Gestores ainda têm resistência em contratar pessoas com deficiência no Brasil

Pesquisa mostra que 67% dos gestores e empresários têm resistência em

Publicado em 01/05/2016 - 09:36 Por Andreia Verdélio – Repórter da Agência Brasil - Brasília

Ação Rio Consciente dá a oportunidade de pessoas participarem de um circuito que reproduz situações vividas no dia a dia dos portadores de deficiências, e é promovida pela entidade RioSolidário(Tânia Rêgo/Agência Brasil)

Especialistas em recursos humanos dizem que muitas empresas contratam pessoas com deficiência apenas para cumprir a Lei de CotasArquivo/Agencia Brasil

Ao serem apresentados a um candidato com deficiência para uma vaga de emprego, 67% dos gestores e empresários ainda têm resistência em entrevistá-lo e/ou contratá-lo, segundo pesquisa feita com profissionais de recursos humanos (RH). Segundo os dados, apenas 33% dos gestores não tem resistência e contratam o candidato se ele estiver dentro do perfil da vaga.

A segunda edição da pesquisa Expectativas e Percepções sobre a Inclusão de Pessoas com Deficiência no Mercado de Trabalho foi feita em 2015 pela i.Social, consultoria com foco na inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho, em parceria com a Catho e com apoio da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH Brasil). No total, 1.519 profissionais de RH responderam à pesquisa.

A diretora de Diversidade da ABRH Brasil, Jorgete Lemos, disse que fica visível a questão de valores muitas vezes enraizados de não reconhecer a capacidade das pessoas com deficiência. “O RH tem que ajudar as empresas a realinhar suas ações aos valores que estão sendo adotados pela sociedade. Existe a lei [Lei de Cotas], existe a intenção, mas não existe a atitude compatível. Essa equação é fácil de ser resolvida, tem que ser trabalhado o enraizamento de valores na organização como um todo, começando pelos gestores e se estendendo à totalidade do corpo de funcionários”, disse.

Um dos problemas enfrentados pelas pessoas com deficiência que são candidatas a uma vaga no mercado de trabalho é a abordagem de alguns recrutadores. O cadeirante Josewilson de Souza, 40 anos, de Juazeiro do Norte (BA), contou que já se sentiu desprezado em uma entrevista de emprego.

“Eu recebi encaminhamento para uma entrevista e a pessoa designada para receber os currículos conversou comigo, mas não olhou nos meus olhos. Ele pegou meu currículo e virou as costas, quando percebeu que eu tinha curso superior, ficou surpreso e voltou”, lembrou Souza. “Eu disse que não tinha como esperar o entrevistador, eu queria a vaga, mas não quero mais. Disse: 'essa empresa não merece uma pessoa com deficiência qualificada, vocês precisam rever seus conceitos'”, contou.

Josewilson Souza é assistente social e diz que os recrutadores precisam ser mais bem preparados. “Fala-se muito acerca da humanização, mas a realidade é que isso ainda continua sendo um mito no mercado de trabalho. É necessário ser gente para lidar com gente, a capacitação precisa ser permanente porque pessoas com deficiência estão aí o tempo inteiro. É preciso ser humano e ser altruísta e valorizar o outro. O ser humano ainda é a coisa mais importante desse mundo”, disse.

A também assistente social Zenira Rebouças mora em Salvador e reclama de dificuldades de acessibilidade na hora buscar uma vaga no mercado de trabalho. Ela é cadeirante e contou que participou de um evento de recrutamento de pessoas com deficiência, mas que o espaço não estava preparado para receber aquele público. “Ele não estava acessível para atender às pessoas, não tinha banheiro adaptado e isso em uma seleção só para pessoas com deficiência”, relatou.

Cumprimento da lei

A Lei de Cotas prevê que toda empresa com 100 ou mais funcionários deve destinar de 2% a 5% (dependendo do total de empregados) dos postos de trabalho a pessoas com alguma deficiência.

Segundo Jorgete Lemos, é grande o percentual de empresas que contratam pessoas com deficiência apenas para cumprir a lei, 86%. Apenas 2% contratam porque valorizam a diversidade; 3% porque acreditam no potencial dessas pessoas; e 9% têm interesse no perfil do candidato, independentemente de cota ou deficiência.

