Moradores reivindicam indenização para deixar áreas de risco em Pernambuco

Os que vivem há mais tempo nessas regiões sofreram com as cheias

Publicado em 29/06/2017 - 06:26 Por Sumaia Villela – Repórter da Agência Brasil - Recife

Destruição às margens do Rio Una

Destruição às margens do Rio Una, no município de PalmaresSumaia Villela/Agência Brasil

Nas Pedreiras, como é conhecido o bairro São Sebastião, no município de Palmares, o Rio Una já é de casa. É o primeiro bairro que alaga quando o nível do curso d'água aumenta. Os moradores antigos convivem com as inundações durante toda a vida. Os mais velhos sofreram com as cheias históricas de 1975, de 2010, 2011 e novamente neste ano. E, mesmo assim, recursaram o recebimento de casas planejadas em 2010 para retirar os ribeirinhos das áreas de risco.

Maria Cícera da Silva, de 51 anos, foi retirada de casa em 2010 desacordada, com a ajuda de um helicóptero. Acordou horas depois no hospital, pois havia passado mal quando se viu presa no primeiro andar da residência. Ela e seu filho Elivelton Emanuel da Silva, de 24 anos, foram dados como mortos e até seus nomes foram divulgados na rádio local como vítimas da cheia. Mesmo assim, ambos tomaram a decisão de recursar uma casa construída para as vítimas da enchente.

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Maria Cícera e o filho Elivelton contam a dificuldade de lidar com as cheiasSumaia Villela/Agência Brasil

Maria Cícera mora em Pedreiras desde seu primeiro ano de vida e se recorda da primeira cheia de grande proporção, a de 1975. Sua casa tem primeiro andar para subir os móveis quando a água bater à porta. E é o tamanho da residência um dos motivos que a levam a não querer abrir mão da propriedade para receber um modelo padrão do Minha Casa Minha Vida, de 40 metros quadrados e dois quartos. “A casa que foi dada é muito pequena, tem que reformar para se adaptar, ou vai vender os móveis que tem, porque não cabe na casa. E eles só queriam trocar, não queriam indenizar. Se indenizasse talvez a gente conseguisse comprar uma maior aqui embaixo.”

Outra questão é a distância do resto da cidade. As moradias das vítimas da cheia de 2010 ficam do outro lado da rodovia BR-101, em pontos mais altos. “O bairro novo é muito distante da cidade, eu teria que ter despesa de passagens ou descer a pé. Eu gosto de morar aqui embaixo, gosto da rua. Mesmo as pessoas falando que não é bom, mas eu gosto.”

Estudante de Psicologia, Elivelton testemunhou o resgate de 2010. Ele diz concordar com a mãe. “Uma indenização que fosse conivente com o valor real da casa, eu acho que a gente sairia daqui. Em 2010 eles disseram que a margem de distância para a construção de casas seria de 50 metros”.

Há cerca de 10 anos, Gizele dos Santos, de 34 anos, e o marido compraram uma casa na região, já sabendo do risco de alagamento. Pagaram R$ 9,5 mil, mais barato que em outros bairros seguros. Em 2010, o imóvel foi engolido pelo rio; o nível da água passou do telhado. Eles perderam tudo. Agora, a inundação foi de dois metros, e o casal conseguiu tirar muitos pertences. A moradora também demanda uma indenização para sair do local.

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Manoel Saturnino é um dos moradores antigos que ainda resistem em deixar PedreirasSumaia Villela/Agência Brasil

No ponto mais baixo da rua, onde antes existiam muitos barracos de pessoas que já haviam sido transferidas para os residenciais novos, antigos moradores ainda persistem em ocupar o local. Com o sofá ainda em cima do muro para secá-lo, o aposentado Manoel Saturnino da Silva, de 66 anos, mostra sua casa que resistiu de pé às cheias de 1975 até hoje. O muro é escurecido pelo mofo, resultado da umidade constante. Mas seu Manoel não quer sair do local. Para ele, a solução seria mesmo a construção das barragens. “Disseram que a de Serro Azul sustentava a água e não dava mais cheia aqui”, disse. “Preferia ficar aqui, porque eu sou doente e lá é longe, não tem nada. Aqui pelo menos tem o comércio.”

Apenas uma das cinco barragens previstas foram construídas. “Acho que se os governantes tivessem construído as cinco barragens que era para construir depois da enchente de 2010, nós não teríamos essa enchente, porque a barragem de Serro Azul conteve muita água. Eles só pensam na população quando acontece essas coisas. Aí a gente sofre”, critica Maria Cícera. O estado diz que faltou recurso federal para fazer as obras; o Ministério da Integração Nacional afirma que também ocorreram falhas em dois dos quatro projetos, além de outros problemas. 

Impasse do Poder Público

O secretário de Planejamento e Gestão de Pernambuco, Márcio Steffani, disse que o Estado não pode invadir as casas e retirar os moradores à força. “Nós vivemos num Estado Democrático de Direito, então se necessário for, que o Ministério Público ingresse com ação para que as pessoas seja retiradas.”

O procurador-geral de Justiça de Pernambuco, Francisco Dirceu Barros, informou que a opção do Ministério Público de Pernambuco (MPPE) é pela mediação do conflito. “Estamos orientando aos promotores para conversar com o cidadão, mostrar que [a casa] pode cair, a Defesa Civil já está alertando que a chuva pode continuar e haver uma tragédia maior. Então vamos dialogar muito com o cidadão para conversar e pedir que saia desses locais, e vamos cobrar do Estado o encaminhamento imediato para um abrigo”. Segundo ele, retirar as pessoas à força é a “última medida”.

O secretário Márcio Steffani também disse que é preciso cobrar o papel dos municípios. “A eles cabe, constitucionalmente, fazer o ordenamento urbano das cidades, tirar as pessoas, não licenciar, solicitar na Justiça a retirada das pessoas de áreas de risco”, defendeu.

Por parte do município de Palmares, o problema é reconhecido como de difícil solução, porque a prefeitura não diz não dispor dos recursos necessários para oferecer as indenizações em dinheiro. “A pessoa tem uma casa de 100 metros quadrados, aí vai receber uma de 40 metros quadrados. O que a gente pensa em fazer, está conversando, é avaliar [o valor das] casas e ver qual a solução que a gente daria. Por enquanto, a gente não tem uma posição”, informou o secretário de Habitação de Palmares, o arquiteto Alberto Porto.

O secretário concorda que a distância dos residenciais é mesmo um entrave. Para a construção de novos habitacionais – inclusive para as novas vítimas das enchentes – o secretário informou que uma nova área foi desapropriada pela prefeitura e pelo Estado. Desta vez, em uma área contínua ao aglomerado urbano, embora distante do centro da cidade. A região conhecida como Engenho Gomes, próximo aos bairros de Novo Horizonte e Nova Palmares, tem 70 hectares, suficiente para projetos de longo prazo. O déficit habitacional em Palmares, segundo Alberto Porto, é de mais de 3 mil habitações, incluindo questões como extrema pobreza, por ecemplo.

Veja mais detalhes do assunto no especial da Agência Brasil Vidas Inundadas.

Edição: Talita Cavalcante

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