Persistência de jogadoras contribuiu para crescimento do futebol feminino
Os megaeventos esportivos no Brasil, a retomada do Campeonato Brasileiro Feminino, os investimentos do governo federal e a formação da Seleção Feminina Permanente são fatores que contribuíram para a situação de maior visibilidade do futebol de mulheres hoje. A avaliação de que houve melhorias na modalidade foi feita por treinadores e jogadoras entrevistados pela Agência Brasil.
Professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e especialista na temática mulher e esporte, Silvana Goellner acrescenta um fator à lista: a persistência e a dedicação das atletas.
“Podemos atribuir [essas conquistas] também à persistência dessas mulheres que, com um cenário tão adverso, continuaram investindo no futebol. Apesar de entender o futebol de mulheres como ocupação, e não como profissão, pois muitas delas precisam ter outras formas de subsistência”, destacou a pesquisadora.
Ela lembrou da jogadora Bagé (Daiane Rodrigues) que hoje está no time paulista São José e que, além do futebol, mantém uma pastelaria com uma colega ex-jogadora do time, Priscila Rossetti (Priscilinha). “Faço essa atividade na parte da noite, porque durante o dia é o futebol”, explicou Bagé, que vai disputar o Campeonato Brasileiro Feminino pelo clube.
Silvana diz que o futebol masculino no Brasil é uma exceção a todos os esportes e discorda de comparações entre a modalidade feminina e a masculina. “[O futebol masculino no Brasil] não pode ser comparado nem ao feminino nem a outra modalidade esportiva, seja em termos de investimento, visibilidade, condições de infraestrutura ou calendário de campeonato”, afirmou.
Para ela, ao tentar comparar situações, é fácil cair no discurso da “ausência e da falta” e deixar de enxergar as potencialidades. “Estamos saindo de uma fase de quase invisibilidade para um movimento mais sensível de reafirmação das mulheres no futebol”, explicou.
A jogadora do Adeco Mayara Bordin, 27 anos, avalia que o modelo construído no masculino não deve ser perseguido pelo feminino.
“Acho que não tem necessidade de chegar no jeito que eles estão, porque se vê onde os clubes estão chegando, se atolando em dívidas. Acho que não tem necessidade, mas não tem porque a gente viver do jeito que a gente vive”, avaliou.
Mayara lamenta que os salários ou a ajuda de custo das jogadoras não cheguem a 1% do total recebido pelos homens. O Adeco – time do Centro Olímpico de Treinamento e Pesquisa, equipamento da prefeitura de São Paulo para esporte de alto rendimento – foi o campeão do Brasileirão feminino em 2013.
Mayara lembra que essas disparidades não ocorrem apenas no futebol. “Em todos os campos de trabalho, há diferenças muito grandes em termos de salário, condições”, lamentou.
Além das questões salariais, Silvana diz que há muito preconceito e que as desigualdades de gênero se expressam de diversas formas no futebol. “Um discurso recorrente é que o futebol feminino não atrai mídia porque os uniformes são muito largos, as mulheres não são bonitas e, às vezes, ostentam um comportamento muito masculino. Esse tipo de preconceito existente no futebol é um dos entraves para o desenvolvimento da modalidade”, avaliou.
A pesquisadora percebe o futebol como um espaço democrático que acolhe grupos de mulheres excluídos – que não representam uma feminilidade esperada pela sociedade e, por isso, não conseguem inserção em outros esportes. “Elas encontram no futebol um espaço de expressão, de empoderamento e de sociabilidade”, destacou a professora dizendo que é comum a presença de mulheres pobres, negras e lésbicas no futebol feminino.
Ela critica discursos, em especial o da imprensa, que valorizam aspectos não relacionados à prática esportiva. “Falar da beleza das jogadoras é um detalhe que não interessa. O que teria que se falar é das habilidades esportivas, técnicas, táticas, isso que é importante no esporte”, defendeu.
Silvana tem receio de que os investimentos cessem após os Jogos Olímpicos de 2016, no Rio de Janeiro, e, por isso, destaca a importância do diálogo entre entidades esportivas e o Poder Público. A professora defende a modalidade feminina como um aspecto da identidade nacional. “Colocar na pauta política a questão do futebol e as mulheres é algo importante para a representação do Brasil e é uma conquista do esporte brasileiro”, afirmou.