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Educação

Ocupação de escolas no Rio gera rede de solidariedade aos estudantes

Músicos, professores e artistas têm doado tempo e insumos para os
Akemi Nitahara – Repórter da Agência Brasil
Publicado em 04/05/2016 - 06:51
Rio de Janeiro
Rio de Janeiro - Colégio Estadual Heitor Lira, na Penha, zona norte da cidade, está ocupado desde o dia 4 deste mês, e parte dos alunos pede a sua liberação  (Tomaz Silva/Agência Brasil)
© Tomaz Silva/Agência Brasil
Rio de Janeiro - Colégio Estadual Heitor Lira, na Penha, zona norte da cidade, está ocupado desde o dia 4 deste mês, e parte dos alunos pede a sua liberação (Tomaz Silva/Agência Brasil)

Rio de Janeiro - Colégio Estadual Heitor Lira, na Penha, zona norte da cidade, ocupado pelos alunosTomaz Silva/Agência Brasil

Músicos, professores, artistas, cientistas, apoiadores e gente de boa vontade têm doado tempo e insumos para os estudantes que ocuparam mais de 70 escolas estaduais no Rio de Janeiro. O movimento começou no dia 21 de março, no Colégio Prefeito Mendes de Moraes, na Ilha do Governador, zona norte da capital, em apoio à greve dos professores, iniciada no dia 2 de março, e por melhorias nas escolas e na educação.

A geofísica Mônica Costa é uma das pessoas que se solidarizou com a causa dos alunos e mobilizou amigos para dar aulas de ciências exatas. O objetivo não é substituir os professores, mas dar um reforço no conteúdo e ânimo para quem vai prestar o Enem. “A gente tem um coletivo, Mães e Crias na Luta, e as meninas estavam ajudando muito com palestras, mas todas na área de humanas. Me lembrei dos amigos que dão aulas de exatas e achei que eles iriam se empolgar para empoderar os meninos para as ciências. É uma área mais carente, falta bastante professores.”

O grupo reúne 12 geocientistas, entre geofísicos, geólogos e físicos, que montou uma escala para, a cada dia, um dar uma aula no horário do almoço. De acordo com ela, foi escolhida uma escola do centro, a Souza Aguiar, que fica perto do seu local de trabalho e tem recebido menos ajuda.

“As escolas da zona sul, Largo do Machado, Leblon, têm muito mais voluntários e gente se oferecendo. Isso contribuiu para a nossa escolha também, porque no centro e à medida que você vai se distanciando do metrô, é mais carente de voluntários para ajudar. Os estudantes foram bem receptivos, estavam precisando de aulas na época em que a gente chegou, então eles estavam bem abertos. Entramos em contato na semana passada e começamos a dar as aulas mesmo esta semana”.

Música e doações

O músico Gabriel Muzak participou de um sarau no sábado (30), no Colégio Estadual Paulo Freire, no Cachambi, zona norte da cidade, e está organizando um evento artístico e musical para o próximo domingo (8), a fim de arrecadar doações de alimentos e de material de limpeza para as escolas ocupadas. Para Muzak, o movimento é “autêntico e maravilhoso”, já que partem dos próprios estudantes, os principais afetados, as denúncias sobre os problemas na educação e nas escolas.

“O auditório não é grande, mas poderia receber muitos eventos. Tem cadeiras para o público, um palco, sistema de som, violão, cavaquinho e instrumentos de percussão". Mas, segundo os alunos, a sala fica trancada o ano inteiro e ninguém sabia da existência. Assim como a sala de informática, com vários computadores novos, cadeiras, e ninguém tinha conhecimento. Havia grande acúmulo de livros lacrados no pátio central, os alunos questionaram e foi colocado um tapume em volta, transformando o local em um depósito de livros escondidos.

Na última segunda-feira (2), a cantora Marisa Monte visitou o Colégio Estadual André Maurois, na Gávea, zona sul do Rio. Pelo Facebook, a cantora postou uma nota de apoio e a lista do que os estudantes precisam. “São jovens estudantes, batalhando pela educação e cuidando com amor do que é público. De forma organizada, cada um fazendo a sua parte e dando exemplo para este país. Cantei quatro músicas com eles e com o Dadi e pude voltar a ter esperança em uma força transformadora”.

Professor de história no Instituto Politécnico da Universidade Federal do Rio de Janeiro em Cabo Frio, Vitor Bemvindo montou com outros colaboradores o Observatório das Escolas Ocupadas. O grupo, no Facebook, tem feito a intermediação entre as necessidades dos estudantes e as pessoas dispostas a oferecer ajuda.

“Como a maior parte das pessoas que está envolvida mora na Tijuca, então estamos acompanhando mais as escolas aqui da região. É um grupo de Facebook, a gente coloca as demandas de atividades das escolas, as pessoas se oferecem no grupo e repassamos para as escolas. Estamos agindo como um grupo de apoio mesmo, não interferindo na autonomia da mobilização deles, a ideia é mesmo ouvir o que estão precisando e tentar mobilizar doações”.

Com mais de um mês das primeiras ocupações, Bemvindo lembra que está marcada para esta quarta-feira uma mobilização unificada, com atos em diversas regiões da cidade, como o Largo do Machado, Bangu, a Tijuca e o Méier.

Negociação

A Secretaria de Estado de Educação (Seeduc) decretou recesso antecipado para as escolas ocupadas, que teve início segunda-feira (2), e informa que vai disponibilizar uma cota extra de até R$ 15 mil para cada unidade da rede, “para que sejam feitas, pela direção da escola, manutenção e reparos considerados menores”.

De acordo com a Seeduc, o governo já cedeu em diversas demandas dos grevistas e dos ocupantes, como o abono das greves ocorridas entre 1993 e 2016 e a decisão de que não haverá corte de ponto da greve atual. Além disso, a secretaria estabeleceu que, a partir de 2017, as disciplinas filosofia e sociologia passam a ter dois tempos no 1º ano; a votação, na Assembleia Legislativa, de lei para permitir a carga de 30 horas semanais para funcionários administrativos e para a escolha do diretor da unidade pelo voto da comunidade escolar e a regularização da situação dos professores que dão aulas em mais de uma escola.

“Com as ocupações, chegou-se a um ponto em que a secretaria não consegue mais agradar ao professor e ao aluno ao mesmo tempo. Dar presença a um docente sem que ele aplique o conteúdo didático-pedagógico não é justo com o estudante. Por outro lado, não seria justo dar falta ao professor que não está em greve e quer trabalhar, mas o colégio está ocupado”, diz nota da Seeduc.

A secretaria informa que o calendário das escolas ocupadas será diferenciado, de acordo com o tempo de ocupação de cada uma, e que está buscando espaços para montar escolas provisórias, a fim de “evitar que alunos contrários às ocupações, que são maioria, fiquem sem estudar”. Também vai autorizar a transferência de estudantes que queiram mudar de unidade.

O Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação do Rio de Janeiro disse que é contra o recesso antecipado e que só vai discutir o calendário de reposição das aulas ao fim da greve. O sindicato reitera que não está envolvido nas ocupações das escolas, apesar de apoiar o movimento e de professores grevistas estarem ajudando os alunos.

As propostas da Secretaria de Educação serão discutidas hoje pela categoria, em assembleia no Clube Hebraica, em Laranjeiras, que será seguida de uma passeata até o Palácio Guanabara, sede do governo do estado, a cerca de 1 quilômetro de distância.