Niemeyer e Joaquim Cardozo: uma parceria mágica entre arquiteto e engenheiro

06/12/2012 - 5h10

Mariana Branco
Repórter da Agência Brasil

Brasília - Quem olha para os edifícios e monumentos de Brasília lembra-se logo de Oscar Niemeyer, arquiteto que criou os desenhos que deram origem a um dos urbanismos mais arrojados do mundo. Muitos admiradores não pensam, no entanto, que alguns dos prédios mais impressionantes da capital não existiriam sem a dedicação dos engenheiros que compraram os desafios propostos pelo arquiteto.

Um dos mais importantes foi o pernambucano Joaquim Cardozo, morto em 1978, que, além de engenheiro, foi poeta. Seus cálculos ajudaram a erguer nada menos que a Catedral Metropolitana, o Palácio da Alvorada, o Palácio do Planalto e o Congresso Nacional. Para especialistas, a parceria de Cardozo com Niemeyer foi um encontro que não poderia ter dado mais certo.

“Essa colaboração foi uma das convergências mais mágicas entre arquiteto e engenheiro de que se tem notícia”, afirma o arquiteto e urbanista Frederico Flósculo, professor da Universidade de Brasília (UnB). Segundo Flósculo, Niemeyer tinha um domínio “intuitivo” do uso do concreto.

“Ele tinha o conhecimento intuitivo e seus engenheiros traziam aquilo à compreensão científica. Niemeyer jamais fez um desenho tolo. Ele estimulou os engenheiros a bolar cálculos inovadores. Foi uma escola de engenharia que se formou em torno de Oscar Niemeyer”, diz, ressaltando que o arquiteto encontrou em Cardozo e em outros profissionais a ajuda para erguer estruturas complexas.

A primeira obra em que o pernambucano e Niemeyer atuaram juntos foi a Igrejinha da Pampulha, às margens da lagoa que leva o mesmo nome, em Belo Horizonte. “Eles começaram a parceria ali, onde você já vê formas completamente inusitadas”, comenta a arquiteta Fabiana Izaga,vice-presidente de Relações Institucionais do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB).

Fabiana destaca que, quando começou a trabalhar com Niemeyer, Cardozo já participara de projetos não tão convencionais, como a famosa caixa d'água Cobogó, em Olinda (PE), do arquiteto Luiz Nunes.

"Cardozo era mais velho. A diferença entre ele e Niemeyer era de dez anos, quase uma geração", relata. Para a a arquiteta, o trabalho de Joaquim Cardozo até hoje não recebeu o reconhecimento devido em trabalhos acadêmicos e reportagens sobre a obra de Oscar Niemeyer. "Ele é muito pouco falado", comenta.

Essa é também a opinião do arquiteto Carlos Magalhães da Silveira, ex-genro de Oscar Niemeyer, chefe do escritório do arquiteto, e que conheceu Cardozo de perto. "Ele foi poeta a vida inteira, foi um grande colaborador do Oscar e é pouco citado. Suas hipóteses de cálculo permitiram que os prédios de Brasília apenas toquem no terreno. Joaquim Cardozo estava à frente das normas", diz Magalhães.

Segundo ele, uma das soluções para que obras como o Palácio do Planalto e o Palácio da Alvorada somente toquem o chão com bases delicadas foi a distribuição do ferro nessas estruturas. "Ele [Cardozo] usava um percentual de ferro maior, que permitia que a base tocasse o terreno como uma agulha, uma coisa fininha. O difícil era colocar uma quantidade que atingisse esse objetivo e a base não ficasse feia, ficasse delgada", explica.

Para Flósculo, o maior desafio de Cardozo nessas duas obras e na Catedral Metropolitana foi fazer com que grandes cargas passassem por pequenas sessões. "Envolve a resistência do concreto. Se você colocar muita carga, vai explodir. O segredo era usar estruturas ocultas. Por trás do pezinho de bailarina no Palácio da Alvorada tem uma pata de elefante, só que não se vê. Na Catedral, o truque é que a forma circular forma um grande anel de compressão. Além disso, as pessoas só veem sete ou oito pilares e, na verdade, são dezesseis. Como não é possível ver todos de uma vez, ela dá aquela sensação de coisa flutuando no ar", explica.

Flósculo pondera que o trabalho de Oscar Niemeyer e Joaquim Cardozo torna-se ainda mais impressionante pelo fato de, na época da construção de Brasília, a resistência do concreto ser menor do que nos dias de hoje. "Desde que eles fizeram prédios como a Catedral, a resistência já aumentou cinco vezes, 100% a cada década."

Outra coisa que impressiona é que Cardozo e os demais engenheiros e calculistas de Niemeyer não dispunham de computador. Suas contas eram feitas na ponta do lápis. A arquiteta Fabiana Izaga, entretanto, não acredita que esse detalhe seja determinante. "Se dependêssemos do computador para as obras de grande envergadura, não teríamos a Basílica de São Pedro [situada na Praça de São Pedro, no Vaticano]. O templo foi edificado, pela primeira, vez nos anos 300 depois de Cristo [d.C] e reconstruído nos anos 1.500 e 1.600 d.C. O computador facilita, mas o que essa geração de Joaquim Cardozo tinha era uma audácia enorme. Eles encarnaram o espírito de uma época muito peculiar".

O arquiteto Carlos Magalhães lamenta o fim melancólico de Joaquim Cardozo. Em 1971, a obra do Palácio de Exposições do Bairro da Gameleira, em Belo Horizonte, que tinha a sua participação, desabou matando 69 operários e ferindo 50. "Foi um acidente com o prédio dele, mas ele já estava velho e foram seus auxiliares que trabalharam. Ele foi julgado, absolvido e deixou de atuar. Os calculistas que vieram depois não tinham o mesmo talento nem a mesma sensibilidade".

Edição: Tereza Barbosa