Faltam delegacias especializadas para lidar com desaparecidos

13/03/2011 - 18h53

Elaine Patricia Cruz
Repórter da Agência Brasil

São Paulo - Um dos problemas que atrapalham a solução de casos de desaparecimento no Brasil é a ausência de delegacias especializadas para lidar com crianças e adolescentes. Essa é a opinião de Ariel de Castro Alves, presidente da Fundação Criança, de São Bernardo do Campo (SP), e vice-presidente da Comissão Nacional da Criança e Adolescente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

“Toda região, comarca ou município deveria ter uma delegacia especializada da criança e do adolescente, contando com policiais preparados para trabalhar nessa área, com apoio social, com parcerias com as prefeituras ou com a própria polícia oferecendo esse apoio social”, disse Alves, em entrevista à Agência Brasil.

Segundo Ivanise Esperidião da Silva Santos, presidente e fundadora da Associação Brasileira de Busca e Defesa à Criança Desaparecida, mais conhecida como Mães da Sé e mãe de uma criança desaparecida desde 1995, há em todo o Brasil apenas duas delegacias especializadas nesse tipo de atendimento: em Belo Horizonte (MG) e em Curitiba (PR). “Os governos deveriam investir mais em segurança pública e capacitar o policial para trabalhar com desaparecidos”, reclamou Ivanise.

Segundo ela, um passo importante nessa questão foi a promulgação da Lei 11.259, em 2006, conhecida como Lei da Busca Imediata. “Ela obriga a delegacia a fazer a ocorrência do desaparecimento e também a dar início às buscar e acionar órgãos como as polícias rodoviária e federal, aeroportos e terminais de ônibus”, disse Ivanise. O problema, segundo ela, é que “a lei não é cumprida” e muitas delegacias, por exemplo, ainda dizem que é preciso aguardar 24 horas para fazer a notificação do desaparecimento.

“Nunca existiu isso. [O prazo de 24 horas] Nunca foi lei ”, criticou. “Isso [a negação da delegacia em fazer a notificação imediatamente] é um desrespeito com a dor de uma mãe. Quanto maior o tempo de desaparecimento, menor a possibilidade de ela [a criança] ser localizada”, ressaltou.

Para Ariel de Castro Alves, também seria interessante que os municípios brasileiros pudessem repetir o exemplo da Fundação Criança e estabelecer parcerias com as delegacias municipais para o enfrentar o desaparecimento de crianças e adolescentes.

Por meio de parcerias, a Fundação Criança disponibiliza o arquivamento de material genético no banco de dados de DNA (material genético), serviço oferecido pelo projeto Caminho de Volta, da Universidade de São Paulo (USP), e o envelhecimento digital de crianças desaparecidas por um longo período de tempo, que é oferecido pelo Serviço de Investigação de Crianças Desaparecidas (Sicride) do governo do Paraná.

“Esse trabalho é fundamental. Entendemos que ele deveria ocorrer em todo o Brasil. Todos os estados deveriam desenvolver esse trabalho, como é feito no Paraná, serviço que é vinculado à Polícia Civil. Passando de dois a três anos, sempre seria fundamental o envelhecimento digital porque o corpo da criança e o rosto do adolescente se modificam muito rapidamente nesse período em que eles ainda estão se formando. E o envelhecimento digital é fundamental para ajudar a encontrar essa criança”, afirmou Alves.

Desde 2005, a Fundação Criança trabalha com a questão do enfrentamento de crianças e adolescentes desaparecidos. Nesse período foram recebidos mais de 800 casos, uma média de 200 por ano. Segundo o presidente da fundação, em 95% dos desaparecimentos, a solução ocorre logo nos primeiros dias. Mas nos casos de desaparecimentos mais longos, a fundação tem agora optado pelo processo de envelhecimento digital. Atualmente, há sete registros de desaparecimento sendo investigados pela fundação. Em dois, foi feito o procedimento de envelhecimento digital de fotos das crianças.

De acordo com Alves, é necessário também o suporte psicossocial para ajudar as famílias no enfrentamento desse problema. A Fundação Criança oferece esse atendimento pela psicóloga e educadora Vania Brito Caires. Após receber os boletins de ocorrência encaminhados pela delegacia seccional, a fundação entra em contato com as famílias. “Atendemos a essa família e damos um suporte psicosocial. Tentamos compreender que tipo de desaparecimento é esse”, explicou ela. “A família chega aqui no atendimento desesperada. Entramos no processo de localização [da criança] e tentamos tranquilizar [os pais eparentes]. A família vem carregada de sentimentos de impotência, de que não cuidou do filho direito ou se perguntando porque o filho fugiu de casa”, disse a psicóloga.

Segundo ela, quando a busca pelo filho se prolonga, o sentimento passa a ser outro. “Quando o desaparecimento fica prolongado, a família começa a ter aquele sentimento de enlutamento, como se tivesse perdido um membro da família. Mas ao mesmo tempo, com a esperança de achar essa criança”, afirmou.

Além dos sentimentos, os parentes de crianças desaparecidas também podem manifestar a dor fisicamente. “O que observamos é que muitos membros da família têm um adoecimento físico em função da somatização. Às vezes são problemas cardíacos, pressão arterial alta, irmãos com febre e até problemas de escolaridade. Às vezes, quando há um casal de irmãos, o outro fica doente em função da saudade ou em função da sensação de abandono temporário em função do esforço dos pais em busca do filho desaparecido”.

Por isso, destaca o presidente da Fundação, além da notificação policial, também é importante desenvolver um trabalho específico com as famílias de desaparecidos para tentar obter informações, como lugares onde a criança costumava ir e se houve algum tipo de divergência dentro da família. De acordo com Alves, na maior parte dos casos investigados pela Fundação Criança, as crianças são localizadas logo após esse atendimento psicológico, social e jurídico. “Esse tipo de trabalho é o mais importante e ajuda a solucionar mais de 80% dos casos”, afirmou.

Edição: Vinicius Doria