Coluna do Ouvidor - A quem servem as pesquisas eleitorais?

30/04/2010 - 13h40

Paulo Machado

Ouvidor da Agência Brasil

 

Brasília - A presidente do Conselho Curador da EBC, Ima Vieira, tem declarado que o órgão máximo de decisão da empresa pretende analisar em sua próxima reunião um plano de cobertura para as eleições gerais deste ano. À repórter Cristina Charão, do Observatório do Direito à Comunicação [1], em 25 de março, ela disse que: “Em abril ou maio, devemos discutir os planos de cobertura para as Eleições 2010, o que é bastante importante”. Em outra entrevista, publicada no site da TV Brasil [2], em 7 de abril, falou que:”... nós vamos ter, na próxima reunião de maio, provavelmente, mais tardar 1º de junho, a apresentação, por parte da diretoria executiva, do plano de cobertura da Copa e das eleições. O conselho vai discutir esse plano e vai, na forma de resolução, aprovar ou aprovar com algumas considerações, reformulações etc.”.

 

Uma das questões a serem decididas reside no fato de publicar ou não pesquisas eleitorais e, se decidir fazê-lo, quais serão as regras e os critérios?

 

Nas eleições de 2006, a Radiobrás decidiu por não publicar pesquisas. No documento, registrado em cartório, Protocolo de compromisso com o cidadão na cobertura das eleições gerais 2006, rezava: “Todos os candidatos a presidente, quaisquer que sejam seus índices de preferência em quaisquer pesquisas de opinião, serão objeto da cobertura jornalística da Radiobrás”. “A Radiobrás não encomenda nem publica resultados de pesquisas eleitorais, inclusive as de boca de urna”.

 

Já a empresa pública de comunicação da Inglaterra, BBC, publica pesquisas eleitorais com base em rigorosos critérios:

 

Das Diretrizes para as Eleições 2010 (BBC, março de 2010) [3]

 

6.1 A Divulgação das Pesquisas

Durante a campanha nossa divulgação das pesquisas de opinião deve levar em conta três fatores principais:

  1. Elas fazem parte da historia da campanha e, onde for adequado, o público deve ser informado sobre elas;

  2. O contexto é essencial e temos que garantir a precisão e a adequação da linguagem usada para relatá-las;

  3. As pesquisas podem errar – há riscos concretos em divulgar apenas as pesquisas mais “noticiáveis” – isto é, aquelas que por si só mostram mudanças dramáticas.

As regras gerais e orientações para a divulgação das pesquisas têm que ser seguidas rigorosamente. Elas são:

  1. Não fazer o lead de uma matéria ou um programa simplesmente com os resultados de uma pesquisa de intenção de voto;

  2. Não colocar em manchete os resultados de uma pesquisa de intenção de voto, exceto que se ela tenha gerado uma reportagem que por sua vez mereça uma manchete e para a qual uma referência aos resultados da pesquisa se torna necessária para compreende-la;

  3. Não depender da interpretação dada aos resultados de uma pesquisa pela organização ou a publicação que a encomendou, senão formular nossa própria perspectiva por meio de uma análise das perguntas, dos resultados e das tendências;

  4. Relatar os resultados das pesquisas de intenções de voto no contexto das tendências. Uma tendência pode se constituir dos resultados de todas as pesquisas principais ao longo de um determinado período ou se limitar às mudanças nos resultados nas pesquisas de um só instituto. Os resultados que contrariam as tendências, sem uma explicação convincente, devem ser tratados com desconfiança e cautela especiais;

  5. Não usar linguagem que confira maior credibilidade às pesquisas do que elas merecem: as pesquisas “sugerem” mas nunca “provam” nem mesmo “mostram”;

  6. Relatar a margem de erro esperada, se a diferença entre os adversários estiver dentro desta margem. Na televisão e online, os gráficos devem sempre mostrar a margem de erro;

  7. Identificar a entidade que realizou a pesquisa e a organização ou a publicação que a encomendou.

 

A Agência Brasil publicou a notícia Pesquisa CNI/Ibope indica Serra com 35% e Dilma com 30% das intenções de votos [4], dia 17 de março. A matéria contem informações sobre o tamanho da amostra, as datas da coleta, a identificação da organização que realizou a pesquisa e quem a encomendou. As informações sobre a abrangência geográfica da pesquisa não são completas pois dizer que as entrevistas foram feitas em 140 municípios não define a sua localização. Para obter estas informações é preciso consultar o relatório da pesquisa. A matéria não relata a margem de erro utilizada, que, de acordo com o relatório do instituto, foi de 2 pontos percentuais para mais ou para menos. A comparação dos resultados da pesquisa aos da “pesquisa anterior”, de dezembro de 2009, omite que, na realidade, a pesquisa anterior do próprio Ibope foi realizada em fevereiro de 2010, para não falar nas 6 pesquisas realizadas por outros institutos no período e não divulgadas pela ABr.

