Pesquisadores encontram vestígios de pterossauros no interior de SP
“As primeiras pegadas de um pterossauro registradas no Brasil”. Esse é o tema de um artigo científico publicado na revista Anais da Academia Brasileira de Ciências, a mais antiga em circulação contínua do país.

O estudo foi feito pelos pesquisadores do Departamento de Ecologia e Biologia Evolutiva da Universidade Federal de São Carlos, Marcelo Adorna Fernandes e Mauro Lacerda, em colaboração com o palentólogo do Instituto Cavanis, da Itália, Giuseppe Leonardi.
A pesquisa detalha vestígios encontrados em uma pedreira de arenito em Araraquara, interior de São Paulo, há cerca de 20 anos, quando o professor Marcelo Fernandes ainda completava seu doutorado. Ele estudava a região conhecida como paleodeserto de Botucatu, que há cerca de 135 milhões de anos correspondia a um imenso deserto de dunas e interdunas úmidas, estendendo-se do sul de Minas Gerais ao Uruguai.
Por lá, ele e a pesquisadora Luciana Bueno dos Reis Fernandes encontraram as lajes de pedra contendo os vestígios. Após análises detalhadas do material, constatou-se que a marca pertencia ao icnogênero Pteraichnus, atribuído aos pterossauros, uma espécie de réptil voador da Era Mesozóica, que sobrevoava o mundo entre 250 e 65 milhões de anos atrás. O professor Marcelo Fernandes explica como foi o processo de identificação.
"Ele foi identificado comparando pegadas fósseis que ocorrem neste ambiente. Então pegadas de dinossauros, pegadas de mamíferos, até mesmo de lagartos que nós encontramos, essas areias que endureceram, que viraram arenito. Este ambiente possibilitou uma preservação de várias pegadas, algumas delas ainda sob estudos, porque ainda não foram identificados os produtores desse material. Até que essa pesquisa, que resultou no artigo, possibilitou a identificação então de pegadas que são muito diferentes das pegadas de dinossauros."
A morfologia das pegadas revelou impressões de três dedos. Nas patas dianteiras, os bichos caminhavam apoiados apenas nos dedos - comportamento chamado digitígrado, típico de animais como cães e gatos. Nas patas traseiras, o apoio era feito com toda a sola do pé, característica conhecida como plantígrado, semelhante a como os seres humanos caminham.
O professor Marcelo Fernandes explica que a presença desse animal em uma região desértica revela muita coisa sobre a sua fauna e flora.
"Pelo que tudo indica, esses pterossauros seriam animais frugívaros, comeriam vegetais e sementes de plantas deste ambiente onde encontraríamos uma certa umidade, porque tem vestígios de pingos de chuva, apesar de ser uma área árida, mais próximo da borda de um deserto, onde os animais poderiam migrar, talvez, cruzar áreas menos áridas em busca de alimento e talvez passear pelo deserto para reproduzir."
Até então no Brasil, só haviam sido encontrados restos destes animais, como dentes e partes do corpo. Por isso, o professor Marcelo Fernandes afirma que a descoberta se configura como uma inovação e eleva o patamar nacional.
"As idades são inferiores à idade de ocorrência dessas pegadas fósseis. Então é o registro mais antigo para o Brasil da existência de pterossauros em nossos céus brasileiros. Isso torna o nosso patrimônio paleo-icnológico como referência até mesmo internacional, porque abre a possibilidade de comparação, sendo o nosso Pteraichnus aqui, nosso icnogênero brasileiro, o maior entre todas as ocorrências de pegadas atribuídas a esse mesmo icnogênero. Então, o nosso bicho aqui também era o maior deles."
Com base no tamanho das pegadas, os pesquisadores calcularam que o animal teria cerca de 60 cm de altura no quadril e envergadura de asas superior a 2,5 m, o que o coloca entre os maiores representantes do icnogênero no mundo.
Outras evidências
Mas a história do Brasil com nossos vizinhos de outra Era não termina nos pterossauros. De acordo com Marcelo Fernandes, o engenheiro Juliano Pacheco extraiu a primeira pegada fóssil descrita para a América Latina por volta de 1913, justamente em São Carlos (SP).
Além desse, há outros fatores que tornam o Brasil um polo conhecido mundialmente, como explica o professor.
"Nós temos grandes ocorrências de trilhas, de pistas de animais, por exemplo, lá na Paraíba, em Souza, e aqui na região do interior de São Paulo, considerado na literatura, inclusive, pelo pesquisador Giuseppe Leonardi, que talvez seja uma das localidades com melhor ocorrência desse material para estudo. Então isso já alavanca o nosso país como um berço do estudo da icnologia na América Latina."
As pegadas estão em exposição permanente no Museu da Ciência Professor Mário Tolentino, na Praça Coronel Sales, em São Carlos (SP). A visitação é gratuita, de segunda a sexta-feira, das 8h às 18h.
* Sob supervisão de Sâmia Mendes.