Ato contra impeachment vira show pela democracia no Rio de Janeiro
Milhares de pessoas lotaram hoje (18) à a Praça 15, no centro do Rio de Janeiro, no início da noite de hoje (18), onde vários artistas se revezaram no palco do evento Canto da Democracia - Ato Festival por mais direitos. A Polícia Militar do Rio de Janeiro não divulgou estimativa de público, mas a praça ficou completamente cheia, com público equiparado a blocos de carnaval que ocorrem no local, como o Boitatá.
Segundo os organizadores, o Centro de Operações da prefeitura estimou em 70 mil o número de pessoas presentes ao ato. A multidão gritava frases como "Não vai ter golpe", "O povo não é bobo, abaixo a Rede Globo", "Lula, ministro da esperança" e "Olê olê olê olá, Lula, Lula".
Entre os artistas, se apresentaram Geraldo Azevedo, Otto e Teresa Cristina, que emocionou o público cantando, com o público, O bêbado e a equilibrista, de João Bosco e Aldir Blanc, e O Canto das três raças, de Clara Nunes. Também discursaram sindicalistas, políticos, lideranças de movimentos sociais, jovens, estudantes e os atores Letícia Sabatela e Osmar Prado.
O clima foi de tranquilidade e festa. Muitas pessoas vestiram vermelho e algumas carregavam bandeiras do Brasil, inclusive uma costurada sobre outra vermelha. Nos adesivos e faixas, dizeres com Abaixo o golpe, impeachment não”, “Fora Cunha, fica Dilma”, “Lula vale a luta” e “Meu voto tem poder”.
Diretora da União Brasileira de Mulheres no Rio de Janeiro, Dilcéia Quintela afirmou que a vida do povo brasileiro melhorou muito nos últimos 12 anos, mas que, desde 2014, a presidenta Dilma Roussef não tem conseguido governar “porque quem perdeu as eleições em 2014 não deixa ela governar".
“Estamos aqui em defesa da democracia e contra o golpe que querem dar no país. O golpe seria o impeachment da presidenta da República sem nenhuma prova contra ela. O que tem de prova contra a Dilma? Até agora não apresentaram nada. Então, porque que abriram ontem a comissão de impeachment. O presidente da Câmara é quem deveria ser impedido.”
O presidente da CUT Rio, Marcelo Rodrigues, explicou que o ato a favor da democracia foi "para dizer que não vai ter golpe”. "Hoje em dia quando se fala em golpe não é mais de baioneta e tanque na rua. É um golpe midiático-judiciário, com grandes veículos comprando delação e comprando vazamento seletivo dado por um juiz que acha que manda mais do que a Justiça. Esse é o golpe em curso. Os últimos acontecimentos só reforçam a impressão de que há um golpe em curso e precisamos resistir. E golpe se resiste com o povo na rua.”
O produtor cultural Pablo Capilé, idealizador do coletivo Fora do Eixo, disse que diversos setores da sociedade se uniram contra o que chamou de "golpe midiático”. “Tem uma oposição bandida que está tentando subverter o estado de direito e impor que uma quadrilha tome de assalto a República. Isso não pode acontecer. Estamos nos somando, CUT, MST, Levante Popular da Juventude, UNE, UJS, Fora do Eixo, artistas, intelectuais, ativistas, sindicalistas, trabalhadores, camponeses, sem-seto. Estamos juntos”.
A atriz Letícia Sabatela, que durante a semana apareceu ao lado de outros artistas em dois vídeos divulgados pelas redes sociais, um em que fala contra a corrupção e favor da democracia e outro em que chama para o ato de hoje, também defendeu o estado democrático de direito.
"É a hora de a gente se unir, mais do que nunca, mesmo com toda as questões contrárias ao governo. A gente tem de exigir uma reforma política e não a manutenção desse estado de corrupção. Temos de lutar por essa democracia adquirida a duras penas, de modo que ela não se esvaia de nossas mãos. Que a gente não perca isso pela imposição, pela força e truculência. Estamos vendo o povo brasileiro sendo tratado como massa de manobra."
