Ex-diretor de Segurança do Carandiru diz que Rota chegou ao presídio atirando

Publicado em 17/02/2014 - 20:02 Por Elaine Patricia Cruz - Repórter da Agência Brasil - São Paulo

A segunda testemunha de acusação a ser interrogada na tarde de hoje (17) no julgamento do Massacre do Carandiru foi Moacir dos Santos, que era diretor da Divisão de Segurança e Disciplina da Casa de Detenção do Carandiru e substituto imediato do então diretor do presídio, José Ismael Pedrosa.

Em seu interrogatório, que durou cerca de uma hora e vinte minutos, Santos disse que o massacre que ocorreu no Pavilhão 9 da extinta Casa de Detenção do Carandiru, em São Paulo, não foi provocado por um confronto entre policiais e detentos, pois os presos não portavam armas de fogo. “Não sei quem atirou, se foi a Rota [Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar], se foi o Gate [Grupo de Ações Táticas Especiais]. Mas quem chegou atirando lá embaixo foi a Rota”, disse.

Naquele 2 de outubro de 1992, dia em que o massacre ocorreu, Santos contou que estava almoçando quando soube que estava ocorrendo uma briga entre duas facções no Pavilhão 9 da Casa de Detenção do Carandiru, local que, na época, segundo ele, tinha entre 1,8 mil e 2 mil presos. “Não era uma rebelião. Aquilo lá era um acerto de contas entre eles [detentos], uma briga de facções do Barba e do Coelho [apelidos de dois detentos rivais]”, disse. A briga, de acordo com ele, envolvia detentos do segundo e do terceiro pavimentos.

Segundo o ex-diretor, quando ele chegou ao Pavilhão 9, assim que soube da briga de facções, viu os detentos com “máscaras improvisadas, estiletes e pedaços de pau”. “Conversamos com eles para evitar a tragédia, mas não tivemos sucesso”, disse, acrescentando que a briga entre os detentos não tinha nada a ver com os funcionários. “Não era contra a administração. Os funcionários saíram tranquilos do local, mas antes trancamos a entrada principal do pavilhão”.

Após isso, Santos disse ter acionado o alarme da Casa de Detenção e avisado ao diretor do presídio na época, José Ismael Pedrosa, de que a situação no Pavilhão 9 tinha fugido do controle. “Quando chega nessa situação, o funcionário não tem mais como colocar ordem. Quando o presídio foge do controle, a função passa a ser da Polícia Militar”, disse.

Assim que a Polícia Militar foi informada sobre a briga de facções, eles se dirigiram ao local e ficaram parados na porta do Pavilhão 9. “O [coronel] Ubiratan Guimarães trouxe o Choque, a Rota, o Canil, o Gate. Eles ficaram ali na porta do pavilhão, parados”, falou. Uma reunião entre juízes, corregedores, diretores, policiais decidiu que a Polícia Militar deveria, em princípio, tentar uma negociação com os presos. “Mas a Rota já entrou invadindo e atirando, contrariando a determinação de que era para conversar com os presos. A entrada foi tumultuada”, disse. Neste momento, falou Santos, um botijão de gás explodiu e acabou atingindo o coronel Ubiratan, que teve que deixar o local, ferido [a versão de Santos contradiz a versão mais conhecida de que o coronel foi atingido por um aparelho de televisão, arremessado pelos detentos].

Enquanto isso, as autoridades civis foram proibidas de entrar no presídio e ficaram do lado de fora. “Só ouvimos os tiros, os gritos e as bombas. Ouvi várias rajadas de metralhadoras”, disse. Ele e os demais civis só puderam entrar no Pavilhão 9 por volta das 19h daquele dia, quando eles encontraram todos os presos sobreviventes pelados, sentados no pátio. Alguns dos presos, segundo ele, foram chamados pelos policiais para ajudar a retirar os corpos. “Mas percebemos que os policiais estavam fuzilando os presos que estavam arrastando os cadáveres e então passamos a anotar os nomes dos presos que estavam subindo [para retirar os cadáveres dos pavimentos] e eles [policiais] pararam com isso. Se não, não teria nenhum preso para contar”, disse.

O diretor do presídio ressaltou não ter visto, naquele dia, os detentos portando quaisquer armas de fogo. “Não vi nenhuma arma de fogo, só facas improvisadas que os detentos faziam na cadeia”, disse.

O interrogatório de Santos terminou com uma pequena discussão entre o advogado de defesa dos policiais, Celso Machado Vendramini, e os promotores Márcio Friggi de Carvalho e Eduardo Olavo Canto Neto, que demandou uma intervenção do juiz Rodrigo Tellini Aguirre Camargo, exigindo respeito e educação das partes. 

Nesta etapa do julgamento, 15 policiais, integrantes do COE (Comando de Operações Especiais), serão julgados pela morte de oito presos que ocupavam o quarto pavimento (ou terceiro andar) da antiga Casa de Detenção do Carandiru. Todos os 15 policiais estão hoje acompanhando o julgamento.

A primeira testemunha a ser ouvida hoje foi o perito criminal Osvaldo Negrini, que também falou que não houve confronto entre policiais e detentos, pois as marcas de bala que ele encontrou no presídio foram disparadas praticamente em uma única direção: de fora para dentro das celas.

Após isso, o juiz decidiu encerrar os trabalhos por hoje e deixar para amanhã cedo, a partir das 10h30, a continuação do julgamento. O ex-detento Marco Antonio de Moura, que sobreviveu ao massacre, também seria ouvido hoje como testemunha de acusação, mas foi dispensado pelos promotores e não será mais ouvido.

O maior massacre do sistema penitenciário brasileiro aconteceu no dia 2 de outubro de 1992, quando 111 detentos foram mortos durante a invasão policial para reprimir uma rebelião no Pavilhão 9 do Presídio do Carandiru.

Edição: Fábio Massalli

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