STF começa a julgar descriminalização do porte de drogas

A questão será julgada por meio do recurso de preso, condenado a dois

Publicado em 19/08/2015 - 06:11 Por André Richter e Akemi Nitahara - Repórteres da Agência Brasil - Rio de Janeiro e Brasília

Rio de Janeiro Usuários de crack concentram-se nas imediações das obras da Trasncarioca, na Avenida Brasil, próximo ao Complexo da Maré, zona norte da cidade (Tânia Rêgo/Agência Brasil)

Defensoria Pública de São Paulo alega que o porte de drogas, tipificado no Artigo 28 da Lei de Drogas, não pode ser configurado crime, por não gerar conduta lesiva a terceiros Tânia Rêgo/Agência Brasil

O Supremo Tribunal Federal (STF) começa a julgar hoje (19) a descriminalização do porte de drogas para uso próprio. O julgamento estava previsto para ser iniciado na semana passada, mas não entrou em pauta. A questão será julgada por meio do recurso de preso, condenado a dois meses de prestação de serviços à comunidade por porte de maconha. A droga foi encontrada na cela do detento. O recurso é relatado pelo ministro Gilmar Mendes.

O julgamento está previsto para começar às 14h e começará com a leitura do relatório do processo. Em seguida, entidades favoráveis e contrárias à descriminalização devem se manifestar, como o Movimento Viva Rio, o Instituto Sou da Paz e a Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol). Após as sustentações orais, Mendes proferirá seu voto, e os demais ministros começam a votar. O julgamento poderá ser adiado se um dos ministros pedir mais tempo para analisar o processo.

No recurso, a Defensoria Pública de São Paulo alega que o porte de drogas, tipificado no Artigo 28 da Lei de Drogas (Lei 11.343/2006), não pode ser configurado crime, por não gerar conduta lesiva a terceiros. Além disso, os defensores alegam que a tipificação ofende os princípios constitucionais da intimidade e da liberdade individual.

O tema é polêmico. Ontem (18), entidades do setor médico divulgaram notas favoráveis e contrárias à descriminalização. O manifesto Implicações da Descriminalização do Uso de Drogas para a Saúde Pública, assinado por mais de 200 profissionais e pesquisadores da área de saúde, cita casos de diversos países e analisa o uso das drogas sob o ponto de vista da medicina, da saúde coletiva e das ciências sociais aplicadas à saúde.

Um dos defensores da descriminalização é o presidente da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Paulo Gadelha. De acordo com ele, tratar o usuário de drogas ilícitas como criminoso faz com que o problema não seja enfrentado corretamente.

“Como as drogas ilícitas estão em um circuito relacionado ao protecionismo, à exclusão e repressão, elas geraram uma questão de comercialização que está associado à violência do tráfico, discriminação à população mais vulnerável, quase um genocídio que acontece em territórios ocupados pelo tráfico. Todos esses componentes implicam problemas de saúde pública que devem ser tomados como centrais”, afirmou.

Para Gadelha, o usuário de drogas é vitimizado duas vezes, já que pode sofrer de um problema de saúde, que é a dependência química, e é considerado criminoso por isso. “Alguém que está sofrendo pelo uso de uma droga precisa ser acolhido, precisa ser tratado, precisa ter uma sociedade que não o jogue na vala comum da criminalidade. Você acha que alguém que é tachado de criminoso vai procurar o serviço de saúde? Nunca”.

A nota assinada pelos presidentes da Associação Brasileira de Psiquiatria, da Federação Nacional dos Médicos, Associação Médica Brasileira e do Conselho Federal de Medicina afirma que a descriminalização vai gerar aumento do consumo, levando à multiplicação de usuários, à dependência química, ao aumento de acidentes de trânsito, de homicídios e suicídios, além de fortalecer o tráfico, aumentando a violência.

O presidente da ABP, Antônio Geraldo da Silva, ressalta que as entidades representam mais de 400 mil médicos do país. De acordo com ele, a categoria é contra a facilitação de acesso a qualquer tipo de droga, seja ela legal ou ilegal. "Somos contra toda e qualquer facilitação de uso de álcool, cigarro e qualquer droga. O motivo é simples: essas substâncias provocam doenças e, como médicos, nós temos que defender uma saúde pública adequada para toda a população. Liberar essas substâncias é facilitar o aparecimento de doenças em geral, inclusive as da mente.”

Ele alerta que o julgamento não trata apenas de drogas consideradas menos nocivas, como a maconha. “As pessoas não estão percebendo que o que está sendo votado é a liberação de toda e qualquer droga, não é maconha pura e simplesmente. Se tiver um voto favorável, isso é a liberação do porte de crack, de heroína, cocaína, LSD. E se facilitar que as pessoas tenham acesso, nós vamos ter um aumento muito grande de usuários e vai ser um caos na saúde pública.”

Segundo o presidente da Fiocruz, Paulo Gadelha, em países como Portugal, onde houve um processo de definição de quantidade para porte e a despenalização do uso de drogas, não houve aumento de consumo. Mas, de acordo com Silva, os estudos em Portugal mostram que o número de usuários no país passou de 8% para 16%.

Edição: Lana Cristina e Graça Adjuto

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