Elogio ambíguo de Lula à Namíbia surpreende comitiva

07/11/2003 - 17h46

Spensy Pimentel
Enviado especial a Windhoek

Windhoek (Namíbia), 7/11/2003 (Agência Brasil - ABr) - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva causou surpresa hoje à comitiva brasileira que o acompanha à África, durante o encerramento da visita oficial à Namíbia, ao usar uma expressão ambígua na declaracão conjunta que fez com o presidente do país, Sam Ujoma. "Quem chegar em Windhoek não parece que está em um país africano. Poucas cidades do mundo são tão limpas, tão bonitas arquitetonicamente como essa e têm um povo tão extraordinário como tem essa cidade", disse Lula.

Depois, ao perceber o equívoco, o presidente não foi feliz na tentativa de se explicar e a nova declaração ficou ainda mais confusa. "A visão que se faz sobre a América do Sul, e sobretudo sobre o Brasil, é que nós somos um país apenas de índios muito pobres. E a visão que se faz da África é que também é um continente só de pobres, quando, na verdade, se não fosse o grande tempo de colonização e se não fossem as guerras internas, certamente os países africanos já teriam crescido de forma extraordinária", afirmou.

O assessor especial do presidente, Sérgio Ferreira, que fazia a tradução para o inglês após cada frase do discurso do presidente, trocou o elogio à limpeza de Windhoek por "beautiful" – bonito. Ele também mudou "índios pobres" por "beautiful people" (gente ou povo bonito). Os ministros e outros assessores que estavam na platéia também pareceram espantados pelas palavras de Lula. O presidente preferiu improvisar, em vez de ler o discurso escrito para a ocasião, mas foi traído pelo cansaço da exaustiva jornada de visitas a cinco países africanos.

Windhoek, a capital da Namíbia, com cerca de 150 mil habitantes, tem arquitetura e urbanismo que refletem a origem "bôer" (holandesa), inglesa e alemã da população branca da região. Até 1990, a Namíbia era uma província pertencente à África do Sul, regida pela segregação racial do apartheid. Hoje, todos têm direitos iguais no país, mas os negros ainda enfrentam problemas de exclusão social.

Em seguida à declaracão, o presidente prosseguiu os elogios ao pais. "Acho que a Namíbia é um exemplo extraordinário pela sua infra-estrutura, pelo combate à corrupção, pela democratização da política e pela dedicação do governo à parte mais pobre da população".

Ele também reiterou o apoio e a aliança com os países africanos nos debates que envolvem o comércio internacional. "Os países africanos não estão precisando de favores, mas de oportunidades, de parcerias, e que o resto do mundo desenvolvido dê apenas uma chance na competitividade internacional, no comércio internacional, que nós haveremos de provar que nós não nascemos para ser pobres e que poderemos, em pouco tempo, estar competindo com qualquer outro país em igualdade de condições".

O Brasil recebeu o apoio de Nujoma para que se torne membro permanente do Conselho de Segurança da ONU e retribuiu com a reiteração de que vai dar suporte para que um país africano conquiste a mesma posição.

O presidente também falou sobre suas impressões a respeito do continente africano. "O que aconteceu comigo nesta viagem foi um aprendizado talvez dos mais importantes que eu tive até agora com dez meses de mandato. Agora, mais do que nunca, eu serei defensor da tese de que um dia, milhões de anos atrás, o continente africano foi ligado ao continente americano. Durante muito tempo, eu me perguntava: se era verdade que um tempo a África esteve ligada ao Brasil, por que os grandes animais que existem hoje ficaram todos do lado da África e não do lado do Brasil?"

A observação foi o mote para uma exaltação dos laços entre o Brasil e a África. "Eu poderia dizer hoje, mais do que em qualquer outro momento, que Deus quando fez o mundo e imaginou essa separação, ele pensou: eu não vou deixar nenhum animal de grande porte do lado do Brasil, mas eu vou criar as condições para que a mente, o coração e a estética do povo africano sejam a
mesma. E isso aconteceu. O nosso país tem a cara do povo africano, tem o jeito alegre, até a ginga do povo africano".

Antes do discurso, Lula comeu carnes exóticas, como a de órix (herbívoro das savanas), no churrasco oferecido pelos anfitriões. Foram servidos também calamares, espécie de lulas gigantes.

A comitiva brasileira desembarcou em Pretória no fim da tarde e, agora à noite, Lula e seus ministros participam de jantar oferecido pelo presidente sul-africano Thabo Mbeki.