Argentina: processo sucessório começa com prévias nacionais no domingo

Publicado em 07/08/2015 - 06:09 Por Monica Yanakiew - Correspondente da Agência Brasil/EBC - Buenos Aires

Casa Rosada, sede do governo argentino

Disputa pela Casa Rosada, sede do governo argentino, começa com prévias no domingoAgência Telam/Divulgação

A presidenta da Argentina, Cristina Kirchner, conclui o segundo e último mandato em dezembro, mas o processo para escolher o seu sucessor começa com as prévias nacionais no domingo (9). No total, 32 milhões de argentinos vão às urnas para decidir quem tem direito a se candidatar ao cargo que, nos últimos 12 anos, foi ocupado por um Kirchner – primeiro por Néstor (2003-2007), depois por sua mulher, Cristina (reeleita em 2011, um ano após a morte do marido).

Na Argentina, como no Brasil, o voto é obrigatório. A diferença é que os eleitores argentinos também têm a obrigação de votar nas prévias nacionais para escolher os candidatos de cada aliança partidária às eleições presidenciais de 25 de outubro.

“Por serem simultâneas, nacionais e obrigatórias, as prévias acabam sendo quase um primeiro turno”, explicou, em entrevista à Agencia Brasil, o analista político Roberto Bacman. “Se tivermos que realizar um segundo turno, este ano, o eleitor argentino terá que ir três vezes às urnas para votar para presidente.”

Nas prévias, o candidato que obtiver menos de 1,5% dos votos válidos será automaticamente eliminado do pleito. Se mais de uma pessoa se postular ao cargo por uma mesma legenda, o finalista será escolhido pelo voto popular (e não em eleições internas partidárias). Além de presidente e vice-presidente, os argentinos vão eleger este ano 130 deputados federais, 24 senadores e governadores.

Quinze alianças partidárias disputam a Presidência, mas, segundo todas as pesquisas de opinião, apenas duas têm chance de eleger o sucessor de Cristina Kirchner. Nenhum dos candidatos hoje teria votos suficientes para ganhar no primeiro turno (45% ou 40% e uma diferença de 10% em relação ao segundo colocado).

O favorito, segundo as pesquisas de opinião, é Daniel Scioli – candidato único do partido governista Frente para a Vitória (FPV), com mais de 35% dos votos. Ele foi vice-presidente de Néstor Kirchner, antes de ser eleito governador da província de Buenos Aires (a maior e mais rica da Argentina, onde está concentrado um terço do eleitorado nacional).

Em segundo lugar está o prefeito da cidade de Buenos Aires, Mauricio Macri, líder do partido PRO e favorito da oposição, com cerca de 30% dos votos. Ele e um dos três pré-candidatos da coligação partidária Cambiemos, mas está bem à frente dos outros dois: Ernesto Sanz (UCR) e Elisa Carrio (Coalición Cívica).

“Grosso modo, um terço do eleitorado argentino quer manter as coisas como estão e votará em Scioli. Outro terço quer mudanças e votará em Macri. Mas um terço do país quer manter a situação, mas, ao mesmo tempo, mudar algumas coisas – e é nesse poço do centro que os dois candidatos estão buscando votos”, disse a analista política Mariel Fornoni. Segundo Bacman, nesse contexto, as prévias têm papel importante.

“Como as prévias ocorrem dois meses e meio antes das eleições, elas funcionam como pesquisa de opinião publica, muito mais representativa e com muito mais credibilidade do que qualquer pesquisa de opinião feita pelas consultoras”, disse Bacman. “E isso fortalece ou enfraquece a posição dos candidatos nas eleições de 25 de outubro e ajuda a definir o voto estratégico. O eleitor que não votaria no candidato X, por questões ideológicas, pode acabar votando nele porque constatou nas prévias que é o único capaz de impedir a vitória do candidato Y, que ele detesta.”

 As pesquisas de opinião também demonstraram que, depois de ter passado por sucessivas crises (a mais grave em 2001), os argentinos estão cada vez mais avessos a mudanças radicais. Desde o retorno da democracia, a Argentina enfrentou uma hiperinflação (nos anos 80), que superou na década de 90 com um programa econômico neoliberal, equiparando o peso ao dólar norte-americano e privatizando as estatais. Mas, depois de um período de crescimento e estabilidade, veio a recessão. Sucessivos planos de ajuste elevaram o índice de desemprego e desencadearam a crise de 2001, provocando a queda do governo e levando o país a decretar moratória da divida externa.

Na era Kirchner, a empresa aérea Aerolineas Argentinas e a de petróleo Yacimentos Petroliferos Argentinos (YPF) voltaram a ser estatizadas, e o governo investiu em planos sociais. O pais voltou a crescer, em parte graças a uma conjuntura internacional favorável, de alta dos preços das commodities. Nos últimos anos, a situação mudou.

“Existem problemas sérios que vão ter que ser enfrentados, como a inflação alta de cerca de 30% ao ano e o déficit fiscal, equivalente a 7% do Produto Interno Bruto (PIB)", disse Fornoni. “Mas cerca de 15 milhões a 17 milhões de argentinos hoje recebem um cheque do Estado ao final do mês – e isso inclui desde salários, pensões e aposentadorias até ajuda social. Eles ainda se lembram da crise de 2001 e é natural que tenham medo de mudanças bruscas”, concluiu.

Segundo Bacman, isso explica porque tanto Scioli quanto Macri tenham adotado posições mais moderadas – ambos agora disputam o voto do centro.

Edição: Graça Adjuto

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