Mortes de trabalhadores rurais na Região Norte não ficarão impunes, afirma ministro do Desenvolvimento Agrário

04/06/2011 - 11h34

Ivanir José Bortot e Danilo Macedo
Repórteres da Agência Brasil

Brasília – As execuções de ambientalistas no Norte do país, ocorridas nas últimas semanas, serão investigadas e os autores punidos, afirma o ministro do Desenvolvimento Agrário, Afonso Florence. “Se em casos anteriores pode não ter havido punição, isso não significa que agora nós vamos nos conformar [com a impunidade].” Para evitar a repetição de crimes provocados por disputa de terra, ele anunciou a criação de dois escritórios, nos municípios amazonenses de Humaitá, na divisa com Rondônia, e Boca do Acre, próximo ao Acre, para acelerar o processo de titulação.

Florence disse ainda que os R$ 530 milhões do Orçamento aprovado pelo Congresso Nacional para a desapropriação de terras para a reforma agrária não sofreram cortes e são parte do conjunto de ações que o governo tomará para aliviar a tensão no campo. Os recursos, já disponíveis no caixa do Tesouro Nacional, serão usados na aquisição de terras em diversas regiões do país, em especial no Nordeste.

De acordo com o ministro, o atual processo de compra de grandes áreas agricultáveis no Brasil por empresas estrangeiras está sob análise da Advocacia-Geral da União (AGU), que emitirá um parecer a respeito.

Em entrevista à Agência Brasil, Florence também falou sobre as mudanças no conceito de reforma agrária nos últimos anos e disse que o governo Dilma Rousseff está aperfeiçoando o processo inciado na gestão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A seguir, os principais trechos da entrevista.


Agência Brasil - Como o seu ministério está trabalhando para ajudar a conter os conflitos com mortes que vêm ocorrendo nas últimas semanas na Amazônia?
Afonso Florence – Temos intensificado as ações de regularização fundiária na Amazônia por meio de convênios com os estados, particularmente com Rondônia, Amazonas e Pará. Nos últimos dias, determinamos a criação de dois escritórios na região – um em Humaitá e outro em Boca do Acre – para agilizar o processo de regularização fundiária. São terras da União que precisam ser transferidas aos estados para que eles possam emitir posse aos proprietários. Às vezes, municípios inteiros estão em situação irregular. O problema fundiário nas cidades e no campo requer soluções de regularização de acesso a terra, em particular no Norte do Brasil.

ABr – Mas nem todos os crimes mais recentes ocorreram em áreas irregulares?
Florence – É fato que algumas mortes ocorreram em áreas já regularizadas. Então, não se trata de crimes decorrentes apenas de conflito agrário. Queremos um modelo de desenvolvimento sustentável que mantenha a floresta e também o fortalecimento da presença do Estado. Não é admissível que os conflitos sejam resolvidos com uma pessoa tirando a vida de outra.

ABr – O governo vai conversar com os parentes das vítimas dos crimes ocorridos nas últimas semanas?
Florence – O ministro Gilberto Carvalho, da Secretaria-Geral da Presidência da República, articulou a vinda dos parentes das vítimas a Brasília neste sábado. Vamos aproveitar e fazer um programa de visitas à região [onde ocorreram os assassinatos], de acordo com a conveniência das ações combinadas com os governadores dos estados da região.

ABr – Quais são as outras medidas que o governo está adotando para melhorar a situação dos trabalhadores rurais?
Florence – No programa de combate à erradicação da miséria, anunciado pela presidenta Dilma Rousseff, há ações como os projetos de assentamento florestal e de desenvolvimento sustentável com recursos da chamado Bolsa Verde. No plano safra, avançamos na viabilização do escoamento da produção com crédito e acesso a terra, contribuindo também com a redução dos conflitos no campo.

ABr – O senhor entende, então, que as ações que serão desenvolvidas são capazes de tornar o clima menos tenso na região?
Florence – A regularidade é fundamental para que as ações do Poder Público possam alcançar os produtores, como o crédito. O nosso trabalho também é de fomento à produção. Normalmente , temos uma ação que extrapola essas prerrogativas. As atividades exercidas pelo ouvidor agrário nacional, por exemplo, já têm um papel de mediador de conflitos. A Ouvidoria Agrária Nacional é uma das primeiras a chegar nos lugares de conflitos agrários e já temos inúmeros casos solucionados.

