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Zika: pesquisadores brasileiros não veem motivos para mudar data da Olimpíada

Cristina Indio do Brasil - Repórter da Agência Brasil
Publicado em 05/06/2016 - 09:08
Rio de Janeiro
Jogos Olímpicos e Paralímpicos Rio 2016 (Tânia Rêgo/Agência Brasil)
© Tânia Rêgo

Pesquisadores brasileiros que participam do Programa de Computação Científica da Fundação Oswaldo Cruz (PROCC/Fiocruz) e da Escola de Matemática Aplicada da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro (FGV) prepararam um artigo com uma série de evidências científicas indicando que não há motivo para alterar as datas dos Jogos Olímpicos [5 a 21 de agosto] e Paralímpicos [7 a 18 de setembro] do Rio de Janeiro. A mudança das datas foi proposta por cientistas internacionais em carta aberta à Organização Mundial da Saúde (OMS), preocupados com a chegada de turistas à cidade e que poderiam levar o vírus Zika para os seus países de origem.

O artigo publicado na revista científica Memórias, do Instituto Oswaldo Cruz, contesta o argumento porque a atividade do Aedes aegypti é muito baixa no Rio de Janeiro nos meses de agosto e setembro. A coordenadora do programa da Fiocruz, Claudia Codeço, informou em entrevista à Agência Brasil que o estudo levou em consideração dois fatores: a biologia do mosquito Aedes aegypti com a sua ação em temperaturas mínimas na cidade entre 22 graus Celsius (ºC) e 24ºC e os dados de casos de dengue registrados desde 2010.

A pesquisadora disse que o conhecimento acumulado sobre a biologia do mosquito, que além da doença transmite a Zika, indica, que em climas mais frios, o vírus demora cerca de 15 dias para sair do estômago do mosquito, chegar à glândula salivar e infectar uma pessoa. “Com as temperaturas de agosto e setembro poucos mosquitos conseguem completar o ciclo e transmitir a dengue e provavelmente a Zika também. Demoraria uns 15 dias de picar uma pessoa e transmitir para uma outra. Em 15 dias a chance dele morrer antes é muito grande, porque o mosquito tem uma vida curta”, explicou.

Sobre os casos de dengue, o artigo aponta que nesse período, a incidência da doença varia entre um e sete registros para cada 100 mil habitantes. “A nossa avaliação de quem tem acompanhado a dengue há muito tempo e a zika desde que começou é que de pelo menos para este período de agosto e setembro, realmente, a exposição a mosquitos contaminados com certeza vai ser bastante baixa”, completou.

Com base nas estatísticas, os pesquisadores estimam que, entre os 350 mil e 500 mil turistas esperados nas Olimpíadas, devem ocorrer quatro casos de dengue com sintomas, com a margem de erro variando entre um e 36. “É uma estimativa utilizando como referência a incidência de dengue nos últimos anos. A gente calcula quantos casos de dengue ocorrem por 100 mil pessoas com base no que acontece normalmente no Rio de Janeiro, nessa época, e usou este cálculo para poder extrapolar para que se essas 350 mil ou 500 mil pessoas chegarem quantos casos poderiam ocorrer nesta população”, disse.

Os pesquisadores brasileiros contestaram ainda o uso do aumento nos registros de dengue em 2015, destacado na carta aberta dos cientistas. “Historicamente nos últimos 20 anos, 2014 foi o que menos teve chuva e a chuva de verão produz os criadouros e os mosquitos, então, esse ano o número de casos foi muito baixo. Se a gente usa 2014 como referência qualquer coisa fica alta. Se em uma situação extrema, acontece um caso e passa para 2, já tem um aumento de 100%. A base de comparação é anormalmente baixa. Por isso que a gente recalculou usando os valores de 2011 a 2013, que estão mais característicos de anos normais de dengue na cidade. A base estava errada. Eles estavam usando como referência um ano que foi atípico”, disse a coordenadora.

Claudia Codeço apontou que a sugestão dos signatários da carta, de mudar a data ou transferir os Jogos para outro país também não é uma boa medida para fugir da contaminação. “A gente não consegue ver isso como uma situação de risco suficiente para impedir as Olimpíadas, até porque, não teria uma alternativa. Se adiar para o verão vai ficar pior, porque o risco vai aumentar. Se transferir para um lugar que também seja tropical, a Zika vai estar neste local. Se não está agora, vai estar depois. Essa noção de que a Zika está só no Rio de Janeiro é irreal. Ela está em mais de 60 países e na época de inverno aqui e verão no hemisfério norte, provavelmente a transmissão vai estar muito mais alta nestes países do hemisfério norte do que aqui no Rio de Janeiro”, disse.

A coordenadora lembrou que o artigo, conforme preconizado pela OMS, alerta que as gestantes devem evitar viajar para as regiões afetadas pelo vírus Zika e às outras pessoas recomenda a aplicação de repelentes para prevenir as picadas do mosquito, além do uso de preservativos para evitar a possibilidade de transmissão sexual do vírus Zika.

O artigo foi publicado com o protocolo de fast track, que a Memórias adotou para temas relacionados ao vírus Zika, com processo acelerado de submissão e disponibilização pública. A revista é uma das mais antigas e importante publicação científica da América Latina, com posição de destaque nas áreas de medicina tropical, biologia parasitária e microbiologia.

O artigo foi assinado pelos pesquisadores Claudia Codeço, Daniel Villela, Marcelo F. Gomes, Leonardo Bastos, Oswaldo Cruz, Claudio Struchiner, Luis Max Carvalho, do Programa de Computação Científica da Fundação Oswaldo Cruz; e Flavio Coelho, da Escola de Matemática Aplicada da Fundação Getúlio Vargas.