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Direitos Humanos

Pesquisa aponta aumento de violência doméstica em áreas com UPP

Flávia Villela - Repórter da Agência Brasil
Publicado em 19/05/2016 - 16:27
Rio de Janeiro

O estudo Masculinidade e não-violência no Rio de Janeiro, publicado hoje (19) pelo Instituto Promundo em parceria com o programa global Safe and Inclusive Cities (Cidades Seguras e Inclusivas), aponta aumento da violência doméstica em favelas com unidades de Polícia Pacificadora (UPP), no Rio de Janeiro

A pesquisa identificou o aumento com base em 56 entrevistas com homens, seus parentes e suas respectivas parceiras, de 18 a 56 anos de idade. O grupo de entrevistados inclui ex-traficantes, policiais e ativistas. Os entrevistados foram ouvidos entre 2013 e 2016. Na etapa qualitativa, não foram apresentados números de casos de violência doméstica. A constatação foi baseada nos relatos dos entrevistados e em dados númericos de pesquisas acadêmicas anteriores sobre casos de violência doméstica nesses locais. 

De acordo com a pesquisa, os traficantes de drogas atuavam como se fossem uma espécie de "mediadores" desse tipo de conflito. Com a chegada das UPPs, os casos de violência passaram a ser denunciadps nas comunidades, porém também surgiu um vácuo em termos de impedimento desses conflitos domésticos e brigas em eventos públicos, em decorrência da ausência policial nesse tipo de caso. 

“Se a mulher traísse o marido, o tráfico autorizava o marido a bater na mulher, mas isso se ele fosse falar com o tráfico antes. Se ele batesse antes, os dois entravam na porrada pelo tráfico: uma porque traiu e o outro porque bateu na mulher sem falar com o tráfico, não pediu permissão pra isso. Porque eles não querem ter surpresa”, declarou um dos entrevistados, não identificado por motivo de segurança, morador do Complexo do Alemão, zona norte da cidade.

“Então são várias questões que na reconfiguração do tráfico [com relação à instalação da UPP] – fez com que ele [o traficante] se retirasse da quase totalidade da mediação das relações sociais internas”, diz o estudo.

Outro entrevistado, fundador da organização não governamental Observatório de Favelas, Jailson de Souza e Silva, disse que o tráfico em algumas favelas era o policial, o juiz e o carrasco. “O tráfico tinha esquemas punitivos bastante eficientes em alguns aspectos que são diluídos com a chegada da UPP. Nesse início também aumentam as denúncias de situações de violência”, disse Jailson Silva, que é morador do Complexo da Maré, na zona norte da cidade. 

Segundo o ativista, o tráfico está cada vez mais voltando a disputar o poder na favela com a polícia. “E o morador fica entre dois fogos, duas lógicas militares, bélicas. E o civil sofre os efeitos de ambos, sem poder definido ou regras pactuadas. É o pior dos mundos. A polícia não entendeu que só poderia criar novas regras na favela pactuando com os moradores e preferiu assumir o protagonismo de poder”, disse.

Domínio dos homens

Na pesquisa, ex-traficantes entrevistados declararam que o uso da violência contra mulher justificava-se quando ela se queixava, desobedecia ou quando os homens tinham ciúmes. Para alguns, esses atos de violência mostravam o domínio masculino na relação e não era considerado ato violento, apenas uma forma de “reforçar” ou “dar satisfação” no relacionamento.

Uma das coordenadoras da pesquisa, Alice Taylor, disse que o estudo constatou que a polícia de proximidade precisa focar em trocas e ações legítimas que priorizem a segurança dos cidadãos, como a promoção de fóruns comunitários, uma iniciativa do antigo programa UPP Social, mas que não teve continuidade.

“É importante olhar para a infância e a adolescência. Muitas vezes os grupos que trabalham a questão de gênero e de não violência estão separados dos grupos que trabalham com violência urbana e segurança pública. É preciso unir esses grupos, alinhar as iniciativas para termos de fato políticas de segurança mais eficazes e integrais”, afirmou.

A pesquisa sugere também que é necessário treinamento específico sobre como usar e portar armas para reduzir o impacto diário da presença policial nas comunidades.

História das UPPs

O programa de segurança pública que deu origem às UPPs começou a funcionar em dezembro de 2008, quando foi instalada a primeira Unidade de Polícia Pacificadora, no Morro Santa Marta, em Botafogo, na zona sul da capital fluminense. Desde então, já foram implantadas quase 40 UPPs com um efetivo de quase 10 mil policiais.

Com a chegada das UPPs, as taxas de homicídio reduziram nos anos seguintes à implantação das unidades, assim como tiroteios, e o modelo foi bem recebido pela maioria da população. No entanto, em 2013 e 2014, os números de homicídios cresceram, atingindo os níveis registrados antes da implementação das UPPs, tendo crescido até 55% em comparação ao verificado anteriormente em algumas comunidades, de acordo com dados de 2015 do Instituto da Segurança Pública, do governo estadual.

A Coordenadoria de Polícia Pacificadora informou que não irá se manifestar sobre a pesquisa, pois não teve acesso ao material. Até a publicação da reportagem, a coordenadoria não se pronunciou sobre perguntas enviadas pela reportagem.

As denúncias sobre atuação de policiais das UPPs podem ser feitas, com anonimato garantido, à Ouvidoria Paz com Voz. Todos os registros são atendidos e acompanhados pelos comandantes das áreas pacificadas. O serviço recebe demandas pelo telefone (21) 2334-7599, por meio do site ouvidoriaupp.com.br ou na sede da coordenadoria, na Avenida Itaoca, nº 1.618, em Bonsucesso.