ABr – Os cortes no orçamento do ministério prejudicam as atividades da reforma agrária
Florence – Não diria que atrapalham. É um esforço necessário do governo, para o bem da sociedade, a fim de conter a inflação. Para garantir o superávit. Agora, nós pretendemos aplicar o mais rápido possível os recursos que foram disponibilizados dentro do que foi orçado. Precisamos viabilizar as ações para reduzir a pressão e evitar conflitos.

ABr – O senhor pediu à ouvidoria atenção maior para a região onde líderes de trabalhadores rurais estão sendo executados?
Florence – A ouvidoria esteve na região. Quando soube das mortes, o ouvidor agrário nacional já estava em deslocamento e tomando as providências cabíveis na região.

ABr – Apesar dos últimos assassinatos, o senhor acha que houve uma redução na violência no campo?
Florence – É menor que em outras décadas, mas não é aceitável.

ABr – As assassinatos de líderes de trabalhadores rurais prejudicam a imagem do Brasil no exterior?
Florence – Não diria que atingem a imagem do Brasil. Diria que há conflitos de diferentes motivos em todos os países. Lamentamos as mortes. Não aceitamos. Haverá repressão. Haverá investigação. Haverá punição. Queremos um país com paz no campo não apenas por causa da imagem internacional.

ABr – Alguns setores da sociedade acreditam que os assassinatos de líderes de trabalhadores rurais e ambientalistas possam ter ocorrido em consequência de interesses contrariados de segmentos do agronegócio?
Florence – Não, o agronegócio brasileiro não está com seus interesses contrariados. Estamos batendo todos os recordes de produção em todas as commodities. Estamos batendo todos os recordes de produção de inclusão produtiva na agricultura familiar, que também faz negócios na atividade agrícola. Estamos gerando mais renda e produzindo mais alimentos. Fizemos inclusão produtiva, com estabilidade social e demográfica na área rural. Entretanto, temos um passivo que é quase de natureza civilizatória. Vamos continuar a enfrentar todos os desafios para produzirmos um país generoso para seu povo na cidade e não campo.

ABr – Grandes grupos estrangeiros estão comprando terras no Brasil. Isso o preocupa?
Florence – A AGU [Advocacia-Geral da União] está analisando o assunto. A AGU vai emitir um parecer sobre o assunto. O fundamental é que é adequado ao país fazer a reforma agrária. Teoricamente sempre terá terra suficiente, mesmo que alguém compre glebas grandes. Agora, se eu tenho uma região minifundiária propícia à produção e alguém chega com euro ou dólar e compra as terras de pequenos produtores, em dois ou três anos elas estarão valendo 150% mais. Onde o agricultor vai comprar uma terra equivalente? Não é tão simples. Por isso, a AGU está debruçada sobre o assunto, que tem várias dimensões de relações internacionais.

ABr – E a reforma agrária vai avançar?
Florence – Estamos vivendo um momento em que o desafio é fazer com que a reforma agrária ganhe um significado compatível com a contemporaneidade. Vamos aprofundar a reforma agrária que o país precisa. Que os acampados e os sem-terra necessitam. O que não vamos fazer é proselitismo.

ABr – O Brasil quer chegar a um padrão europeu de produção na pequena propriedade?
Florence – Não queremos imitar país algum. O Brasil tem ativos ambientais, um povo trabalhador e um histórico recente de afirmação da agricultura familiar. O nosso paradigma é nossa história. Somos uma potência agrícola. O governo tem tomado posições firmes de fortalecimento da agricultura familiar e precisamos ter paz no campo. Precisamos ter gente no campo e alimento barato e saudável na mesa do brasileiro.

ABr – Há mudanças na política de reforma agrária entre os governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff?
Florence – Não há mudanças profundas [na política de reforma agrária] entre os governos Lula e Dilma Rousseff. O que estamos fazendo é aperfeiçoar nossos instrumentos, como lançar o programa Brasil sem Miséria. Estamos aperfeiçoando os instrumentos de inclusão produtiva com 4,8 milhões de assentados que saíram da extrema pobreza e foram para a classe C. Hoje, a agricultura familiar deixou de ser uma produção de autoconsumo. Hoje ele produz para vender.

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Edição: João Carlos Rodrigues