Países africanos têm papel decisivo na afirmação do português no mundo, dizem estudiosos

21/12/2012 - 13h16


Gilberto Costa
Correspondente da EBC

Lisboa – Reportagem recentemente publicada pela agência de notícias britânica BBC mostra que a condição de economia emergente do Brasil tem despertado o interesse pelo ensino do português na Inglaterra, nos Estados Unidos, na Suíça e na China. Um dos atrativos do Brasil é a descoberta, na última década, de extensas reservas de gás e petróleo na camada pré-sal do Oceano Atlântico.

Mas o Brasil não é o único país de língua portuguesa com grandes reservas de combustíveis fósseis que podem interessar a todo o planeta. Moçambique e Angola também fizeram descobertas recentes e estão na lista dos dez maiores detentores de hidrocarburetos.

A ascendente importância econômica de Angola e Moçambique reforça o papel decisivo que os países africanos têm para a afirmação internacional do idioma. “O português tem como vantagem a dispersão geográfica”, considera Luís Reto, reitor do Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL) e coordenador do livro Potencial Econômico da Língua Portuguesa.

Ele compara o idioma de Camões (falado em cinco continentes) com o espanhol (concentrado na América). Segundo ele, o português (junto com o inglês e o árabe) é a língua mais importante no continente africano, falado também em Cabo Verde, na Guiné-Bissau e em São Tomé e Príncipe. Além dos países lusófonos, o português é o terceiro idioma oficial na Guiné Equatorial (único país africano onde se fala espanhol).

Esse também é o raciocínio de Leonardo Lott Rodrigues, conselheiro da missão brasileira na Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP). Para ele, é a África que dá distinção ao português em relação ao espanhol, já que o português na África “ombreia” com o inglês e com o francês. “Por isso, o continente é estratégico para a internacionalização”.

Para o diplomata, “o dinamismo futuro” da língua está na África, inclusive em termos de crescimento demográfico. Lott Rodrigues defende que o Brasil, “que desfruta de um capital de simpatia no continente”, faça mais projetos de cooperação para disseminar o português entre os africanos.

“O Brasil, com a cooperação horizontal que faz, pode abordar o tema da língua de uma maneira mais construtiva. O Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP), liderado por um brasileiro, faz bem esse papel”.

O IILP tem sede em Cabo Verde e há dois anos é dirigido por Gilvan Müller de Oliveira, professor de linguística e língua portuguesa na Universidade Federal de Santa Catarina. Ele defende entusiasticamente o acordo ortográfico e a atuação cooperativa multilateral dos países para a promoção do idioma.

Atualmente, o instituto trabalha na construção de uma base eletrônica única que forme um vocabulário comum do português entre os diversos países, que integre e registre o vocabulário de cada um deles, com as respectivas influências locais como, por exemplo, o guarani, no caso brasileiro. A medida está prevista no Plano de Ação de Brasília para a Promoção, a Difusão e a Projeção da Língua Portuguesa, firmado por todos os países lusófonos.

Portugal e Brasil já cumpriram essa parte do plano. No Brasil, a tarefa coube à Academia Brasileira de Letras, que atualizou o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (Volp). Segundo Gilvan Müller de Oliveira, o Brasil tem dado “escasso apoio” às estratégias de cooperação do IILP, apesar de ser o maior país de língua portuguesa e um dos maiores interessados na disseminação do idioma.

Por causa de problemas de orçamento, há dois anos o país não paga a contribuição para o instituto. Com isso, a dívida com o IILP chega a 150 mil euros (o gasto anual do instituto é de 237 mil euros). “Sem a contribuição brasileira, ficamos de mãos amarradas”, reclama o diretor.

Além da falta de recursos para o trabalho a ser feito, o IILP tem como desafio vencer as resistências à efetivação do acordo ortográfico – especialmente no caso de Angola, que ainda não tem previsão de ratificar a reforma e onde há setores da sociedade que resistem à mudança já negociada. Um exemplo dessa resistência foi exposto pelo Jornal de Angola, em editorial publicado em fevereiro deste ano, depois da reunião de ministros da CPLP.

“O importante é que todos respeitem as diferenças e que ninguém ouse impor regras só porque o difícil comércio das palavras assim o exige (…) Desejamos que os outros falantes da língua portuguesa respeitem as nossas especificidades. Escrevemos à nossa maneira, falamos com o nosso sotaque, desintegramos as regras à medida das nossas vivências, introduzimos no discurso as palavras que bebemos no leite das nossas línguas nacionais”.

Gilvan Müller de Oliveira reconhece a resistência, “que não há somente em Angola”, mas que ocorre em todos os países por desconhecimento dos termos do acordo, que, para ele, defende, respeita e agrega especificidades e propõe uma “gestão comum” da língua. De acordo com o IILP, a cooperação é fundamental para quebrar resistências.

Edição: Tereza Barbosa