Outro dado apontado na pesquisa diz que 60% dos profissionais de RH acreditam que as pessoas com deficiências sofrem preconceito no ambiente de trabalho, seja por colegas, gestores ou clientes. “A empresa que contrata cumpre a lei, mas as pessoas com deficiência não são aceitas internamente pelas pessoas. É preciso uma sensibilização com relação às atitudes das pessoas”, ressaltou Jorgete.

Para a diretora, é necessário identificar as dificuldades das pessoas em relação ao outro e atuar em cima disso, seja capacitando as pessoas com deficiência ou conscientizando o corpo funcional e gestor das empresas. “Quem discrimina discrimina tudo e todos, uns mais outros menos. Não só pessoas com deficiência, mas mulheres na alta direção, por exemplo, ou com atribuições de menores salários. Histórias de preconceito e discriminação podem e devem ser evitadas no trabalho através do exemplo. Em uma organização que tenha líderes conscientes, a equipe reproduz esse comportamento”, destacou.

Segundo o Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, no Brasil existem 45,6 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência, o que representa 23,92% da população brasileira.

A diretora administrativa da Associação Brasiliense de Deficientes Visuais (ABDV), Adriana Lourenço das Candeias, disse que o problema é a falta de informação e socialização dos gestores. “Eles têm que saber o que o deficiente realmente é capaz de fazer. Muitas vezes só contratam para cumprir a lei e não têm noção do que é uma deficiência, seus limites, dificuldades e capacidades. Com mais informação, contratariam com mais segurança e consciência."

Incentivos às empresas

Para a diretora da ABRH Brasil, os profissionais de RH precisam ajudar os gestores a rever seus valores, mostrando, inclusive, o impacto que a contratação de pessoas com deficiência pode ter na imagem da organização. “Falta sensibilizar mais e mais as empresas para que elas possam perceber que serão beneficiadas, inclusive com uma imagem de boa empregadora. Isso tem impacto no mercado. Os clientes têm interesse em ter um relacionamento com empresas socialmente responsáveis, então isso também trará um retorno financeiro”, disse Jorgete Lemos.

Além da conscientização do setor empresarial, para Jorgete, é importante que o governo fiscalize as empresas no cumprimento da Lei de Cotas e crie outras formas de incentivo na contratação de pessoas com deficiência.

Ela destaca a Lei Brasileira de Inclusão – Estatuto da Pessoa com Deficiência, sancionada pela presidenta Dilma Rousseff em 2015, que incluiu, por exemplo, como critério de desempate em licitações públicas o fato de a empresa ter um programa de inclusão de pessoas com deficiência. A nova legislação garante condições de acesso à educação e à saúde e estabelece punições para atitudes discriminatórias contra essa parcela da população.

Formação dos profissionais de RH

 A diretora da ABRH Brasil reforçou que a equipe de RH também deve ser instigada a manter-se atualizada. Segundo a pesquisa, 35% desses profissionais nunca entrevistaram pessoas com deficiência e apenas 12% disseram se sentir totalmente capazes para realizar seu recrutamento e seleção.

“Nós precisamos conversar mais com os estabelecimentos de ensino, eles não estão preparando esses profissionais para a realidade. Principalmente as faculdades de administração que não têm espaço para falar de diversidade, geralmente apenas em atividades de apoio. Também não temos cursos de aperfeiçoamento sobre diversidade. As pessoas se aperfeiçoam por autodesenvolvimento ou acompanhando o trabalho de ONGs”, disse.

Ela contou que a ABRH Brasil também faz um trabalho de enraizamento de valores junto aos profissionais nas seccionais da associação pelo país.

As pesquisas de 2014 e 2015 sobre as percepções de inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho estão disponíveis na página da i.Social na internet.

*Texto alterado às 10h30 do dia 02/05/16 para corrigir o nome da diretora de Diversidade da ABRH Brasil. O nome dela é Jorgete, e não Georgete.

Edição: Juliana Andrade

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