pode pagar”, declarou. Kelman, no entanto, mencionou iniciativas internacionais que ajudariam a amenizar o impacto das tarifas, como os revolving funds nos Estados Unidos e a cobrança direta de poluidores na França.

Os revolving funds são contas ou fundos que financiam projetos de médio e de longo prazo de uma organização ou empresa. Ao ter acesso ao dinheiro, a companhia pode concluir os projetos, reembolsando o fundo com juros baixos, na medida em que o empreendimento gere caixa. Depois de receber o dinheiro de volta, o fundo financia outro projeto nos mesmos moldes.

Edição: Denise Griesinger

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