Promotores querem mudança na lei para impedir ação de "empresários de crianças"

30/10/2012 - 13h31

Ivan Richard
Repórter da Agência Brasil

Brasília - A denúncia da adoção irregular de cinco crianças de uma mesma família de lavradores, do interior baiano para famílias de São Paulo, revela que a legislação brasileira está desatualizada e precisa ser revista. A opinião foi dada hoje (30), em audiência pública da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Tráfico e Pessoas, da Câmara, pelo promotor de Justiça, titular da Fazenda Pública do município de Euclides da Cunha (BA), Luciano Taques Guignone.

A crítica foi reforçada pelo juiz substituto da Vara Criminal do Fórum da Comarca de Monte Santo (BA), Luiz Roberto Cappio Guedes Pereira. “É óbvio que a sanção penal não pode ser de um a quatro anos para quem faz intermediação de uma criança para outra família, seja por guarda ou tutela. Esse caso mostra como a legislação brasileira está caduca nesse sentido”, criticou o juiz substituto do município onde moravam as crianças.

Para o promotor Luciano Taques Guignone, a legislação é omissa em relação a determinados casos de adoção, principalmente, como no ocorrido no interior da Bahia, onde, segundo ele, não houve, até o momento, a comprovação de pagamento aos pais.

“Como podemos enquadrar pessoas que não pagaram nada para as mães. Há uma lacuna penal. Caímos em um limbo penal, porque [os acusados só poderão ser enquadrados] há necessidade de comprovação do pagamento ou promessa de recompensa [para adoção]. Precisamos de uma revisão desse aspecto, que permita a incriminação sem uma paga direta”, ressaltou Guignone.

“Precisamos, em primeiro lugar, a tipificação dessas condutas. Hoje, a reprimenda penal para quem subtrai uma criança é a mesma de quem furta um celular, com pena de um a quatro anos. Com essa pena ninguém jamais irá para a cadeia”, frisou o promotor.

Para o juiz substituto da Vara Criminal do Fórum da Comarca de Monte Santo, as quadrilhas que praticam o tráfico de pessoas são as mais “perigosas” e mais complexas de ser desarticuladas, porque atuam com “discrição” e “astúcia”. Segundo ele, na maioria dos casos, essas quadrilhas usam o aparato estatal para dar legalidade aos processos.

“Ficou claro que houve o uso do aparato estatal para fins escusos. No nosso direito interno, doméstico, não há a menor adequação sobre o que se vê no direito internacional e o direito doméstico sobre a matéria”, pontuou o Guedes Pereira.

Segundo Guignone, “falhas graves” no sistema de garantias da criança e adolescente permitiram o adoção das cinco crianças em Monte Santo. Ele relatou que as quadrilhas que atuam em rincões pobres do interior do país contratam “olheiros” que aliciam gestantes para convencê-las a doarem seus filhos.

“Verificamos, examinando o processo, algumas falhas formais. Mas o que nos preocupa não é o que está no processo, mas o que está por fora do processo. São pessoas trabalhando para facilitar a colocação de crianças em família, à margem do Estado, ou até mesmo usando o Estado”, disse o promotor.

De acordo com ele, em muitos casos, a quadrilha consegue convencer as famílias pobres a assinarem declaração de doação. “A princípio, quem verificar o processo vai achar que houve o respeito a legislação. Talvez, com algumas falhas, mas um processo legal. Transcorre com pequenas falhas, mas o que nos incomoda é o que está por fora. Verdadeiros empresários de crianças que aliciam famílias”, criticou o promotor.

 

Edição Beto Coura