Movimentos de ocupação do espaço público fizeram ressurgir blocos de rua de BH
Para quem gosta de pular carnaval, ficar em Belo Horizonte não era das opções mais atraentes até alguns anos atrás. O desfile das escolas de samba e algumas poucas atrações mobilizavam um público pequeno. O cenário, no entanto, mudou, e o número de blocos de rua da capital mineira não para de crescer. Segundo a Empresa Municipal de Turismo de Belo Horizonte (Belotur), os festejos deste ano, que começaram hoje (11), terão 416 desfiles de 350 blocos cadastrados, 30% a mais que 2016.
Além dos moradores locais, a cidade espera cerca de 500 mil turistas. Eles passarão a fazer parte de uma história que remete a janeiro de 2010, quando movimentos de ocupação do espaço público começaram a se manifestar de forma lúdica contra ações da gestão municipal. A principal queixa se relacionava com o Decreto Municipal 13.798/2009, assinado pelo então prefeito Márcio Lacerda, que proibia a realização de eventos de qualquer natureza na Praça da Estação, no centro da cidade.
A reação veio na forma do evento Praia da Estação, convocado pelas redes sociais. Centenas de pessoas, sobretudo artistas e universitários, se reuniram em um sábado para um piquenique na Praça da Estação. Os mais animados, vestidos de sungas e biquínis, se aventuraram a tomar banho nas fontes de água. A Praia da Estação começou a se repetir pelos fins de semana posteriores. O decreto foi revogado em maio de 2010, mas, até lá, a mobilização já tinha virado carnaval.
Foi deste movimento lúdico que diversos blocos surgiram de forma espontânea em 2010, com epicentro no bairro de Santa Tereza. Eles se juntaram aos pioneiros Tico Tico Serra Copo e Peixoto, que haviam desfilado em 2009. O objetivo era ocupar as vias públicas de forma festiva. Em 2011, os desfiles de aproximadamente 20 blocos chamaram a atenção dos moradores. De 2012 em diante, o número de blocos só cresceu.
Reivindicações
Os participantes levavam para os desfiles faixas, estandartes, cartazes e camisas com pautas de diversos movimentos que se propõem a repensar a cidade, tais como a tarifa zero nos ônibus, a regularização das ocupações de sem tetos e o combate ao preconceito racial, ao machismo e à homofobia. “Quando a luta pelo uso do espaço público ganhou a cidade, outros movimentos sociais perceberam que também podiam usar a folia para dar visibilidade para suas pautas”, avalia a cineasta Dandara Andrade, diretora do documentário BH no Ritmo da Luta, que aborda o ressurgimento dos blocos de rua em Belo Horizonte.
O debate político é combustível para blocos como o Então Brilha que, em 2011, organizou uma bateria para desfilar e escolheu como ponto de partida uma via marginalizada do centro da cidade, a Rua Guaicurus, reduto de prostíbulos. No último carnaval, ele arrasta cerca de 80 mil foliões. O ponto de referência do bloco é o Hotel Brilhante, uma das muitas casas de prostituição no local.
A escolha não é ao acaso. Os participantes do Então Brilha defendem a diversidade e a inclusão das minorias. Letras de músicas famosas são subvertidas. Em vez de cantar o amor de Romeu e Julieta, os integrantes exaltam o amor de Romeu e Romeu e de Julieta e Julieta. “As pessoas ocuparam as ruas, mas ainda há um questionamento sobre quem está na rua. Porque o carnaval é puxado e feito em sua maioria pela classe média. Então, hoje a gente precisa pensar outras questões: como enegrecer os blocos, como aproximar a periferia da festa, dar voz às minorias”, avalia Di Souza, maestro do Então Brilha.
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