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Direitos Humanos

Anistia: discurso xenófobo desencadeia retrocesso global nos direitos humanos

Ana Cristina Campos – Repórter da Agência Brasil
Publicado em 21/02/2017 - 21:06
Rio de Janeiro
epa04414407 Syrian refugees wait at the Syrian-Turkish border near Sanliurfa, Turkey, 24 September 2014. The Islamic State assault against dozens of Kurdish villages in northern Syria could create a mass exodus, with up to 400,000 seeking refuge in neighbouring Turkey, a United Nations official warned. According to Turkish authorities, 138,000 Kurdish Syrians have poured into the country since late last week. It is unclear if the entire population of the region will ultimately end up fleeing, UN refugee agency (UNHCR) spokeswoman Melissa Fleming said.  EPA/SEDAT SUNA
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epa04414407 Syrian refugees wait at the Syrian-Turkish border near Sanliurfa, Turkey, 24 September 2014. The Islamic State assault against dozens of Kurdish villages in northern Syria could create a mass exodus, with up

Refugiados sírios aguardam na fronteira com a Turquia para fugir dos ataques do Estado Islâmico. Segundo a Anistia Internacional, o discurso xenófobo de líderes mundiais tem desencadeado um retrocesso mundial nos direitos humanos (EPA/Sedat Suna/Agência Lusa)EPA/Sedat Suna

Líderes mundiais que utilizam a retórica do “nós contra eles” estão criando um mundo mais dividido e mais perigoso, alerta a Anistia Internacional em seu novo relatório O Estado dos Direitos Humanos no Mundo 2016/2017, lançado hoje (21). O documento traz o panorama da situação dos direitos humanos em 159 países.

Para a organização, a retórica xenófoba que tem sido a tônica em discursos políticos na Europa e nos Estados Unidos vem desencadeando um retrocesso mundial nos direitos humanos e enfraquecendo a resposta da comunidade internacional às violações em massa como as que atingem refugiados e imigrantes.

“2016 foi o ano no qual o uso descarado de narrativa do tipo 'nós contra eles', de culpa, de ódio e de medo, ganharam proeminência global, num nível que não se via desde a década de 1930. São muitos os políticos que têm respondido a receios reais quanto à segurança e à economia utilizando-se da manipulação política identitária de forma separatista e perversa, na tentativa de ganhar votos”, disse o secretário-geral da Anistia, Salil Shetty, em nota.

Ele deu como exemplo de líderes com um discurso agressivo os presidentes dos Estados Unidos, Donald Trump, e da Hungria, Viktor Orban, com suas políticas anti-imigratórias.

Shetty também citou o líder turco Recep Tayyip Erdogan que, após sofrer tentativa de golpe, determinou a suspensão de veículos de imprensa e de organizações não governamentais, além da detenção de milhares de opositores.

Outro político apontado pela Anistia é o presidente das Filipinas, Rodrigo Duterte, criticado por aplicar uma política brutal de combate às drogas, que inclui execuções extrajudiciais de pessoas suspeitas de usar ou vender drogas.

Crises

A Anistia Internacional alerta que este ano testemunhará a exacerbação das crises já em andamento causada por uma ausência de liderança no campo dos direitos humanos. Para a organização, o discurso xenofóbico também está ganhando forma no nível internacional por meio do enfraquecimento do multilateralismo para dar lugar a uma ordem mundial mais agressiva e pautada no confronto.

O relatório apontou que 36 países violaram leis internacionais enviando ilegalmente refugiados de volta a países onde seus direitos estavam sob risco.

O levantamento também afirma que o mundo tem uma longa lista de crises, mas pouca vontade política para enfrentá-las. O relatório documentou ainda crimes de guerra cometidos em pelo menos 23 países no ano passado.

“Líderes passam a demonizar determinados grupos, como migrantes, negros, mulheres, população LGBT [lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e transgêneros], como a origem do problema que aquelas sociedades estão vivendo. Essa tática de demonização não é mais do que uma cortina de fumaça que tenta esconder a incapacidade desses dirigentes em suas obrigações de proteger a vida e o direito das pessoas”, disse a diretora executiva da Anistia Internacional no Brasil, Jurema Werneck.