 

Por que então a ABr escolheu a pesquisa de dezembro de 2009 para comparação? Qual foi o critério adotado para divulgar uma pesquisa do Ibope em vez das pesquisas dos outros institutos?

 

Na referida notícia, o que mais chama a atenção do leitor é a diminuição da diferença entre os dois pré-candidatos à Presidência que aparecem em primeiros lugares na comparação entre as pesquisas selecionadas e comparadas: “A diferença entre os dois principais candidatos caiu 16 pontos percentuais”, apesar de a ABr não ter dado destaque a esse fato no título da matéria ou atribuído a ele algum significado estatístico especial. A única fonte ouvida na matéria foi o diretor de operações da Confederação Nacional da Indústria - CNI, Rafael Lucchesi, instituição que encomendou a pesquisa ao Ibope.

 

A divulgação de pesquisas eleitorais é um assunto bastante controverso em todos os lugares. Especialistas têm se debruçado sobre ele para tentar entendê-lo e explicá-lo à luz da ciência politica, da ética e da estatística. As opiniões vão desde a total proibição de sua divulgação por considerar uma tentativa de antecipação dissimulada do resultado das eleições – considerada uma usurpação do voto, até a posição defendida pelos próprios institutos de pesquisa e pelos meios de comunicação, responsáveis pela sua divulgação.

 

Segundo eles, trata-se do ponto de vista de atores sociais diretamente interessados na questão, tendo como plano mínimo de interesse a dimensão mercantil, que se traduziria em audiência. E como dimensão máxima, a vontade de também influir significativamente nos destinos das eleições. Para essa perspectiva, o problema das pesquisas se resume e se reduz ao erro, à falta de exatidão, ou melhor, à probabilidade de uma pesquisa apresentar um erro além do estipulado.

 

Entre eles, há aqueles “ que apostam na neutralidade pura e simples das pesquisas, considerando-as como mero reflexo da realidade, sem poder de indução alguma. Os institutos tendem a se entrincheirar nessa posição enquanto corporação...” e os que “admitem alguma influência, mas consideram essa influência como parte integrante da normalidade do jogo democrático. Os meios de comunicação tendem a defender essa perspectiva. Em comum, essas duas visões não enchergam maiores problemas quanto à realização e divulgação de pesquisas eleitorais, ou por serem neutras do ponto de vista da influência sobre eleitores, ou porque essa influência é inteiramente democrática” [5].

 

Uma outra perspectiva é de natureza ético-política e defende que as pesquisas eleitorais influem no processo eleitoral, não sendo neutras. A questão passa a ser: em que circunstâncias elas são legítimas, eticamente aceitáveis e em que circunstâncias não o são, porque estariam ferindo o direito dos candidatos a uma igualdade mínima de condições e o eleitor de refletir, sem ser assediado pelas pesquisas?” [idem]

 

Ao definir as regras e critérios para a cobertura das eleições de 2010, o Conselho Curador da EBC poderá responder à pergunta: A quem servem as pesquisas eleitorais?

 

Até a próxima semana.

 

[1] http://www.fndc.org.br/internas.php?p=noticias&cont_key=511754

[2] http://www.tvbrasil.org.br/saladeimprensa/noticia_481.asp

[3] http://www.bbc.co.uk/guidelines/editorialguidelines/assets/advice/GenElec2010_GuidelinesFinalMarch2010.pdf

[4] http://agenciabrasil.ebc.com.br/arquivodenoticias?p_p_id=56&p_p_lifecycle=0&p_p_state=maximized&p_p_mode=view&p_p_col_id=column-1&p_p_col_count=1&_56_groupId=19523&_56_articleId=167923

[5] PESQUISAS ELEITORAIS: INFORMAÇÃO E PROPAGANDA. Artigo publicado na Revista SBPM – Sociedade Brasileira de Pesquisa de Mercado. Agosto 1999. Ano II, nº 09, pp. 12-21.