Assembleia Legislativa de Pernambuco aponta irregularidades no ensino superior
Relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Faculdades Irregulares, da Assembleia Legislativa do Estado de Pernambuco (Alepe) acusa de irregularidades 17 instituições que ofereciam cursos de ensino superior no estado; algumas delas com atuação e sede em outros estados. Quase 20 mil alunos foram afetados por diferentes tipos de irregularidade, incluindo a venda ilegal de diplomas. O relatório final das investigações foi aprovado ontem (31), por unanimidade, e os detalhes foram apresentados hoje (1º) à imprensa.
A CPI foi instalada em outubro do ano passado e ouviu 151 pessoas em 21 reuniões. As investigações constataram quatro tipos de irregularidades: faculdades sem credenciamento no Ministério da Educação (MEC), instituições que ministram cursos de extensão como se fosse graduação, utilização indevida de instalações da rede pública estadual e municipal, além da comercialização de diplomas. O relatório acusa ainda as instituições de propaganda enganosa, sonegação fiscal, falsidade ideológica, estelionato e associação criminosa.
A CPI recomenda que o Ministério Público Federal (MPF) adote medidas judiciais e extrajudiciais contra as seguintes instituições: Faculdade de Desenvolvimento e Integração Regional (Fadire), Fundação de Ensino Superior de Olinda (Funeso), Faculdade Santo Augusto (Faisa), Universidade de Nova Iguaçu (Unig), Instituto Educacional Humberto Corrêa (IEduc), Instituto de Ensino Superior de Americana (Iesa), Centro de Ensino, Pesquisa e Inovação (Cenpi), Instituto Educacional Ruymar Gomes (Ierg), Instituto Superior de Educação de Floresta (Isef), Faculdade Ecoar (Faeco), Instituto Optométrico de Pernambuco (IOP), Faculdade de Saúde de Paulista (Fasup), Anne Sullivan University, Instituto Belchior e Faculdade Anchieta de Recife.
O relatório cita, também, uma instituição só pela sigla Ideb, que consta nas pesquisas pela internet apenas como Índice de Desenvolvimento da Educação Básica. Menciona, ainda, a instituição Uninacional, que informa em sua página da internet ser uma rede com 25 instituições de ensino superior, credenciadas pelo MEC, e atividade nas cinco regiões do país, embora não forneça a lista no site. Informa, porém, que “a Uninacional não se responsabiliza pelos atos praticados pelas faculdades associadas e não autoriza o uso da sua marca”. Para a CPI, a Uninacional seria uma articuladora da compra e venda de diplomas.
Algumas dessas instituições são de outros estados, ou têm atividades em mais de uma unidade da Federação. Segundo o relatório, o esquema seria praticado em todos os estados da Região Nordeste, alguns da Região Norte, além do Distrito Federal, Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro.
Também foram indiciadas 20 pessoas, identificadas como representantes das instituições. A deputada relatora, Teresa Leitão (PT), indicou que o trabalho se dava em família. Em dois casos, inclusive, pais e filhos atuavam juntos. Outra questão era a rápida abertura de uma nova faculdade, quando a primeira era fechada por determinação da Justiça, ou quando estava “visada”.
A relatora contou que as mensalidades das instituições acusadas eram geralmente mais baixas que os preços praticados no mercado. Por isso, atraíam pessoas com renda menor, que não conseguiam ingressar em curso mais caro ou não tinham tempo para tentar o ingresso nas concorridas universidades públicas. Segundo ela, um alvo comum foram os professores das redes públicas municipais. “Eles tinham o sonho de alcançar o ensino superior. O que torna o crime, para mim, mais perverso”.
Teresa Leitão disse que se supreendeu com o modo com que os envolvidos prestavam depoimentos nas sessões. “É como se dissesse: esse crime compensa, eu não vou ser pego por esse crime. Uma pessoa dizer que é diretora de uma instituição e não saber a renda, o movimento financeiro da institução; não saber o nome do seu diretor financeiro, chamar pelo apelido; ninguém sabia do sobrenome de ninguém, em tom de deboche, inclusive com a própria casa”, criticou.
Providências
Entre as recomendações do relatório estão a suspensão imediata de cursos e programas de extensão, bloqueio de bens para ressarcimento dos alunos lesados e retirada de publicidade a respeito dos cursos e instituições irregulares, além de as instituições serem impedidas de firmar qualquer tipo de convênio com entidade credenciadas pelo MEC para o fim de diplomas dos estudantes.
Há ainda o pedido de aprofundamento das investigações sobre “possíveis condutas ilegais praticadas pela Uninacional e suas associadas, especialmente Faisa e Unig, em relação à terceirização do ensino superior e à diplomação irregular, inclusive com a venda de diplomas”, de acordo com o relatório da CPI. Pede maior rigor também em relação à Faeco e à Ierg.
Além do MPF, foram feitas recomendações ao Ministério Público Estadual, Ministério do Trabalho e Emprego, Receita Federal e municípios de Pernambuco. Entre as propostas apresentadas também está a criação de uma CPI nacional, regulamentação dos artigos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, que tratam dos cursos de extensão, e estudo de alternativas para o aproveitamento do aprendizado dos alunos.
“Se a instituição é irregular, os estudos passam a ser irregularidades. Baseado nisso, estamos fazendo uma reanálise de toda a legislação, pegando alguma jurisprudência onde houve aproveitamento de estudos, a partir de exames de proficiência. Como o universo é imenso, são aproximadamente 20 mil estudantes aqui no estado, isso dificulta. Mas não vai impedir que a gente busque uma alternativa até esgotar as possibilidades. Também orientamos estudantes a buscar indenização”, indica a relatora da CPI.
A possibilidade de ingressar com uma ação judicial, segundo a deputada Teresa Leitão, está sendo trabalhada de duas formas: alguns estudantes já ingressam com processos por meio de advogado particular, mas há a possibilidade de recorrer à Defensoria Pública do Estado. “A Defensoria se colocou à disposição para atender esses estudantes e ver a possibilidade de ações individuais e também coletivas, em função da quantidade de alunos envolvidos”. Para isso, é necessário entrar em contato com a Coordenação da Área de Demandas Coletivas do órgão, nos telefones (81) 3182-3712 e 3182-3736.
Para saber quais as instituições autorizadas pelo MEC para oferecer cursos de ensino superior é possível acessar, na internet, a página do ministério.
Respostas
A Agência Brasil tentou contato telefônico e por e-mail com as instituições citadas para se manifestarem.
Em nota, a Faculdade Anchieta informou "que sempre teve compromisso com a educação, vem sendo apontada, de forma injusta e arbitrária, como Instituição de Ensino Irregular, pela CPI – Comissão Parlamentar de Inquérito, numa afronta aos direitos constitucionais do contraditório e ampla defesa, aos quais faz jus, posto que as atividades por ela exercidas sempre foram amparadas por legislação federal de ensino, estando, inclusive, devidamente autorizada pelo MEC.
A Faisa também respondeu, em nota, que a instituição é credenciada e autorizada pelo MEC a oferecer cursos de ensino superior, também credenciados, mas não oferece cursos de graduação fora de sua sede, em Santo Augusto (RS), e não tem ensino à distância em Pernambuco. A faculdade informa que instaurou procedimento administrativo para apurar as denúncias da CPI e alega que outras organizações teriam usado a marca Faisa indevidamente. Por fim, expressa repúdio a qualquer atividade educacional ilícita e afirma “ter como principal objetivo o aprimoramento de suas atividades e a busca constante da qualidade de ensino”.
*Matéria alterada às 15h47 do dia 2 de junho para acréscimo de informação.