Para a Anistia, a solidariedade global e a mobilização pública serão especialmente importantes para defender os ativistas dos direitos humanos que, muitas vezes, são vistos pelos governos como uma ameaça ao desenvolvimento econômico e à segurança.

Brasil

Em relação ao Brasil, o organismo avalia que a atual situação não pode significar retrocesso de direitos humanos no país. Para a organização internacional, a crise política, econômica e institucional vivida no país no ano passado paralisou os debates sobre políticas públicas de promoção de direitos humanos, contribuindo para o avanço de agendas conservadoras e o aumento das violações no campo e na cidade que afetam principalmente jovens negros e lideranças rurais.

Segundo Jurema Werneck, o Estado brasileiro não pode se omitir de sua responsabilidade de propor e implementar políticas públicas que promovam e garantam os direitos humanos.

“O que vimos em 2016 foi o desmantelamento de programas que garantiam a proteção a direitos previamente conquistados e a omissão do Estado em relação a temas críticos, como a segurança pública. Nenhuma crise – política, econômica ou institucional – pode ser usada como justificativa para a perda de direitos”, disse Jurema.

A diretora executiva deu como exemplo o programa de proteção aos defensores de direitos humanos, que, segundo ela, foi enfraquecido ao longo dos anos e suspenso no ano passado.

Mulheres fazem manifestação no Recife em defesa da vida da mulher

Mulheres fazem manifestação no Recife em defesa da vida Arquivo/Sumaia Villela

Para a Anistia Internacional, o Estado brasileiro tem falhado em seu papel de garantir o direito à vida por não ter apresentado um plano consistente para redução e prevenção de homicídios e pelo fato de agentes de segurança, principalmente policiais em serviço, serem responsáveis por milhares de mortes todos os anos, sobretudo de moradores de favelas e periferias.

A entidade de direitos humanos avalia que a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que limita os gastos públicos pelos próximos 20 anos, aprovada no Congresso, pode ter efeitos negativos nos investimentos em educação e saúde. A PEC foi promulgada em 15 de dezembro e já entrou em vigor. O governo argumenta que o teto não afetará os repasses para as áreas. 

Segundo a Anistia, propostas que prejudicam os direitos das mulheres, povos indígenas, gays e lésbicas estão em discussão no Congresso. A organização dá o exemplo do Estatuto da Família. Em setembro, uma comissão especial da Câmara dos Deputados aprovou mudanças no estatuto para definir família como a união entre um homem e uma mulher.

Jogos Olímpicos

O relatório destaca que as autoridades e os organizadores dos Jogos Olímpicos Rio 2016 não tomaram as medidas necessárias para evitar violações de direitos humanos pelas forças de segurança antes e durante o evento esportivo. Segundo a Anistia, durante as Olimpíadas, foram intensificadas as operações policiais em favelas. “Os moradores relataram horas de tiroteio intensos e abusos contra os direitos humanos, como buscas domiciliares ilegais, ameaças e agressões físicas”, diz o texto.

A organização também destaca que na passagem da Tocha Olímpica pelo estado do Rio de Janeiro e durante a realização dos Jogos, protestos pacíficos contra as Olimpíadas foram reprimidos com uso excessivo e desnecessário da força policial.

Manifestações

Segundo a Anistia, o ano de 2016 foi marcado por manifestações majoritariamente pacíficas sobre o processo de impeachment de Dilma Rousseff, reforma educacional, violência contra as mulheres, impactos dos Jogos Olímpicos e redução de gastos públicos com saúde e educação.

“A sociedade brasileira se provou maior do que as crises. Em 2016, nós vimos o crescimento da mobilização social. Vimos adolescentes e jovens estudantes lutando em defesa da educação e da escola pública. Vimos o movimento LGBT, das mulheres e negro denunciando e se mobilizando contra graves violações”, disse a diretora executiva da Anistia Internacional no Brasil.