MP denuncia representantes de construtora por pagamento de propina

Publicado em 19/04/2018 - 17:22 Por Elaine Patricia Cruz – Repórter da Agência Brasil - São Paulo

O Ministério Público encaminhou uma denúncia à Justiça de São Paulo contra dois representantes da construtora WTorre por pagamento de propina a ex-funcionários da prefeitura municipal paulistana durante a construção do Shopping JK Iguatemi, na zona sul da capital paulista. A denúncia é parte da operação que ficou conhecida como Máfia dos Fiscais ou Máfia do ISS.

Segundo a denúncia, feita pelo promotor de Justiça Marcelo Mendroni, do Grupo de Atuação Especial de Repressão à Formação de Cartel e à Lavagem de Dinheiro e de Recuperação de Ativos (Gedec), os representantes da construtora e do shopping Paulo Remy Gillet Neto e Willians Piovezan, teriam pago propina a fiscais da prefeitura de São Paulo para evitar cobranças de Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU) e Imposto sobre Serviços (ISS).

O empreendimento foi construído pela empreiteira WTorre e inaugurado em 2012. Além deles, também foram denunciados, por corrupção passiva, os ex-funcionários da prefeitura Ronilson Bezerra Rodrigues (subsecretário de Finanças), Eduardo Horle Barcellos (diretor de Arrecadações), Carlos Augusto di Lallo do Amaral (diretor de Departamento) e Luís Alexandre Cardoso de Magalhães (auditor fiscal de Renda) que integravam a chamada Máfia dos Fiscais. 

Alguns desses ex-funcionários já estiveram presos durante a deflagração da operação, em 2013, mas, segundo o promotor, nenhum deles está preso no momento. Também foi denunciado Willian de Oliveira Deiró Costa, destacado pela Máfia dos Fiscais para calcular o valor de IPTU e ISS a ser cobrado do shopping.

De acordo com a denúncia, os ex-funcionários da prefeitura receberam R$ 3 milhões em propina entre outubro de 2012 e junho de 2013 para não cobrar o IPTU e o ISS do shopping, referente à construção de uma área de mezanino entre 2 e 3 mil metros quadrados. A área foi registrada em tamanho inferior ao que realmente teria para que o imposto cobrado também fosse menor. O valor que a empresa deveria pagar à prefeitura não foi estimado mas, segundo o promotor, superaria o valor que foi pago em propina. Para obter a propina, os fiscais da prefeitura alegavam que se o valor não fosse pago, o centro de compras poderia ser fechado e multado.

“Esse é mais um dos casos da Máfia dos Fiscais, em que agentes privados pagaram corrupção para agentes públicos para deixar de recolher imposto total que deveriam recolher no município. E, nesse caso, como era um empreendimento grande, era uma coisa valiosa, a propina foi maior do que em outros shoppings”, disse o promotor  hoje (19). “Mas ainda há outros shoppings em investigação. Há muitos outros grandes empreendimentos aqui em investigação. A corrupção está disseminada de uma forma que virou endêmica no Brasil. E, se não fizermos nada, ela pode atingir o último degrau, que é virar sistêmica”, destacou.

Segundo ele, este caso se refere especificamente à construção de mezanino no shopping. “A WTorre, que poderia ter pago o valor integral [do imposto que seria devido], achou mais cômodo pagar a propina, em valor menor”, explicou.

A propina foi dividida em 20 parcelas de R$ 150 mil. A primeira delas foi paga em espécie na boate Scandallo, no bairro do Cambuci, em São Paulo. Escutas telefônicas autorizadas pela Justiça mostraram uma conversa entre Magalhães e Piovezan, na época representante da WTorre S.A. Eles acertaram que o pagamento da propina seria feito no dia 2 de outubro de 2013, dentro da boate, mas não se encontraram pessoalmente. Cada um enviou um "laranja" para entregar e receber o dinheiro.

Máfia do ISS

No esquema, revelado em 2013, auditores fiscais do município cobravam propina de empresas para reduzir o valor do imposto que deveria ser pago por elas para a prefeitura. O esquema envolveu 410 empreendimentos, entre construtoras, shoppings e até hospitais. O Ministério Público e a Polícia Civil, que investigam o caso, acreditam que R$ 500 milhões tenham sido desviados da prefeitura paulistana com o esquema criminoso.

O esquema funcionava no momento do recolhimento do ISS, calculado sobre o custo total da obra. Esse recolhimento é condição necessária para que o empreendedor obtenha o habite-se e a construção possa ser ocupada. Para construir um prédio, as incorporadoras e construtoras estabelecem um modelo de organização social conhecido como Sociedade de Propósito Específico (SPE). Cada empresa ou incorporadora pode ter vários SPEs. Próximo ao término da obra, é necessário fazer o recolhimento do ISS e obter a certidão de quitação do imposto. O que ocorria é que os auditores fiscais emitiam as guias do recolhimento do ISS com valores muito inferiores ao exigido e cobravam das empresas ou dos incorporadores o depósito de altos valores, geralmente em espécie, em suas contas bancárias. Sem esse “pagamento” em suas contas pessoais ou no de suas próprias empresas, os certificados de quitação do ISS não eram emitidos e o empreendimento não era liberado para ocupação.

Segundo o promotor, o Ministério Público acredita que esse esquema criminoso ainda tenha acabado. “Há uma suspeita forte de que os esquemas de corrupção continuam na prefeitura e no estado de São Paulo, nas fiscalizações”, disse Mendroni.

Outro lado

Em nota divulgada na noite de hoje, a WTorre diz repudiar "a denúncia de que teria pago propina a fiscais da prefeitura para evitar cobranças de IPTU e ISS do Shopping JK Iguatemi". Segundo a nota, Paulo Remy Gillet, então CEO da construtora (ele deixou a empresa em 2017), "já prestou os devidos esclarecimentos ao Ministério Público em 10 de junho de 2014. Na oportunidade, foi informado que não houve qualquer tipo de pagamento escuso e tampouco foi recebido benefício da prefeitura para a inauguração do shopping. Ao contrário, a região foi contemplada com várias obras de melhoria a título de contrapartida, sem precedentes em empreendimentos desse porte", diz a nota.

"Com relação aos mezaninos, também houve uma fiscalização e todas as lojas só foram abertas quando estavam perfeitamente regulares. Cumpre ressaltar que o IPTU pago pelo Shopping JK Iguatemi, desde a sua inauguração, está entre os mais altos da cidade de São Paulo e não existe qualquer irregularidade na metragem ou na forma de apuração deste imposto".

A Agência Brasil também procurou a assessoria de imprensa do Shopping JK, que informou que todas as parcelas do IPTU foram “devidamente pagas, na integralidade” desde a inauguração do shopping, em junho de 2012. “Por isso a empresa estranha e repudia a menção irresponsável a seu nome nesse caso. O empreendimento desconhece qualquer prática de irregularidade no período da construção”, diz a nota.

* Texto atualizado às 20h10 para inclusão de nova nota da WTorre

Edição: Lílian Beraldo

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