Começa júri de acusados da morte de advogado que denunciou grupo de extermínio

Publicado em 14/04/2015 - 11:51 Por Alex Rodrigues - Repórter da Agência Brasil - Brasília

Mais de seis anos após o assassinato do advogado Manoel Mattos, os cinco acusados pelo crime que ganhou destaque internacional começaram a ser julgados. O júri, que teve início às 8h30 de hoje (14), no edifício-sede da Justiça Federal em Recife, é o primeiro caso cuja apuração foi federalizada por meio do mecanismo jurídico denominado Incidente de Deslocamento de Competência, em vigor desde 2004, para combater crimes que envolvam grave violação aos direitos humanos.

Mattos foi morto com dois tiros de espingarda disparados à queima-roupa, diante de várias pessoas, em 24 de janeiro de 2009, em Pitimbu (PB), cidade a cerca de 100 quilômetros da capital paraibana, João Pessoa. O assassinato foi atribuído a suspeitos de integrar um grupo de extermínio do qual fariam parte, entre outros, policiais militares e civis e agentes penitenciários. Segundo informações divulgadas à época pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos, ao grupo são atribuídos mais de 200 assassinatos cometidos ao longo de dez anos, na divisa entre Pernambuco e a Paraíba – região, na época, conhecida como a “Fronteira do medo”. 

Ex-vereador e defensor dos direitos humanos, Mattos se tornou conhecido por denunciar os crimes desses grupos de extermínio, tendo inclusive colaborado com comissões parlamentares de inquérito estadual e nacional que investigaram o tema entre 2001 e 2007.

Os cinco réus levados a julgamento são Flávio Inácio Pereira, Cláudio Roberto Borges e seu irmão, José Nilson Borges, José da Silva Martins e Sérgio Paulo da Silva. Os dois primeiros são apontados como mentores do extermínio. José Nilson Borges é o dono da arma usada no crime e José da Silva e Sérgio Paulo da Silva são acusados de terem executado o crime. Flávio Inácio foi o primeiro réu a ser ouvido.

O deslocamento da competência de julgar o caso – ou seja, a federalização do processo, que até então corria na Justiça paraibana, – foi aprovado em outubro de 2010, pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). O pedido de federalização havia sido feito 18 meses antes, pelo então ministro da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Paulo Vannuchi.

O pedido de federalização feito pela secretaria por meio da Procuradoria-Geral da República (PGR) foi acompanhado pela pressão de parentes, organizações de direitos humanos; entidades de classe como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e órgãos de Estado, como a PGR e o Ministério da Justiça. Após o deslocamento, o início dos julgamentos foi suspenso duas vezes, em 2013. Na primeira, o motivo foi a  impossibilidade de compor o júri. A segunda suspensão ocorreu a pedido do Ministério Público Federal (MPF) e dos advogados da família de Mattos.

Para a  organização não governamental (ONG) Justiça Global, o início do primeiro julgamento federalizado representa um marco para a Justiça brasileira e para os direitos humanos no país. A expectativa das entidades de defesa dos direitos humanos é que tanto o Poder Judiciário quanto os governos estaduais e federal passem a dar mais atenção às ameaças aos defensores de direitos humanos e também àqueles que têm suas garantias violadas. Sete anos antes de Mattos ser assassinado, a Organização dos Estados Americanos (OEA) já havia recomendado medidas cautelares para que o Estado brasileiro protegesse o advogado e sua família. Ainda assim, entre 2007 e 2009, segundo a ONG Justiça Global, Mattos deixou de ter escolta policial.

De acordo com a ONG, até hoje a mãe do advogado, Nair Ávila, vive sob proteção, ameaçada por continuar a luta de seu filho, assim como a promotora Rosemary Souto Maior, que atuou nas denúncias junto com Mattos. Em entrevista coletiva nessa segunda-feira (13), a mãe de Mattos ressaltou a importância do julgamento para o fim da impunidade desses grupos de extermínio: “Eu não quero ver outras mães chorando como eu estou chorando. Meu filho veio ao mundo para fazer o bem para os menos favorecidos. Sua luta era por eles e temos que conseguir esse julgamento por eles também.”

Edição: Valéria Aguiar

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