Canadá tem 7% das reservas mundiais de água doce, mas legislação é defasada

Publicado em 20/03/2015 - 15:46 Por Iara Falcão – Correspondente da Agência Brasil/EBC - Montreal (Canadá)

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Com 35 milhões de habitantes (1% da população do planeta) e 7% das reservas mundiais de água doce renovável, o Canadá é um dos maiores produtores de hidroeletricidade do mundo, segundo a Agência Internacional de Energia (IEA).

Dados da Associação Canadense de Barragens destacam a existência de mais de 10 mil barragens no país, cerca de 600 delas para produção de energia elétrica. O recurso é vital também nos procedimentos das centrais termoelétricas – setor que mais usa a água doce disponível – e ainda na mineração e na extração de gás e óleo. Todas essas atividades, associadas à mudança climática, à crescente concentração populacional e à expansão industrial na região sul do país ameaçam o abastecimento e a saúde da água no Canadá. A maior parte das fontes de água doce está no Norte, às vezes, em áreas de difícil acesso.

Dados do governo apontam que, em 2011, o consumo diário per capita do canadense chegou a 483 litros. A organização não governamental (ON) The Council of Canadians (Conselho dos Canadenses), com sede em Ottawa, capital do país, lembra que o consumo elevado de água não se dá nas residências. “O montante de água que é usado pelo país nos lares, nas residências é, na verdade, apenas cerca de 9%”, esclarece Emma Lui, ativista da ONG. Ela diz que o resto da água é usado para a geração de energia nas hidrelétricas e nas indústrias de uso intensivo de água.

Em 2009, algumas regiões sofreram com o risco de redução do volume de água doce disponível com mais de 40% de retirada do recurso dos rios para o uso humano. Principalmente no sul de Alberta, Saskatchewan, Ontário, Manitoba e no Vale de Okanagan, na Colúmbia Britânica.

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No relatório On Notice for a Drinking Water Crisis in Canada – Caution: Don't Drink (Alerta para uma Crise de Água Potável no Canadá - Atenção: Não beba) divulgado na semana passada, o Conselho dos Canadenses sinaliza para o risco de contaminação durante os procedimentos de indústrias de gás e óleo, que exploram as areias betuminosas e o fracking - um método de extração de gás natural do interior de rochas de xisto sob alta pressão por meio do uso de grande quantidade de água -, além da construção de grandes oleodutos que atravessam rios, cachoeiras e pequenos cursos d'água. Um desastre ecológico poderia ocorrer, se houvesse vazamento de agentes tóxicos usados nessas indústrias, contaminando importantes fontes de abastecimento de água para a população. Pelo estudo da ONG, há ameaças em praticamente todas as províncias canadenses, inclusive em áreas destinadas às comunidades indígenas.

Para Emma Lui, do Conselho dos Canadenses, as leis do país estão defasadas e precisam ser revistas. “Eu acho que uma das coisas mais importantes é ter uma política nacional da água atualizada e capaz de enfrentar as ameaças atuais”, opina. Emma critica os governos provinciais por darem licenças ambientais para projetos de empresas do setor energético. “Não podemos distribuir licenças para a indústria de uso intensivo de água. É preciso pensar em ter água limpa para esta geração, para as gerações futuras e para o ecossistema também.” Ela critica o governo federal pelo corte de recursos nas áreas de pesquisa da água e de leis de proteção do meio ambiente.

No Canadá, uma série de leis federais, provinciais e municipais regula o uso da água doce. Entre as principais está o Canada Water Act, a lei federal de recursos hídricos do Canadá, consolidada em 1985. O dispositivo jurídico, atualizado periodicamente, estabelece regras de gestão de uso da água incluindo a pesquisa, o planejamento e a realização de programas que levem à conservação e valorização do recurso. A Política Federal da Água, de 1987, determina a integração e a responsabilidade pela gestão do recurso compartilhada entre os três níveis governamentais. As províncias são responsáveis pelas águas existentes dentro de suas divisas; os municípios, pelo tratamento e distribuição da água potável a suas comunidades: e o governo federal, pelas águas que correm em parques nacionais, reservas indígenas e outros territórios da federação. O governo também tem domínio sobre as águas que cruzam as fronteiras entre o Canadá e o Estados Unidos.

Apesar dos riscos, a qualidade da água doce do país é uma das melhores do mundo, segundo dados do Environment Canada de 2010. Comparada à agua de países como Austrália, Estados Unidos, Alemanha, Reino Unido, França e Japão, a água canadense tem qualidade superior, perdendo apenas para a da Suécia.

As estações de tratamento de água abastecem cerca de 80% dos canadenses com água potável (Statistics Canada, 2011). Apenas 3% da população não tinha esgoto tratado em 2009 (Environment Canada).  As Recomendações para a Qualidade da Água Potável no Canadá, política elaborada pelo Ministério da Saúde (Health Canada), traçam as exigências a serem seguidas pelas administrações locais para assegurar a qualidade da água potável a ser consumida em território nacional. A política ganhou notoriedade e atualmente o Health Canada colabora com a Organização Mundial da Saúde (OMS) na elaboração de diretrizes globais.

Em janeiro deste ano, segundo o Conselho de Canadenses, havia 1.838 alertas para o uso da água potável no país, sendo 169 nas comunidades indígenas. Esses alertas são avisos sobre a qualidade da água, precauções necessárias ao ingerir a água potável, como a necessidade de fervura e, em alguns casos, até a proibição do uso do recurso.

Segundo Emma Lui, parte do problema está associada à infraestrutura de tratamento da água e esgoto. “Em muitos municípios e cidades, a infraestrutura está, realmente, bem velha. É preciso modernizá-la, mas o problema é que os municípios não têm fundos adequados para isso.”

Além de um investimento na infraestrutura de tratamento de água e esgoto, sobretudo nas comunidades indígenas, ela sugere a criação de um fundo público nacional para a infraestrutura.  Outras recomendações são o reconhecimento da água como um direito humano e mudanças na legislação - um tema que a ONG considera importante, principalmente em ano eleitoral.

“Temos uma eleição federal este ano e é importante que os partidos e líderes envolvidos realmente se comprometam a proteger a água potável e atualizar a política nacional da água para que ela permita enfrentar as ameaças atuais existentes”, ressalta.

Edição: Lílian Beraldo

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