VideBula explica o que é capacitismo e os desafios da inclusão social
O podcast VideBula aborda esta semana um tema cada vez mais presente no debate público: o capacitismo, termo que define o preconceito contra pessoas com deficiência visíveis ou invisíveis. Lembrando que 21 de setembro foi o Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência, e o tema contribui para o debate sobre as lutas dos PCDs e raros.

No episódio vamos conhecer a advogada Adriana Monteiro, especialista em direitos da pessoa com deficiência e autismo. Ela explica que o capacitismo é crime previsto na legislação brasileira e orienta sobre como registrar denúncias. Já a convidada Beatriz Marconi, diagnosticada com autismo já adulta, relata os impactos do preconceito em sua trajetória pessoal e profissional.
O episódio também chama atenção para práticas capacitistas presentes no cotidiano, como a falta de acessibilidade em escolas e empresas, e ressalta a importância de entender que a inclusão é um direito, e não um privilégio.
O VideBula é uma produção original da Radioagência Nacional, da Empresa Brasil de Comunicação (EBC). Os episódios vão ao ar todas as terças-feiras e estão disponíveis na Radioagência Nacional, nos principais tocadores de áudio e no YouTube, com versão acessível em Libras.
Quer saber mais, tirar dúvidas ou sugerir temas para os próximos episódios? Entre em contato pelo email videbula@ebc.com.br ou deixe seu comentário no canal do VideBula no Spotify.
Você pode conferir, no menu abaixo, a transcrição do episódio, a tradução em Libras e ouvir o podcast no Spotify, além de checar toda a equipe que fez esse conteúdo chegar até você.
VideBula - Episódio 25: Capacitismo
🎵 Vinheta do VideBula🎵
Pati: Oi gente! Começa agora mais um VideBula, seu podcast sobre saúde, direitos e inclusão sem barreiras, como tudo deve ser.
Raíssa: Eu sou Raíssa Saraiva, tenho Esclerose Múltipla, e já ouvi de uma médica que eu nem parecia estar doente porque estava melhor do que ela.
Pati: E eu sou Patrícia Serrão, tenho Síndrome de Ehlers-Danlos, e quando eu ainda não tinha diagnóstico já tive que escutar de uma chefe que não era possível alguém ter tanta doença como eu tinha.
Raíssa: Já me falaram que se eu tinha mesmo uma doença, eu tinha que provar no RH do meu serviço.
Pati: É, essa minha chefia achava que eu não queria trabalhar como repórter de rua pra ficar s no conforto da redação…
Raíssa: Quem tem uma doença ou deficiência que não é identificada à primeira vista, com certeza já passou por uma situação parecida a essas que a gente viveu.
Pati: Antes fosse só quem tem uma condição invisível, Raíssa. As pessoas com deficiência, em geral, sofrem demais com esse tipo de preconceito.
Raíssa: 21 de setembro é o Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência. E escolhemos comemorar essa data com um assunto que tá muito na moda.
Pati: O VideBula hoje vai falar sobre um termo que vocês com certeza já ouviram, o capacitismo. Mas fala a verdade: você realmente sabe o que isso significa?
Raíssa: Para entender o que é, como funciona, e principalmente como combater o capacitismo, vamos conversar com a advogada Adriana Monteiro, especialista em direitos da pessoa com deficiência e autismo.
Pati: E para conhecer o ponto de vista de alguém que sofre capacitismo conversamos com a nossa amiga Beatriz Marconi, uma mulher diagnosticada dentro do Transtorno do Espectro Autista há apenas um ano e meio, já na idade adulta.
🎵 Vinheta de transição 🎵
Raíssa: Adriana, explica pra gente o que significa capacitismo?
Adriana: O capacitismo, ele está para a deficiência, assim como o racismo está para a etnia, assim como o machismo está para as questões de gênero, né? Então ele é o preconceito contra a pessoa com deficiência.
Pati: E ele tem as mesmas consequências jurídicas que o racismo ou a homofobia, por exemplo?
Adriana: Se alguma pessoa com deficiência ou alguma doença rara percebe que está sofrendo capacitismo, ela pode denunciar isso numa delegacia, ele é crime. Ela pode ser indenizada por danos morais em relação a isso também. E o mais importante é que ela instrumentalize provas em relação a isso. Que ela tenha testemunhas, que ela busque, de alguma forma, gravar o que foi dito ou guarde conversas em relação ao que está acontecendo com ela, esse crime. É crime tipificado na Lei Brasileira de Inclusão, e tem pena como qualquer outro crime.
Raíssa: A gente tem visto muitos casos ultimamente de escolas, por exemplo, que não aceitam crianças com deficiência ou alguma outra necessidade específica, ou dificultam a matrícula, tiram benefícios e tal.
Pati: Também tem casos em que os próprios alunos fazem bullying com os colegas com deficiência. Como agir nesses casos?
