Mulheres já representam metade dos refugiados no Rio de Janeiro

Publicado em 19/04/2016 - 22:24 Por Flávia Villela - Repórter da Agência Brasil* - Rio de Janeiro

O agravamento dos conflitos em países da África e da violência sexual como arma de guerra mudou o perfil dos refugiados no Rio de Janeiro. Antes composto majoritariamente por homens, o contingente de pessoas que buscam refúgio no estado tem hoje metade de mulheres entre os solicitantes. A informação consta do relatório divulgado nesta terça-feira (19) pela Cáritas Arquidiocesana do Rio de Janeiro com o perfil dos refugiados atendidos pela instituição no estado. A Cáritas faz esse tipo de trabalho desde a década de 1970.

 Rio de Janeiro - Arquediocese do Rio apresenta perfil dos refugiados no estado em evento que marcou a celebração dos 40 anos da Cáritas Arquidiocesana (Tomaz Silva/Agência Brasil)

Arquidiocese do Rio apresenta perfil dos refugiados no estado em evento que marcou a celebração dos 40 anos da Cáritas Arquidiocesana Tomaz Silva/Agência Brasil

Em 2014, as mulheres representavam cerca de 30% dos que pediam refúgio, percentual que aumentou para 40,4% em 2015 e para 50% neste ano. Até o ano passado, a Cáritas havia registrado cerca de 4,1 mil refugiados e 2,4 mil solicitantes no estado, em um total de 5.435 pessoas.

O maior grupo é de angolanos (56,2%), mas os congoleses são os que mais solicitam refúgio. Eles representam 19,7% dos refugiados. No primeiro trimestre deste ano, 55% dos que chegaram ao estado eram congoleses – a República Democrática do Congo é um país devastado por conflitos guerra, e o estupro de mulheres é vastamente usado como arma de guerra.

Segundo a coordenadora do Programa de Atendimento a Refugiados da Cáritas, Aline Thuller, a entidade desenvolve atividades e ações específicas para as mulheres e crianças vítimas da violência. “Temos psicólogos, terapeutas e atidades artísticas. E fazemos parcerias com outras instituições com experiência no trabalho com mulheres para desenvolver atividades em que elas possam extravasar os traumas e as situações que viveram, empoderar-se e buscar sua emancipação.”

Adaptação difícil

A congolesa Mireille Muluila fugiu da vila onde morava com a irmã e chegou ao Brasil em 2014. Mireille conta que a adaptação ao novo país foi difícil, porque elas não falavam nada de português. "No Congo, falamos francês e outros idiomas. Eu queria comprar uma coisa, mas não sabia como se chamava. Foi muito difícil. Graças à Cáritas, aprendi o português”, disse a refugiada, ainda insegura com o idioma.

 Rio de Janeiro - A congolesa refugiada Mireille Mulula, fala durante evento que marcou a celebração dos 40 anos da Cáritas Arquidiocesana (Tomaz Silva/Agência Brasil)

A congolesa refugiada Mireille Mulula contou as dificulfdades de adaptação no Brasil por não falar portuguêsTomaz Silva/Agência Brasil

Segundo Aline Thuller, a discriminação também foi um problema. “A maioria dos brasileiros acolhe, mas há algumas pessoas que não são tão boas e discriminam. Um dia, estava no trem e comecei a falar no meu idioma Lingala, e uma pessoa do meu lado olhou de cara feia, se levantou e se afastou de mim.”

Hoje. Mireille trabalha na Cáritas como intérprete ajudando outras mulheres que chegam ao Brasil.  “Essas mulheres são vulneráveis, então, ajudo com a tradução, mas também sou como elas e sei os problemas que elas estão vivendo”, disse Mireille, que no Congo trabalhava em um projeto de assistência a idosos e pessoas em situação de vulnerabilidade social.

Ela confirmou que casos de racismo são relatados por grande parte dos refugiados negros. “Muitos vão descobrir o preconceito pela cor da pele aqui no Brasil. Eles [refugiados] viveram outras formas de racismo e preconceito no país de origem. É um momento muito complicado, e tentamos trabalhar isso de várias formas. No curso de português, nos nossos grupos de orientação, na prática do futebol, colocamos essa temática entre outras questões que eles enfrentam aqui.”

Baixo número de acolhimentos

O Brasil tem atualmente cerca de 8,6 mil refugiados, infomou o representante do Ministério da Justiça, João Guilherme Granja. De acordo com Granja, o número de refugiados acolhidos no país tem aumentado ano a ano, mas ainda é muito pequeno em comparação com o de outros países. “Um grande fluxo de refugiados é da ordem de milhões. O crescimento é chamativo ao longo de cinco anos, em termos percentuais, mas, em termos absolutos, é um número baixo.”

Rio de Janeiro, São Paulo e os estados da Região Sul do país são as principais portas de entrada dessa população, diz o registro. Entretanto, Granja informou que muitos refugiados têm se deslocado para as cidades médias e para polos econômicos regionais.

Segundo a legislação brasileira, refugiado é aquele que foge de seu país de origem por temor de perseguição – fundado em motivo de raça, religião, nacionalidade, grupo social e opinião política – ou nos casos em que seja comprovada condição de grave e generalizada violação dos direitos humanos. Tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei 2.516/2015, que institui a nova Lei de Migração. A proposta pretende simplificar a vida social do imigrante no país, no processo de documentação e dar ao estado brasileiro mecanismos para criar políticas públicas de atendimento adequado a esse público.

A Convenção das Nações Unidas sobre o Estatuto do Refugiado, ratificada por 147 países, entre os quais o Brasil, cria obrigações para que os governos permitam a essas pessoas trabalho legal e seguro. Além disso, os refugiados têm o direito de acesso a toda a rede brasileira de serviços públicos.

*Colaborou Tâmara Freire, do Radiojornalismo


Fonte: Mulheres já representam metade dos refugiados no Rio de Janeiro

Edição: Nádia Franco

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