Austeridade afeta políticas sociais em Portugal e pode agravar riscos de desigualdade

16/05/2013 - 9h37

Gilberto Costa
Correspondente da Agência Brasil

Lisboa – Dois especialistas em desigualdade socioeconômica ouvidos pela Agência Brasil avaliam que a política de reduzir gastos sociais para conter o déficit público pode estar agravando as disparidades sociais em Portugal, um dos países mais desiguais da União Europeia (atrás da Lituânia, Letônia e Espanha) e também um dos mais afetados no continente pela crise econômica mundial, com 952,2 mil pessoas desempregadas até março, abaixo apenas da Grécia e da Espanha.

“É socialmente criminoso e economicamente perverso diminuir as políticas aos mais desfavorecidos precisamente quando elas são mais necessárias”, critica o economista Carlos Farinha Rodrigues, professor do Instituto Superior de Economia e Gestão, um dos autores do livro Desigualdade Econômica em Portugal.

Segundo o economista, a austeridade em Portugal não é efeito de decisão fiscal. “Houve um conjunto de cortes que foi realizado por razões ideológicas e não por razões econômicas”. A mesma opinião tem o sociólogo Renato Miguel do Carmo, do Observatório das Desigualdades e do Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL).

“Essa via econômica deriva de uma concepção ideológica ou política. O jogo está aí. Dizer que é inevitável não me parece que faça sentido porque há outras vias alternativas. O problema não tem a ver com a política social, mas tem a ver com o fato de a Europa estar crescendo pouco”, assinala o sociólogo.

Renato Miguel do Carmo lembra que na década passada, antes da crise econômica internacional, as políticas sociais viabilizaram redução das desigualdades socioeconômicas. “Foi pela via do Estado [de bem-estar] social e não pela via da distribuição, seja política fiscal progressiva [impostos sobre renda ou patrimônio] ou política salarial”.

Os especialistas apontam que a política de austeridade mina mecanismos automáticos de proteção social como o seguro-desemprego – que perdeu valor e tempo de pagamento; o complemento solidário para idosos (409 euros mensais ou R$ 1.104); e o rendimento social de inserção, auxílio que varia conforme o tamanho da família (para indivíduos com renda inferior a 178,15 euros ou R$ 481).

Além dessas medidas, o governo aumentou impostos e a contrapartida dos usuários dos serviços públicos de saúde e também não descarta reduzir as aposentadorias de ex-funcionários públicos e de ex-empregados do setor privado. O objetivo do primeiro-ministro Pedro Passos Coelho é economizar 4,8 bilhões de euros (R$ 13 bilhões) do orçamento, atendendo aos credores internacionais do programa de ajustamento econômico.

Para Carlos Farinha, os ganhos serão “insignificantes” no orçamento e o equilíbrio fiscal poderia ser atingido com o aquecimento da economia. “A austeridade tem caráter recessivo que dificulta que ela possa vir a ter sucesso. Podemos fazer sucessivos cortes do lado da despesa, mas se do lado do PIB [Produto Interno Bruto] e do lado dos impostos estamos recuando constantemente, não resolvemos o problema”, disse ao defender um “programa de recuperação [de prazo] mais dilatado, com menos efeitos recessivos”.

Dados do Eurostat (gabinete de estatística da Comissão Europeia) apontam que a economia portuguesa encolheu 3,9% no primeiro trimestre deste ano, maior queda dos últimos quatro trimestres e quase quatro vezes pior do que o conjunto dos 13 países onde circula o euro (-1%). Ainda não há estatística oficial medindo o efeito da recessão na desigualdade. Ontem (15), a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) divulgou estudo assinalando que há risco crescente nos 34 países filiados (como Portugal) de aumento de desigualdade e de pobreza como consequência da crise.

Edição: Denise Griesinger

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