Adriana: O conselho é o mesmo, né? Que você registre por escrito, que você grave essas condutas discriminatórias, que acione canais internos da escola, né? Mande e-mail, fale com o professor, registre isso de alguma forma por escrito, busque apoio jurídico e psicológico, porque se você não busca o apoio, você também não tem quem diga que você tava sofrendo aquilo, né? O apoio psicológico, ele é muito importante, inclusive para poder laudar o que tá acontecendo com essa pessoa, né? E procurar delegacia, com certeza é uma ótima opção. Delegacia, Ministério Público ou um bom advogado.
Raíssa: A Bia sofria muito com situações de bullying na infância, e também na adolescência, a vida toda. Tinha hora que virava até brincadeiras de amigos. Até que um dia, ela viu um vídeo nas redes sociais sobre o comportamento de uma pessoa neurodivergente e se identificou. Bia, você teve um diagnóstico tardio, mas teve os sintomas a vida toda. Como era isso?
Beatriz: Eu ouvi a minha vida inteira que eu estava errada, que eu sou errada, que eu sou, eu sou muito imaginativa, eu sou muito criativa, mas é, eu vivo no mundo da lua e eu tenho que descer para a Terra e que isso me prejudicaria, né? Isso ouvindo, é, os familiares falando, os professores falando, isso ia me prejudicar na minha vida adulta, se eu não prestasse atenção. E todo mundo sabia que eu sou capaz de focar, mas eu foco naquilo que eu quero. É, eu não vou decorar uma fórmula de Física, mas eu vou decorar uma música muito facilmente, porque eu gosto de música.
Pati: Eu imagino o quanto o diagnóstico foi uma virada de chave pra você. Assim como foi comigo, ou com a Raissa. Mas o que realmente mudou na sua vida depois de descobrir o autismo?
Beatriz: É, eu já fui chamada atenção, numa sala cheia de gente, porque eu tinha cometido erros e a minha chefe naquela ocasião, ela começou a berrar comigo, dizendo que tava tudo errado, entendeu? Em vez de me chamar, nunca veio falar comigo. Enfim…Isso não deveria ser feito com ninguém, né? Seja ou não seja PCD, neurodivergente, enfim, raro, nenhuma pessoa merece ser tratada do jeito que eu fui tratada.
Eu comecei a me posicionar e eu comecei a me perdoar por todos os “você é mimada, você é chata, você é filhinha da mamãe, você é muito exigente, você quer tudo do seu jeito, você quer tudo perfeito, você é incompetente, você não presta atenção, você vive no mundo da lua”, tudo isso que eu ouvi a minha vida inteira que eu achava que era culpa minha e na verdade não é, que eu sou diferente, eu funciono diferente.
Hoje a gente vê idosos com 60 e poucos anos recebendo laudos, né? E aí, lidando melhor com os capacitismos que sofreram durante a vida inteira, conhecendo e se perdoando, porque a culpa é do outro, não é sua.
Raíssa: Adriana, como a gente pode avaliar o capacitismo no Brasil hoje?
Adriana: Olha, eu acho que o Brasil, ele tem uma legislação muito incrível sobre os direitos da pessoa com deficiência e a gente tem, também, programas que não existem em outros países, né, para apoiar as pessoas com deficiência. O que eu acho que é mais difícil é que as pessoas enxerguem isso como direito e não como privilégio. Como algo que as pessoas precisam e não porque elas querem. A gente tem um preconceito social muito grande, é um capacitismo muito grande na nossa sociedade, nossa sociedade brasileira. E esse capacitismo, ele permeia tudo, né? Ele permeia as agências reguladoras, ele permeia os tribunais de justiça, ele permeia o Ministério Público, ele permeia os advogados, ele permeia as empresas, ele permeia tudo, porque se você olhar a nossa legislação, ela é muito clara e é muito simples se efetivar de alguma forma esses direitos.
Pati: A falta de acessibilidade ou de inclusão também é uma forma de capacitismo, porque acaba sendo um preconceito em relação às necessidades das pessoas com deficiência. Tem algum exemplo que você possa dar Adriana?
Adriana: Por exemplo, se eu tenho a necessidade, se o meu médico prescreveu ali que eu preciso tomar de pacote todos os dias às 8 horas da manhã e às 8 horas da noite, é isso, eu tenho direito a isso porque eu sou uma pessoa com deficiência e eu preciso daquela medicação porque ela é meu suporte de vida. Não deveria ter nenhum tipo de questionamento em relação a isso, né? Se o meu médico disse que o melhor para mim é trabalhar em home office, e eu tenho, a minha empresa, ela não precisa de mim presencialmente, eu consigo fazer o meu trabalho de casa, o trabalho que eu faço de casa, ele é tão produtivo quanto o trabalho que eu faço na empresa, ou ainda, a empresa pode me fazer uma adaptação do meu setor para que eu possa fazer esse trabalho de casa. Por que negar esse direito? É quase que uma perseguição que as pessoas com deficiência sofrem socialmente, né? Porque de alguma forma, alguém acha que aquilo é um privilégio, quando na verdade é a forma de você se manter vivo, é a forma de você se manter de pé, né? E as pessoas não entendem isso. Eu acho que o grande impedimento que nós temos hoje se chama capacitismo. Eu acho esse o maior de todos os nossos impedimentos.
