Pezão sanciona lei e museu da escravidão pode ser lançado no Dia da Abolição

Publicado em 27/01/2018 - 16:03 Por Isabela Vieira – Repórter da Agência Brasil - Brasília

Rio de Janeiro - O Cais do Valongo, principal porto de entrada de escravos nas Américas é reconhecido como Patrimônio da Humanidade pela Unesco (Fernando Frazão/Agência Brasil)

O Cais do Valongo, principal porto de entrada de escravos nas Américas Fernando Frazão/Agência Brasil

Após a inclusão do Cais do Valongo na lista de Patrimônio Mundial da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), o Museu da Escravidão Negra no Brasil pode sair do papel. A lei que define diretrizes para construção do espaço foi sancionada na última semana pelo governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão.

Ficou estabelecido que o novo museu será centro de referência para estudos sobre a contribuição da população negra para o desenvolvimento do estado. O objetivo é incentivar e contextualizar estudos sobre o período, além de formar professores.

“Será um local para as pessoas buscarem a verdadeira história da escravidão”, disse o deputado Geraldo Pudim (MDB), que liderou a aprovação da lei. “A África foi a mola propulsora do nosso desenvolvimento e isso é uma coisa escondida.”

Segundo o deputado, a expectativa é que a pedra fundamental do museu seja anunciada em 13 de maio, aos 130 da abolição no Brasil – último país a acabar com a prática na América.

“É preciso difundir o horror desse período, em termos de violência, de tortura, de estupros e da absoluta negação da humanidade a um grupo de pessoas que, logo depois, passou a constituir a maioria da população e, por isso mesmo, houve uma série de políticas para acabar com ela”, disse.

Rio de Janeiro - O Museu da Escravidão e Liberdade recebe no Centro Cultural José Bonifácio, na Gamboa, o primeiro objeto que fará parte do seu acervo: um cadeado de ferro utilizado em senzala localizada numa fazend

O Museu da Escravidão e da Liberdade recebeu o primeiro objeto, um cadeado de ferro usado na senzala de uma fazenda de café, em Vassouras (RJ) Tânia Rêgo/Agência Brasil

O acervo do novo museu deve ser inicialmente composto por peças de religiões de matriz africana. Tais peças, apreendidas de coleções dos anos 20 e tombadas ao Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), estão sob a guarda da Polícia Civil, e inacessíveis ao público

Arquivos históricos e coleções, fotografias, documentos, pinturas e utensílios que possam reconstituir a história e os costumes dos descendentes de africanos também devem ser expostos. É possível que o acervo levantado nos últimos anos pela Comissão Estadual da Verdade da Escravidão Negra, da Ordem dos Advogados do Brasil, seja incorporado, disse Humberto Adami, presidente da comissão.

Museu da Escravidão e da Liberdade

Duas opções de endereço para o Museu da Escravidão Negra no Brasil estão em estudo. Uma delas é que seja montado na antiga sede do Museu da Imagem e do Som, no centro, e a outra é no Centro Cultural José Bonifácio, na zona portuária, próximo ao Valongo, onde estão outros importantes sítios históricos.

Ali, já funciona provisoriamente o Museu da Escravidão e da Liberdade (MEL), gerido pela prefeitura do Rio. Há um ano, o espaço recebeu a primeira peça, um cadeado de ferro utilizado na senzala de uma fazenda no Vale do Café.

A Secretaria Municipal de Cultura informou que não foi consultada pelo governador do estado para abrir o museu. A pasta quer transferir o MEL para o Armazém Central de Docas D. Pedro II, hoje ocupado pela organização não governamental Ação Cidadania, criada pelo sociólogo e ativista dos direitos humanos Herbert José de Sousa, o Betinho. Ali, devem ser expostas cerca de 500 peças retiradas das escavações do cais.

“O que pretendemos, na verdade, é unir os dois projetos”, disse o deputado Pudim, sobre os museus estadual e municipal. Segundo ele, para abrir o novo museu serão necessários cerca de R$ 300 mil após a definição da sede. A lei aprovada pela Alerj, cujo projeto inicial incluía fonte de receitas, como as loterias, não prevê orçamento próprio para a iniciativa.

Acervo

O secretário especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Juvenal Araújo Júnior, disse que apoia a criação do museu nos moldes dos memoriais do holocausto, na Alemanha, e pretende intermediar as negociações entre as secretarias estadual e municipal de Cultura. “Antes de mais nada, é preciso um projeto do museu”, afirmou.

À Agência Brasil, Araújo Júnior disse que a prioridade é recuperar e catalogar as peças sagradas que estão sob a guarda da Polícia Civil. “Precisa ser dado tratamento técnico, por profissionais, fazer limpeza, restauração, catalogar, com especialistas. Vamos dar a elas o tratamento adequado, junto com o Iphan, esse é o primeiro passo.” Segundo o secretário, as peças estão mal-acondicionadas em caixas de papelão.

Para buscar recursos, a Seppir atuará na mobilização de órgão de governo, como o Iphan e o Instituto Brasileiro de Museus (Ibram). Porém, ele destacou que há necessidade de parlamentares apresentarem emendas que permitam a abertura do museu.

Campanha

A campanha Libertem Nosso Sagrado, liderada por ativistas, religiosos, intelectuais e políticos, defende que as peças apreendidas no século passado saiam da guarda da polícia. Mãe Meninazinha de Oxum, do terreiro Ilê Omolu Oxum, estima que o acervo atual tenha cerca de 200 peças, entre imagens, búzios e instrumentos musicais.

A zona portuária, apesar da marcante presença negra na região, refletida em outros sítios históricos como a Cemitério dos Pretos Novos, a Pedra do Sal e a Casa da Tia Ciata não têm espaço dedicado à memória da escravidão, da diáspora e suas influências na sociedade atual, afirmam ativistas negros. Uma das críticas é que a região tem dois museus inaugurados recentemente, o Museu de Arte do Rio (MAR), voltado à valorização histórica do Rio, e o Museu do Amanhã, de ciência naturais.

Matéria modificada às 12h de terça-feira (30) para acréscimo de informações

Edição: Maria Claudia

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