Audiência pública sobre o Cais do Valongo no Rio não encerra impasse

O local é disputado por ONG e órgãos públicos

Publicado em 08/08/2018 - 23:30 Por Léo Rodrigues - Repórter da Agência Brasil - Rio de Janeiro

Uma audiência pública realizada hoje (8) pelo Ministério Público Federal (MPF) revelou a persistência do impasse envolvendo o destino do Armazém Docas Dom Pedro II. O imóvel é parte integrante do complexo do sítio arqueológico do Cais do Valongo, no Rio de Janeiro, declarado Patrimônio da Humanidade em 2017 pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Representantes dos governos federal e municipal, de entidades públicas e privadas e de movimentos da sociedade civil debateram durante toda a tarde expondo as suas divergências em relação ao uso do espaço.

O impasse ocorre porque, desde 2000, o imóvel é ocupado pela organização não governamental (ONG) Ação da Cidadania, fundada pelo sociólogo e ativista Herbert de Souza, o Betinho. A entidade surgiu com foco no combate à fome, mas cresceu com comitês em todo o país e hoje tem uma diversidade de projetos sociais e culturais. Em negociações que se desenrolam desde o ano passado, algumas propostas de um compartilhamento do espaço estiveram em discussão, mas acordo nenhum foi concretizado.

Para a obtenção do título de Patrimônio da Humanidade, o Brasil apresentou a Unesco um dossiê de candidatura onde assumiu, entre diversos compromissos, a instalação de um "memorial da cultura de matriz africana" no Armazém Docas Dom Pedro II. Os compromissos assumidos devem ser cumpridos até o fim de 2019. Do contrário, o complexo do Cais do Valongo pode perder o título de Patrimônio da Humanidade.

Ministério da Cultura

Na audiência pública, o ministro da Cultura, Sérgio Sá Leitão confirmou que já estão assegurados R$ 2 milhões para um centro de referência e interpretação do Cais do Valongo e disse que o uso comum com a ONG Ação da Cidadania é compatível. “Não há necessidade de a ONG sair nesse primeiro momento. É perfeitamente possível que se divida o espaço. Mais adiante, para que este centro se transforme efetivamente em um museu, a saída será necessária. Mas deixemos para tratar disso no momento adequado. Se saírem de lá hoje, o imóvel ficará desocupado e ninguém ganha com isso”.

A secretária municipal de Cultura Nilcemar Nogueira, de outro lado, informa que existem processos licitatórios em andamento e que já tem previsão de R$ 80 milhões para investimentos. O desejo da prefeitura é levar para o local o Museu da Escravidão e da Liberdade (MEL), que já está funcionando em outro edifício no centro do Rio. No entanto, alega que a transferência do imóvel da Secretaria do Patrimônio da União (SPU) para o Ministério da Cultura dificultou o desenvolvimento do projeto. "É uma proposta de museu de território. Então, todas as iniciativas no entorno serão apoiadas", explica a secretária.

Divergência

Na audiência pública, estavam presentes dezenas de integrantes da Ação da Cidadania e representantes de variadas entidades do movimento negro. Nos pronunciamentos, mostraram também as divergências entre os atores da sociedade civil. A posição do antropólogo Milton Guran, que coordenou a candidatura do Cais do Valongo, foi encampada por diversos ativistas negros. Ele defende que a presença da ONG no imóvel contraria o estabelecido no dossiê de candidatura. Para ele, o espaço deve abrigar exclusivamente um amplo museu. “Este espaço é essencial. Estamos falando do mais importante lugar de memória da diáspora africana no Ocidente. O Brasil tem o maior número de descendentes africanos fora da África”.

Por outro lado, o movimento negro também não se unifica em torno da proposta do MEL, elaborada pela prefeitura. Uma parte defende a ideia de um Memorial da Diáspora, que conte a história do tráfico de escravos, dê visibilidade aos seus desdobramentos e estabeleça diálogo com outros países envolvidos na diáspora africana.

A Ação da Cidadania diz não se opor a deixar o espaço, desde que seja oferecida uma alternativa razoável e um prazo que lhe permita planejar a mudança. A ONG afirma que não vê contradição com o movimento negro e lembra que o trabalho iniciado por Betinho em 1993 possibilitou a superação da fome por milhões de brasileiros, na sua maioria descendentes de africanos escravizados. “Entendemos a importância do espaço para a população negra e constantemente realizamos ações para lembrar o simbolismo do armazém, como a exposição e o musical de André Rebouças [engenheiro negro que construiu o Armazém Docas Dom Pedro II usando somente mão de obra de negros livres]”, diz Rodrigo.

Edição: Davi Oliveira

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