Raíssa: E não é porque a gente sofre capacitismo que a gente também não derrapa às vezes, tá? Eu mesma tive um pensamento capacitista quando eu vi uma pessoa de bengala subindo uma rampa gigante e pensei “gente, porque não deixaram essa pessoa subir de elevador?” Precisou uma amiga minha, que não é PCD e nem rara, virar pra mim e perguntar “já pensou que ela pode querer subir a rampa?”. E fazia todo o sentido. A gente tem que dar o direito de escolha. Pra mim, não fazia sentido se desgastar na rampa, mas pra ela era um objetivo.
Pati: A Bia tem uma história muito boa nessa pegada. Conta pra gente?
Beatriz: Ah, gente, eu fui muito capacitista. Óbvio, eu ainda sou, porque eu não consigo entender o outro.
Estava na fila da Kalunga, reclamei que a fila preferencial tinha sido realocada, ido para o início da loja. E aí eu falei assim "olha”, para gerente, “eu não gostei, eu acho que vocês deveriam manter no mesmo lugar”. E ela me disse: "então, tem um cliente que frequenta aqui semanalmente a nossa loja, ele é cadeirante, para ele é muito mais fácil que o acesso ao atendimento prioritário seja perto da loja". Eu agradeci a ela, falei: "muito obrigada”, porque eu sou uma pessoa com deficiência invisível e eu não consigo entender as deficiências e as necessidades de um cadeirante, de um cego, de um surdo. Então, eu fiquei muito grata por ela ter me dito e contado o porquê.
Pati: Foi muito bacana essa forma que ela te explicou. Porque com o autismo, você tem uma tendência a reagir mal com mudanças, uma rigidez cognitiva, mas era uma mudança que te convenceu, digamos assim.
Beatriz: Foi por causa disso que eu fui reclamar, porque senão eu teria… se fosse outra deficiência, se fosse uma deficiência física ou um outro tipo de deficiência, provavelmente eu não teria ligado, né? Mas eu achei assim, que é o que eu busco fazer, eu busco entender a dificuldade do outro para me trabalhar, porque às vezes como eu sou muito rígida, eu não consigo entender, mas eu respeito. Nesse caso foi perfeito, eu assim “muito obrigada por me esclarecer”.
Raíssa: Adriana, o que você diria para as pessoas que sofrem atitudes capacitistas?
Adriana: Eu acho que é falar para as pessoas não deixarem de lutar pelo por aquilo que elas têm direito, né? Porque quando elas conseguem alguma coisa para elas, elas estão desbravando caminhos que vão, daqui a alguns anos, fazer com que pessoas não tenham essa luta que a gente tem hoje.
Então, você ver que a sociedade avançou tanto, é muito bom, mas a gente precisa fazer a nossa parte, enquanto sociedade civil, para que isso continue avançando.
Silêncio
🎵 Vinheta de Encerramento 🎵
Pati: O VideBula é uma produção original da Radioagência Nacional, um serviço público de mídia da EBC, a Empresa Brasil de Comunicação.
Raíssa: O podcast é idealizado e apresentado por mim, Raíssa Saraiva, e por Patrícia Serrão.
Pati: A edição é de Bia Arcoverde. No áudio e sonoplastia no Rio, Toni Godoy.
Raíssa: E na operação em Brasília, ???.
Pati: Se você curtiu o episódio de hoje, compartilhe! Faça a informação chegar longe.
Raíssa: Aproveita e manda e-mail para videbula@ebc.com.br e diz quais assuntos você quer ouvir por aqui.
Pati: Os episódios anteriores do VideBula e outras produções da Radioagência Nacional estão disponíveis no nosso site, nos tocadores de áudio e com interpretação em Libras no YouTube.
Raíssa: Por hoje é só! Para mais informações, VideBula!
🎵 Vinheta de Encerramento
| Roteiro, entrevistas e apresentação | Patrícia Serrão e Raissa Saraiva |
| Coordenação de processos e supervisão | Beatriz Arcoverde |
| Identidade visual e design: | Caroline Ramos |
| Interpretação em Libras: | Equipe EBC |
| Implementação na Web: | Beatriz Arcoverde e Lincoln Araújo |
| Sonoplastia | Toni Godoy |
| Operação de Áudio | Lúcia Safatle (Brasília) |