Beija-Flor fecha grupo especial com desfile sobre monstros e seus criadores
Última a desfilar pelo grupo especial do carnaval do Rio, a Beija-Flor de Nilópolis pretende fechar com chave de ouro. O enredo tem um título comprido: Monstro é aquele que não sabe amar. Os filhos abandonados da pátria que os pariu. Dentro dele, a escola tem muito a contar para revelar quem é o verdadeiro monstro nessa estória. A sinopse da comissão de carnaval que explica o enredo dá uma dica: “o monstro é a criatura de aparência repugnante? Ou é o criador, com o seu egoísmo, seu orgulho, sua arrogância e seu coração corrompido?”.
A ideia do enredo é do coreógrafo da comissão de frente da escola, Marcelo Misailidis, a partir do romance de ficção e terror Frankenstein, de autoria de Mary Shelley. Na obra, que agora completa 200 anos, um cientista dá vida a uma criatura construída com partes de pessoas mortas, tornando-se uma figura feia. Depois de rejeitada pelo criador, ela vaga em busca de companhia.
“Daí, para fazer um espelhamento para a nossa realidade foi um pulo. Quem são os nossos doutores Frankenstein? Quem são as nossas criaturas abandonadas? São abandonadas por quê? Por preconceito, por ganância, por corrupção? Onde estão nossos laboratórios de filhos abandonados? Onde estão nossos filhos abandonados? Estão nos sinais de trânsito vendendo doces e balas em vez de estarem nas escolas? Estariam nas filas dos hospitais sem atendimento e morrendo?”, indagou Cid Carvalho, que é um dos carnavalescos que integram a comissão de carnaval da escola.
Esta reportagem é parte da série que a Agência Brasil publica, até o carnaval, sobre os preparativos para os desfiles das escolas de samba do grupo especial do Rio de Janeiro. Confira as demais matérias.
A escolha de temas críticos pela Beija-Flor não é inédita. Ainda está na lembrança de muita gente o desfile de 1989, com Ratos e urubus...Larguem a minha fantasia, do carnavalesco Joãosinho Trinta. A alegoria com figurantes vestidos de mendigos que trazia um Cristo Redentor precisou passar coberta por um plástico preto por causa de uma liminar do juiz Carlos Davidson de Meneses Ferrari, da 15ª Vara Cível do Rio, que proibiu a exibição da imagem. Por cima do plástico preto, Joãosinho botou uma faixa: "Mesmo proibido olhai por nós!". O resultado foi a aclamação do público.
A redenção do monstro
Cid Carvalho, que depois de 11 anos voltou para a escola, revelou que a crítica estará presente, mas a escola mostrará uma redenção no fim do desfile, que virá com a representação do sambista. Para ele, assim como Frankenstein, o sambista “era fora dos padrões do início do nosso enredo, historicamente é marginalizado, perseguido, excluído por conta de uma sociedade que o acha fora do padrão, porque é feio o batuque”.
No entanto, o sambista dá a volta por cima. “Mesmo perseguido, mesmo excluído, fez dos seus espaços os mais democráticos dentro do país. Em uma escola de samba, o feio é bem-vindo. O preto, o branco, o velho, o novo, o católico, o protestante, o macumbeiro, o gay, o hétero. Não há discriminação perante o sambista, que no final vai pedir: respeite o que lhe parece feio, ame o que lhe parece estranho, porque se o amor vencer as diferenças, viveremos em um mundo de paz”, contou Carvalho.
Otimismo
Além de encerrar os desfiles no Sambódromo, a Azul e Branco da Baixada Fluminense tem um outro motivo para acreditar em uma boa apresentação: o cantor e compositor Neguinho da Beija-Flor, considerado a voz da escola, completa 42 anos de desfiles e está confiante em uma vitória.
A renovação a cada ano, depois de tanto tempo de avenida, vem da oportunidade de fazer mais uma criação para interpretar o samba-enredo que será cantado pelos componentes durante o desfile. “Pode ser um bom parto, como um parto malsucedido, mas graças a Deus, nesses anos todos, Deus tem me ajudado e tenho sido feliz naquilo que a gente gosta de fazer, que é dar vida a uma obra inédita”, revelou Neguinho.
Para o intérprete, o melhor samba a ser apresentado no desfile é aquele conta bem o enredo com uma melodia de fácil assimilação – é o caso da Beija-Flor este ano, em sua opinião, “sem querer puxar a brasa” para a sardinha da escola. “Os compositores foram muito felizes em contar tudo o que os carnavalescos pediram e ter um refrão esplendoroso que chama o público”, contou, confiante.
Apesar de preferir temas afro ou que falam da região Norte do Brasil, Neguinho recebeu bem o tema deste ano e a crítica que ele propõe. “Havia esta necessidade de alguém fazer esta crítica. A Beija-Flor fez muito bem e o povo está maravilhado”, pontuou, fazendo questão de lembrar que a escola já se deu bem em outros enredos considerados sociais.
“O entusiasmo dos nossos componentes nos ensaios mostra a força de um bom samba. O que a gente presencia na comunidade é que eles estão na expectativa de que chegue logo o carnaval para eles botarem para fora tudo o que têm de falar, tudo o que têm de sambar. Estou vendo a Beija-Flor com cara de campeã – e olha que já estou lá há 42 anos e conheço o meu povo”, apontou.