Desnacionalização da indústria brasileira preocupa economistas reunidos em BH
Uma das principais preocupações manifestadas por economistas durante o 22º Congresso Brasileiro de Economia, que termina hoje (8) em Belo Horizonte, está ligada à venda de ativos brasileiros para grupos estrangeiros. Para eles, setores estratégicos da economia devem ser controlados por empresas nacionais, sejam públicas ou privadas.
O crescimento do Brasil no longo prazo, de forma sustentável e inclusiva, vai depender da formação de um parque industrial robusto na opinião de Júlio Miragaya, presidente do Conselho Federal de Economia (Cofecon), entidade que organiza o evento. "Uma das premissas de uma nação efetivamente independente e soberana é o controle nacional sobre certos setores estratégicos da economia. É preocupante o processo de desnacionalização da nossa economia. Capitais externos estão assumindo o controle de boa parte dos recursos naturais do país e avançam de forma acelerada sobre a indústria do petróleo, do gás e da energia elétrica".
O problema, segundo Miragaya, é que essas grandes corporações estrangeiras mantêm suas áreas de pesquisa, tecnologia e desenvolvimento nos países onde estão suas matrizes. Ele cita a indústria de fertilizantes, que seria fundamental para a economia brasileira gerar emprego e renda, mas infelizmente o país é hoje um grande importador.
Exemplos de proteção à industria nacional são muito comuns em todo o mundo. Em abril, o governo dos Estados Unidos anunciou a possibilidade de criar taxas para importação do aço, de forma a fortalecer as empresas do setor sediadas em seu território. Há alguns anos, a China vetou que a Coca-Cola comprasse a Huiyuan, maior fabricante de sucos no país.
Na visão de Antonio Correia Lacerda, doutor pelo Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o potencial da economia brasileira é subaproveitado pela ausência total de uma política industrial sólida. "O Brasil é dos poucos países do mundo que não precisa escolher entre ser bom no complexo agromineral ou na indústria ou nos serviços. Temos economia de estado, condições climáticas e território vasto para atuarmos em vários setores. Isso não é pra quem quer. É pra quem pode. E só quatro ou cinco países no mundo tem essa possibilidade", disse Lacerda, após receber o prêmio Personalidade Econômica do Ano de 2016, na abertura do congresso.
Ele destacou que a agricultura brasileira, um dos setores produtivos de sucesso no país, não se desenvolveu baseado apenas na eficiência microeconômica dos agricultores. "Houve uma política de estado. O papel da Embrapa [Empresa Brasílieira de Pesquisa Agropecuária], por exemplo, foi fundamental. E isso foi feito com investimento público, com políticas públicas. Foi ela quem desenvolveu a soja no Cerrado, que foi a grande revolução que tivemos na agricultura e que depois teve grande impacto também na pecuária".
Para ele, a indústria nacional precisa ser alavancada e, para ter um crescimento sustentável, o Brasil precisa de investimentos. "O argumento principal para o ajuste é o de que o Estado deveria funcionar como o orçamento familiar ou como uma empresa. E nós sabemos que isso não é possível. É justamente na crise que o Estado precisa investir, fomentar oportunidades. Não é qualquer gasto, mas é o gasto que tem efeito multiplicador. E também tem efeito demonstrador, porque estimula outros agentes a também aplicarem recursos no país. O ajuste pelo ajuste não se sustenta. A prática de juros elevados e o corte sucessivo de investimentos levam a mais recessão".
Eletrobras
A possível privatização da Eletrobras preocupa Nelson José Hubner Moreira, presidente do conselho de administração da Light. Para ele, a estatal brasileira exerce um poder indutor da economia nacional. No mês passado, o governo federal informou que pretende reduzir a participação da União no capital da Eletrobras, com sua consequente democratização na Bolsa de Valores, a exemplo do que já foi feito com a Embraer e a Vale. A medida teria como objetivo dar mais competitividade e agilidade à empresa para gerir suas operações.
"O setor elétrico, ao mesmo tempo que precisa ter energia barata para incentivar os demais setores industriais, é altamente intensivo e comprador desses outros setores industriais. Ele alavanca a própria indústria. Você pega, por exemplo, a energia eólica. A Eletrobras proporcionou o desenvolvimento de um parque, inclusive com diversas empresas de capital internacional que aqui se instalaram, mas que desenvolvem tecnologia aqui, geram renda e emprego aqui", destacou.
O presidente da Cofecon também desaprova a desestatização da Eletrobras. Na opinião de Miragaya, não se deve negociar esses ativos em momentos de crise, uma vez que o Estado acaba vendendo mais barato nesses períodos. "Não é questão de ser estatista ou não. É só ver a realidade dos países desenvolvidos. Às vezes, fica essa conversa sobre ineficiência. É uma bobagem. A Telebras, que era pública, foi privatizada, virou a Oi e hoje está completamente endividada. A Vasp foi privatizada e quebrou". Ele avalia que não se pode relacionar empresa estatal à ineficiência e corrupção e empresa privada à eficiência e ao trabalho ético. "Alemanha e Noruega têm parte significativa da sua indústria estatizada. A Volkswagen, que é um sucesso, tem 30% do seu capital ligado ao estado da Baixa Saxônia. Na China, 75% das principais empresas são estatais e é a economia que mais cresce no mundo."
Em agosto, o Ministério de Minas e Energia anunciou a privatização da Eletrobras, controladora da Chesf. A empresa passaria à iniciativa privada, mas a União permaneceria como acionista, embora com participação menor. O governo federal justifica a mudança alegando que a Eletrobras acumula um impacto negativo de R$ 250 bilhões nos últimos 15 anos. De acordo com o Ministério de Minas e Energia, o governo permanecerá como acionista da Eletrobras, recebendo dividendos ao longo do tempo, e a União manterá poder de veto na administração da companhia, garantindo que decisões estratégicas no setor sejam preservadas.