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Direitos Humanos

Brasil espera decisão favorável da OEA em julgamento sobre trabalho escravo

Alex Rodrigues - Repórter Agência Brasil
Publicado em 05/02/2016 - 18:58
Brasília

Acusado perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) de omissão e negligência na apuração e responsabilização de um caso de trabalho escravo identificado em uma propriedade rural particular no Pará, na década de 1980, o Estado brasileiro admite que houve violações de direito trabalhista no caso da Fazenda Brasil Verde, mas nega que milhares de trabalhadores tenham sido submetidos à servidão ou ao trabalho forçado.

O governo brasileiro também não admite que agentes públicos tenham sido coniventes ou omissos ao tratar das denúncias. O processo contra o Brasil será apreciado nos próximos dias 18 e 19, em audiência na sede da corte, em San José, na Costa Rica. A sentença só será divulgada no segundo semestre deste ano. Desde que foi criada, em 1979, será a primeira vez que a Corte Interamericana de Direitos Humanos vai julgar uma denúncia por trabalho semelhante à escravidão.

“Houve sim violações à legislação trabalhista, mas o Estado não só constatou isso na época como puniu os fazendeiros. Não há evidências de que agentes públicos tenham colaborado com as violações trabalhistas. Não houve conluio. Daí porque o Estado brasileiro entende que não há motivos para ser responsabilizado internacionalmente”, disse hoje (5) à Agência Brasil o diretor do Departamento Internacional da Procuradoria-Geral da União (PGU), Boni de Moraes Soares.

A procuradoria é o órgão da Advocacia-Geral da União (AGU) responsável por planejar, coordenar e supervisionar as atividades relativas à representação e defesa judicial da União.

De acordo com Soares, não há, no processo que a Comissão Interamericana submeteu ao julgamento da Corte Interamericana de Direitos Humanos, nenhum fato que comprove desrespeito à Convenção dos Direitos Humanos após 10 de dezembro de 1998, quando o Brasil passou a reconhecer a competência da Corte Interamericana para julgar eventuais demandas judiciais relativas aos direitos humanos (após terem sido esgotados todas as instâncias da Justiça brasileira).

“Não há em nenhuma página do processo uma única prova de que [na Fazenda Brasil Verde] ocorreu escravidão, servidão ou trabalho forçado depois de 10 dezembro de 1998, data a partir de quando o Brasil reconhece a jurisdição da Corte”, disse o diretor. Segundo Soares, a maioria dos documentos que os representantes das supostas vítimas apresentaram à Comissão Interamericana foi produzida por agentes públicos. Entre eles, há apenas dois relatórios de fiscalização assinados por auditores do trabalho após 1998. Um é de 2000 e outro de 2002.

“Em nenhum dos dois há qualquer comprovação de que houvesse, naquele momento, escravidão ou trabalho forçado na fazenda, embora houvesse violações trabalhistas”, argumenta Soares. O diretor sustenta que as diversas infrações registradas pelos auditores, como pessoas trabalhando sem qualquer registro ou com contratos vencidos, em condições inadequadas de alimentação, habitação e de trabalho e as várias queixas de não pagamentos de verbas rescisórias poderiam ser interpretadas como servidão se analisadas à luz do Código Penal brasileiro, mas não pela Convenção Americana Sobre Direitos Humanos, segundo ele, menos rigorosa que a legislação brasileira.

“À luz da Convenção Americana Sobre Direitos Humanos, os fatos verificados não configuram trabalho escravo. Pelo nosso Código Penal, muito mais amplo, um juiz talvez concluísse que houve servidão ou trabalho forçado. Mas é preciso compreender que o Brasil não está sendo julgado por violar seu próprio Código Penal. Todo o julgamento está pautado pelo que diz a Convenção Americana”.

Diferenças de interpretação
Enquanto a Convenção Americana fala apenas em trabalho forçado ou obrigatório ao tratar da proibição da escravidão ou servidão, o Artigo 149 do Código Penal detalha que um trabalhador é reduzido à condição análoga a de escravo quando submetido a trabalhos forçados, a jornadas exaustivas, a condições degradantes de trabalho ou quando é impedido de deixar um local com a justificativa de estar devendo para o empregador.

“A questão, portanto, é de conceituação do que é escravidão, servidão ou trabalho forçado. Por isso, a expectativa do Estado brasileiro é que a Corte Interamericana exerça um julgamento técnico, imparcial, à luz das provas, dos argumentos apresentados. E se isso acontecer, tudo leva a crer que a sentença que a Corte será muito diferente do relatório emitido pela Comissão Interamericana em 2011”, concluiu o diretor.

No relatório citado por Soares, a Comissão Interamericana apontou que o Estado brasileiro é responsável pela situação de trabalho forçado e servidão por dívidas e pela situação de impunidade verificada no caso envolvendo a Fazenda Brasil. Para a comissão, esses fatos violam a Convenção Americana sobre Direitos Humanos.

A denúncia do caso da Fazenda Brasil foi levada à Comissão Interamericana de Direitos Humanos pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) e pelo Centro Pela Justiça e o Direito Internacional (Cejil).