O músico Gabriel Muzak disse ter receio de que as “gangues reacionárias” tomem o poder na marra. “Na marra eles não vão tomar. Tem muita gente, como eu, que não está aqui por questões partidárias ou para defender um lado de uma polarização, mas porque acha importante para o fortalecimento da democracia, para que as leis que regem a gente não sejam atropeladas por interesses maiores do que isso que não está sendo mostrado”. Ele fez críticas ao governo, principalmente à pouca atenção dada à sustentabilidade e a relação com o agronegócio.
Integrante do Associação Brasileira de Geólogos de Petróleo, Silvia Anjos afirmou que a disputa política que o Brasil vive atualmente está diretamente relacionada à exploração do pré-sal.
"Toda essa oposição fala em corrupção, mas os interesses reais são econômicos. É o pré-sal, o petróleo. Estamos vivendo uma primavera árabe, sem guerra e sem sangue, mas pela luta da mídia, que está comprada e interessada em entregar nosso patrimônio. A mudança [no marco regulatório do pré-sal] foi proposta pelo senador José Serra (PSDB-SP). A Dilma tem chance de vetar, mas a oposição quer entregar".
Participação de jovens
Durante a manifestação, integrantes do grupo Levante Popular da Juventude cantavam, dançavam e reproduziam o grito mais frequente no ato: “Não vai ter golpe!”. A estudante de direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Vitória Lessa, 18 anos, disse que o movimento nasceu da luta campesina e da necessidade de organizar o jovem da cidade, do campo e da favela e das universidades. O levante é um movimento nacional e foi representado na manifestação por integrantes do Rio de Janeiro. Vitória contou ainda que a manifestação cultural que costumam desenvolver é uma forma de se aproximar dos jovens.
“Como o levante nasceu para organizar a juventude, a gente entendeu que, para fazer política, precisava ser de um jeito diferente, porque a política que todo mundo estava fazendo não estava atraindo os jovens a nenhum lugar. Então, a gente viu que para fazer política e dialogar com a juventude, era preciso ter música, cultura, agitação, por isso, é que isso é a nossa cara.”
O jornalista argentino Andrés Flores, 27 anos, estava fazendo gravações para a Mídia Ninja em espanhol. Ele trabalhava na Rádio Nacional da Argentina, mas saiu da emissora com a mudança de governo argentino. O jornalista chegou ao Brasil há quatro dias e vai passar um mês no Rio. “Agora estou aqui fazendo a cobertura para contar o que acontece na manifestação em favor da democracia. Há muito interesse da Argentina no que acontece aqui, porque Brasil e Argentina são vizinhos e gigantes na região e também porque estamos preocupados com o que acontece aqui institucionalmente”.
Além da frase Não vai ter Golpe!, bastante repetida pelos manifestantes, em vários momentos o coro foi forte pedindo a saída do deputado Eduardo Cunha da presidência da Câmara e criticando a TV Globo.
No palco, o diretor de teatro Aderbal Freire Filho disse que, desde 1964 está junto com o povo em defesa da democracia. “Os companheiros que estavam comigo, muitos já morreram e muitos foram vítimas, sofreram e muitos sofreram com certa passividade. Não podemos ser passivos, porque eles não são. Eles são uns mosquitos que picam e querem paralisar o Brasil. Tudo é feito para isso. Tudo é uma farsa. Nós do teatro sabemos quando é uma farsa e o que está acontecendo é uma farsa”, discursou.
Para o diretor de teatro, integrantes da direita usam a corrupção como bandeira para esconder objetivos políticos. “Todos somos contra a corrupção. Isso é uma farsa, mas temos que estar atentos, porque também sabemos que isso pode virar uma tragédia”, disse. “Os artistas, o teatro, o cinema, o povo, os brasileiros não vão deixar que esta tragédia aconteça.”
Muitas pessoas ocuparam também a escadaria e a frente da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), ao lado da Praça 15. Por volta das 20h a praça começou a se esvaziar.
*Matéria ampliada no dia 19/03/2016 às 12h35